quinta-feira, 17 de abril de 2008

BAIXADA LUGAR DE PASSAGEM, PASSAGEM SINÔNIMO DE PÁSCOA

MUITOS CRESCEMOS Á SOMBRA DE DOM ADRIANO – Sempre fui muito próximo à pessoa de Frei Adriano Hypólito, desde minha adolescência em Ipuarana. Quando surgiu a ocasião de afastar-me fisicamente da Província de Santo Antônio e oferecer meus préstimos a Dom Adriano, já bispo de Nova Iguaçu, não pensei duas vezes. O universo, coberto pelas duas singelas frases anteriores, é muito mais vasto e complexo, mas hoje não vem ao caso. Detalhes mais ou menos saborosos, mais ou menos saudosos, ficam eventualmente para outras escritas. O que lembro hoje é a FOLHA diocesana e as IMAGENS de Dom Adriano. Por puro quixotismo, assumimos produzir uma FOLHA litúrgica de conscientização eclesial e política, que viveu gloriosamente vinte anos; e foi então adotada em dezenas de paróquias, por este Brasil afora, insatisfeitas com a água açucarada, que compunha boa parte dos subsídios litúrgicos. Isso em pleno tempo da ditadura militar.

VESPA VALENTONA SERIA O SÍMBOLO DE NOSSA FOLHA – Certo domingo, nos anos de chumbo, foi distribuída, nas comunidades, uma FOLHA falsificada, com loas ao regime e ataques viperinos à teologia da libertação e à pastoral conscientizadora. Os anônimos são covardes e não assinam, por isso não descobriu-se de onde partiu a falsificação. O seqüestro martirial do bispo de Nova Iguaçu foi politicamente fundamentado com o desabuso da FOLHA em comentar a situação e escrever o que pensa. Mas isso também leva a outras viagens, que não cabem nos presentes comentários. Na FOLHA, nosso Dom Adriano praticou, em termos de concisão e sobriedade, tudo o que ensinava em Ipuarana, nas aulas de português e escrita. Mantinha duas colunas: uma de reflexão religiosa pastoral e outra de IMAGENS, suas afamadas IMAGENS, sobre situações comuns, na vida do povo. Ajudei a reunir, em alguns volumes, as IMAGENS de Dom Adriano. As VOZES DE PETRÓPOLIS publicaram.

LITURGIA CELEBRAVA A VIDA REAL DO POVO – Para o primeiro volume, Dom Adriano pediu que eu escrevesse o prefácio, que já tinha executado a tarefa da seleção. Entrei neste volume das IMAGENS de Dom Adriano como companheiro de uma jornada que começou em 1972. Naquele ano, por solicitação da assembléia diocesana, saía o primeiro número da FOLHA, semanário de conscientização e liturgia, que se propunha incrementar o casamento da vivência cristã com a realidade da Baixada Fluminense, nas celebrações de nossas comunidades. Em vez de excluída como profana, a realidade concreta do povo, levada para o culto, bem que podia servir de sopro nas cinzas, para deixar a brasa da fé mais rubra e mais comprometida.

NOSSA FOLHA DESENTOCOU UM POETA FRANCISCANO – Sem que constasse dos nossos planos, a FOLHA serviu de instrumento para desentocar o poeta que morava escondido em Dom Adriano. O resultado foi a seleção de IMAGENS da Baixada Fluminense. Em pequeninas crônicas, a poesia se transforma em vida, retomando o sentido primitivo de engajamento na feitura amorosa das coisas. Demos ao volume o título de IMAGENS DE POVO SOFRIDO. E valeu como homenagem a Diocese de Nova Iguaçu aos 800 anos do poeta São Francisco de Assis:o hino às criaturas pequenas de outro poeta franciscano. Surpresa: as IMAGENS de Dom Adriano falam com amor desta mal-afamada Baixada Fluminense.

ENTENDE MELHOR QUEM AMA E TEM COMPAIXÃO - Como lembrar-se de amor, quando o assunto é Baixada? Dela não se reportam apenas violências e escabrosidades? A Baixada não é o bem sortido supermercado dos escândalos, que abastecem o faturamento das curiosidades mórbidas? Mas os radares da compaixão captam mais a verdadeira realidade humana do que o profissionalismo insensível dos remexedores dos lixões. O amor ajuda a ver melhor. Daí que as IMAGENS de Dom Adriano constituem uma declaração de amor por este povo sofrido. Povo mártir, povo martirizado, como ele gostava de dizer.

SENTIMENTOS DE CULPA NÃO FARIAM MAL À GENTE FINA – A zona-sul do Rio começa a sentir saudades do Brasil, assim que atravessa o túnel para os lado da Baixada. A travessia do nosso mar imenso de casas proletárias deve baixar, ainda mais, o astral. É bom que o choque da miséria continue embrulhando os estômagos delicados. Em vez de boa saudade, um sentimentozinho de culpa não faria mal à gente fina, pois lembraria que o Brasil é muito mais a Baixada Fluminense do que os bairros chiques das grandes cidades. A esnobação bem nascida e bem nutrida constitui apenas um aspecto da insensibilidade nacional perante a sorte dos pobres, que ela faz questão de continuar explorando.

NAS IMAGENS DE DOM ADRIANO, CERTEZA DE QUE A PÁSCOA JÁ COMEÇOU – AS IMAGENS DE DOM ADROANO acompanham o povo da Baixada Fluminense passando de um lado para o outro. A Baixada foi sempre lugar de passagem. Continua a ser passagem das multidões de zésdasilva e zefasmariasda conceição, que produzem no Rio a riqueza dos ricos e voltam para a Baixada ainda mais pobres. Mas passagem não é também sinônimo de Páscoa? Passagem da morte para a vida. Passagem do povo pelos obstáculos do mar. Passagem da escravidão dos faraós para a liberdade da Terra Prometida. Nas IMAGENS de Dom Adriano, mora a certeza tranqüila e profética de que, também para o povão da Baixada Fluminense, síntese do povão brasileiro, já começou a caminhada pascal.

ADRIANO HYPOLITO: IMAGEM APENAS CONFIRMANTE

1. Instalado, reconciliado com Deus e su’alma, o doutor reflete sobre a pregação deste domingo luminoso e claro. O padre exagerou. Evidentemente e-xa-ge-rou. Chama a distinta: Leonor, não achas também que o padre exagerou? D.Leonor também acha, sim, que o padre exagerou. Até me cheira a subversivo. Não direi tanto, pondera o doutor, mas que exagerou, e-xa-ge-rou. Que diferença de antigamente, quando a Igreja só se ocupava das almas e das coisas santas. Voltava-se ao lar tranqüilo, não era, Leonor? Sim, era.

2. Sim, era. Velhos tempos, belos tempos, Leonor, eu acho que... Sim, ia falar com o padre. Afinal eu fui presidente da festa do ano passado. Apoiado solidamente nesse título, reflete o que dirá ao quase subversivo. Trata-se da frase infeliz: “O supérfluo pertence aos pobres”. O Reverendo sabe mesmo o que é supérfluo? O Reverendo não distinguirá a posição social de um executivo, de um ministro, de um general, ou (pra ficar na sua área) de um cardeal etc? Ou gostaria de nivelar tudo por baixo?

3. Porque, Reverendo, o que é supérfluo para minha governanta faz parte do meu status, entende? Supérfluo é palavra oca. Frases como essas, Reverendo, atiçam a luta de classes, conduzem ao caos, solapam as bases da sociedade. Onde fica então a caridade que Cristo pregou? Onde? Sobretudo nessa hora em que as forças do mal etc. E por aí afora discorreu o doutor. Argumentos apocalípticos. E o resto. Apenas o doutor esqueceu a palavrinha que não é do Reverendo: “Como é difícil um rico entrar no reino dos céus!”

terça-feira, 1 de abril de 2008

NENHUM RAIO REDENTOR ATRAVESSANDO A ESCURIDÃO DO TAPETE

Recebi correspondências pascais dos dois confrades franciscanos Frei Angelino e Frei Juvenal. Para a minha Semana Santa, cartas repletas da luminosidade, gerada pela ligação direta da Vida na Corrente. Nas costas de minha crônica do macaquinho trepado em palmeira africana, aguardado sofregamento pelo crocodilo lá embaixo, escrevi pensamentos pascais aos dois admiráveis confrades. Com os comovidos agradecimentos, pela fraterna amizade e pelos encorajamentos. Por coincidência, escrevi-lhes, após sair da frente do noticiário televisivo, festival cotidiano da miséria alheia, com os apedrejamentos de praxe, sem nenhuma consideração pelo respeito devido ao próximo, sem nenhum raio de redenção atravessando a escuridão do tapete. De um lado, os “criminosos” anatematizados; do outro, os engravatados apedrejadores. Mundão precisado de Páscoa, certamente mais nos paletós e gravatas mercenários do que na molambada moral dos pobres e mal sucedidos, enlameados com gosto e boca cheia mas, por causa dos quais, aconteceu a História da Salvação. Fios de luz pascal vislumbro, com gratidão, nas palavras amigas que me escrevem os dois confrades, edificantemente radicais em sua opção pela Fé.

NÃO FOI A ONIPOTÊNCIA MAS SUAS FERIDAS QUE NOS SARARAM – Antes da Páscoa, porém, tem o Calvário e a Cruz. Sinto-me cada dia mais perto de Jerusalém da Semana Santa. Prossigo levando minhas quedas por aí afora, não na estrada do Gólgota, mas nos consultórios médicos. Cada semana, aparecem novidades, com exigência de novos exames. É indisfarçável a deterioração da antiga vitalidade. Acho que os Poderes lá de cima convencionaram purificar-me a qualquer preço. Ao preço também da participação mais próxima nos sofrimentos de “Quem nos salvou por suas feridas”. Tal como o Filho Pródigo irrefletido, devo ter esbanjado, de maneira perdulária, os bens e a saúde que talvez pudesse agora estar desfrutando, na estação da colheita. Para os estultos, porém, como para os sábios, volat irrevocabile tempus. É pensamento realmente deslumbrante imaginar a eternidade sem mais cuidado ou preocupação, dessas que passo no momento.

E O MACAQUINHO DA PALMEIRA COM TUDO ISSO?
– Por quais portas entra, em minha crônica de Páscoa, o macaquinho africano e os outros personagens irônicos? Pela porta da fraterna ironia mesmo! Acho surpreendente como pessoas bem sucedidas sentem verdadeiro comichão psíquico, perante qualquer reconhecimento estatístico dos pobres e incompletos socialismos que conseguiram ser implantados, como forma de governo e de gerência da riqueza social. É realmente freudiano como Fidel, Che Guevara e Hugo Chávez mexem com os nervos. Por que a Providência divina ainda não despachou os saduceus comunistas para os quintos dos infernos? Quanto a mim, faço minhas provocações, pedindo ao Espírito que transforma a face da terra, que me torne mais comunista, no sentido gramatical desapegado e generoso. Mas ideologias são iguais a futebol: ganhe ou perca o time, o apego fica maior e mais irracional.

O PROBLEMA COMEÇAVA NA PRIMEIRA CASA AO LADO DE NOSSOS MUROS – Em grande e belo grupo ipuaranense, por aí afora, botaram Dom Adriano na berlinda. Alguém entusiasmado com o passado, com as boas lembranças e naturalmente com as saudades do tempo lindo que não voltam mais, perguntou se Dom Adriano fazia restrições à formação do nosso Seminário. Dom Adriano gostou da pergunta para entrar no assunto: isolamento do Seminário da situação geral do povão em redor. Deu, como exemplo, a migração permanente dos jovens do Brejo, para o Rio e São Paulo, onde eram cortados impiedosamente dos laços familiares e das tradições paternas. A debandada socialmente injusta acontecia a partir da primeira casinha, no outro lado dos muros do Seminário. Esta espécie de problema nunca foi colocada, em nossa formação. Dela as preocupações sociais ficaram fora. No lado de dentro dos muros, não chegavam os clamores das famílias dilaceradas.

ARRANCADO DO BREJO DA PARAÍBA E PLANTADO NO POLO NORTE – Ipuarana, certamente também muitos outros seminários, poderiam ser arrancados do chão, como na pia legenda da Casinha de Loretto, e plantados em qualquer outra geografia do mundo ou até mesmo no Pólo Norte. Só precisaríamos trocar as roupas. Tudo continuaria a funcionar bem, com previsibilidade, dentro do esquema. Nosso Dom Adriano, em palavras mais delicadas do que as minhas, atribuía sua conversão menos à rotina religiosa da Província do que à bagunça popular incontrolável da Baixada Fluminense. Como papa, dizia ele bem humorado, não canonizaria indivíduos, mas o Santo Povão Brasileiro mártir. Posso atestar que a devoção do São Povão pelo seu bispo desinstalado e disponível era correspondida. Em vez de virar arcebispo ou cardeal, andou levando puxões de orelhas de burocratas curiais carimbeiros, por seu desvelo com a Justiça. O que não é novidade, desde os procedimentos processuais da primeira Quinta Feira Santa à noite.

O QUE VOCÊ FAZ AÍ SOZINHO NO BANCO DA IGREJA? – Por falar em Dom Adriano e nos queridos recantos do passado, conto-lhes a pequena saga do Zé Carola. Zé era também da Paraíba, arribado para o Rio. O que para ele sobrou, no Sul Maravilha, foi uma flanelinha, na frente da Catedral de Nova Iguaçu, para zelar os carros dos bacanas. De família intensamente devota, o Zé não perdeu a religião nem a fé, juntamente com as raízes que lhe foram roubadas. Ao contrário, na solidão desamparada e sem afeto da cidade grande, Zé aferrou-se, de corpo e alma, às rezas de sua mamãe. Entre um carro e outro a vigiar, dava suas corridas para dentro da Catedral. Lá sentava-se no banco da frente e olhava para o altar. Isso tantas vezes e com tanta freqüência, que terminou gerando desconfiança. A admiração só cresceu, quando sacristão e vigário constataram que aquele nordestino magrelo não era ladrão dos cofres da igreja. Os dois perguntaram: - “O que você faz aí sentado o tempo todo?” – “Não faço nada!” – “Mas então o que é que você reza tanto? – “Não rezo nada, fico olhando para Ele e Ele fica olhando para mim!”

LÁ DE BAIXO OS RICOS PERDULÁRIOS AVISTARAM ZÉ NO SEIO DE ABRAÃO – Certa manhã garoenta, Zé Carola foi atropelado, em suas correrias entre os automóveis. Levado às pressas para o Hospital da Posse, foi jogado no catre de uma enfermaria, como indigente. Na hora certa, os outros doentes recebiam visitas, menos o Zé. Ninguém o visitava, mas ele fez um pedido especial, fácil de ser atendido. Suplicou que deixassem uma cadeira vazia ao lado de sua cama. A enfermeira, em tom de galhofa, perguntou para quê? Zé respondeu que, quando as outras visitas saíam, a dele chegava. Sentava-se na cadeira e ficava olhando para ele dizendo: - “Zé, sou eu agora que olho para você!” Foi quando abriu vaga de anjo lá em cima e o Administrador não teve muito trabalho de escolher o substituto. No Hospital-açougue, Zé contraiu grave infecção, que não demorou a transportá-lo dos brejos e áridos deste mundo para o Seio de Abraão. Lá de baixo, os proprietários dos carrões brilhantes olhavam para cima, sem transporte para fazer a travessia. - Pois São Zé Carola do Brejo de Lagoa Seca leve a todos vocês nossos melhores votos de Páscoa!

Com minha amizade – Luís

sábado, 23 de fevereiro de 2008

EXAME DE CONSCIÊNCIA TREPADO EM PALMEIRA AFRICANA


“NÃO EXISTE ABJEÇÃO SEMELHANTE À MINHA ABJEÇÃO”
- O Continente Africano, de saudosa memória para a “elite branca” brasileira, bem podia fazer, das LAMENTAÇÕES DO PROFETA JEREMIAS, proclamadas liturgicamente na Semana Santa, o seu hino nacional de comunicação com o resto do mundo. E também de denúncia indignada do que o colonialismo europeu perpetrou em seus países. A África aparece, nos meios de comunicação, como imenso depósito de todas as desgraças humanas. A televisão mundial fatura bilhões em documentários da vida animal africana e com safáris de miliardários brancos, em suas reservas. Você sabia que os negros nativos estão geralmente proibidos de entrar nas reservas, para que não identifiquem sua fome crônica com a vontade de comer os animais selvagens?

REVOLUÇÕES DE LIBERTAÇÃO NACIONAL – Décadas atrás, sucederam as chamadas revoluções de libertação nacional. O colonialismo europeu entranhado foi posto portas afora, na mais clara consciência nativista e, não raro, com a violência reprimida durante séculos, por populações que não apenas sofreram o estigma humilhante da escravidão, mas foi obrigada a introjetar a inferioridade e a desvalia. Várias sociedades africanas optaram pelo socialismo marxista, do tipo estalinista. Dele caíram vítimas também as igrejas cristãs, representadas por missionários brancos, importados dos países imperialistas de origem: - “O catolicismo conviveu e cooperou com a opressão, por isso agora pau nele!” – Assim pensaram e reagiram muitos africanos “libertados”.

PROVÍNCIA DE SANTO ANTÔNIO PRESENTE Á EFEMÉRIDE – Dois colegas franciscanos de nossa Província viram tudo aquilo mais de perto: Frei Alfredo Schnuettgen, o Pifcke, e Frei Albano Pereira Nóbrega, o Desbravador. Durante décadas anteriores, Frei Alfredo tornara-se “apóstolo” dos pescadores pobres, espalhados e politicamente dispersos, pelas praias do Nordeste. A esse título, tornou-se nacionalmente conhecido e admirado. Era soldado valente da justiça social. Personalidade monobloco, sem curvas e sem meandros, achou que a justiça encontrara finalmente seus trilhos políticos, nas revoluções libertárias dos países africanos. Desejou ver isso de perto, participar na alegria dos libertados. Viveu temporada na revolucionária Guiné-Bissau, ex-colônia portuguesa, agora independente e marxista.

A ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO
– Nosso bem intencionado confrade nunca teria visto tanta miséria, tanta desigualdade e tanta arrogância burocrática. Em nome da igualdade socialista. Nunca vira também tanta má vontade dos burocratas, frente à presença dos missionários católicos. Tendo sido a vida inteira “verdadeiro israelita”, a decepção do nosso Pifcke foi tamanha que, na volta ao Brasil, morreu de tristeza, junto com suas esperanças de sociedade fraterna. O desencanto minou-lhe a resistência contra os “bacilos Africae”. Em primeiro momento de fé juvenil, achou inocentemente que o socialismo revolucionário seria a implantação, através da política, dos objetivos do Evangelho.

NOSSO “CANGACEIRO”VIAJOU VACINADO – Frei Albano, de espírito inquieto e radar sempre ligado, ofereceu generosamente alguns anos de sua vida pastoral a um bispo franciscano da África. Diz ele que por penitência e reparação, pelos séculos de escravização de africanos no Brasil. Generosidade que bem corresponde ao ânimo desbravador do nosso “cangaceiro” da Paraíba. Sou amigo admirador de Frei Albano. Em seu retorno da temporada em Guiné-Bissau, passou dias conosco, em Nova Iguaçu. Pude então conversar, fazer perguntas e matar curiosidades revolucionárias. De antemão, sei que política não se identifica com Evangelho. Nenhuma ideologia é capaz de transformar a face da terra. Essa tarefa pertence ao Espírito de Deus, que age pelos seus portadores. Passado na casca do alho, nosso Frei Albano sabia que não viajava para o Jardim do Éden, com acesso, desde o infausto Dia, vetado às aproximações meramente humanas.

VISÕES OPOSTAS E IRRECONCILIÁVEIS DE IGREJA
– Não gravei o que conversamos e as opiniões e observações de Frei Albano vão aqui de memória. Albano descobriu, in loco, a necessidade que as igrejas têm de nutrir profundo respeito pelas diversas culturas dos povos, aos quais anuncia a Boa Nova. Me lembro de uma frase sua: “Para africanizar-se, não basta identificar a renovação eclesial com a introdução dos nativos batendo pandeiro na liturgia”. Sobre a nova situação da Igreja em países tradicionalmente oprimidos e explorados, agora construindo e vivendo sua independência, nosso confrade acha o seguinte: “Existem atualmente, entre os fiéis e entre os próprios padres, duas visões da Igreja, da missão, do missionário e da própria fé. Visões opostas e irreconciliáveis! De visões opostas e irreconciliáveis, derivam atitudes também opostas e alinhamentos cristãos antagônicos dos missionários, que ajustam sua própria vida e seu trabalho de maneiras diferentes à nova situação”.

“NO PASSADO NÃO ESTÁVAMOS COM O POVO”
– Continuo perseguindo a memória das conversas com Frei Albano, retornado da África. Conforme o confrade corajoso, há tolerância entre as duas tendências contraditórias. Isso lhes permite a coexistência, mas infelizmente não a convergência. Exemplos: “Em Moçambique um grupo de freiras consegue ver benefícios na situação política, que espoliou a Igreja de todos os seus privilégios. Elas compreendem agora que não deveriam considerar-se donas: nem do hospital, nem das escolas, nem de qualquer outro serviço prestado ao povo. A revolução política as ajudou a se destacarem das estruturas em que viviam e que, aos olhos do povo, apareciam como riqueza e conforto. Reconheceram que, no passado, não estavam “com” o povo. Hoje moram em casas mais simples, mas afirmam que são mais felizes e mais livres. Assumem, como seu dever, continuar em Moçambique, até quando for possível. Porque o povo ainda está sofrendo e é preciso ajudar as pessoas a verem claramente e serem críticas. A revolução desmitizou as santas freirinhas!”

“HOUVE O ECLIPSE E O SOL APAGOU-SE” - Em Angola, a mesma realidade é interpretada diferentemente por um missionário capuchinho europeu. Ele lamenta a perda das escolas, tipografias, carpintarias, internatos, as construções da nova missão. Tudo foi nacionalizado e a população só pôde responder com o silêncio. Para este servo de Deus, houve um eclipse no céu, mas não um eclipse permanente. “Basta esperar, que eles vão nos procurar de novo! De qualquer maneira, valha como consolo que tudo pode ser entendido como vontade de Deus!” Conforme o missionário, os sofrimentos do passado são menos dolorosos do que as angústias e incertezas do presente. “O pessoal precisa sofrer, a fim de descobrir que era feliz e não sabia! A segurança do passado ainda há de voltar!”

IGREJA DESINSTALADA COMO O MESTRE – Duas mentalidades, duas visões, duas práticas opostas. O que é importante para uns é desgraça para outros. Perda para uns é ganho para outros. No primeiro caso, transparece a satisfação, porque a realidade espoliou, tornou pobres, deu a possibilidade de refletir e de aceitar a pobreza: a incerteza de não ser dono da casa, ser tratado como os outros, descobrir o sentido do provisório, mudar atitude e estilo de vida, ser desmitizado, dar o primeiro lugar à justiça, à participação, à vida dos outros homens, às alegrias e aos sofrimentos, quer no trabalho, quer na vida política. Trabalhar não mais “para” os outros mas “com” os outros. O que torna possível aceitar, com alegria, tal realidade é a consciência de que tudo isso constitui a verdadeira e permanente situação em que a Igreja deveria viver, para ser cada vez mais semelhante ao Mestre.

IGREJA IDENTIFICADA COM OS MANDANTES E PROPRIETÁRIOS – Já a segunda interpretação revela uma Igreja que se recorda com saudade do tempo passado, que se angustia por ter perdido os bens, que se perturba perante o presente sombrio esperando que passe, que tem somente uma vaga esperança para o futuro. Considera o novo regime como eclipse que há de passar, e identifica a Igreja, organizada e proprietária de bens e de obras sociais, com o próprio Deus que, uma vez revelado, sempre fica e vence. Esta é uma Igreja que se fecha em seu desdém de usurpada e na secreta satisfação, em constatar que a população só pode reagir com o silêncio. Pois é, tudo isso ensina que libertação tem de ser também para o homem religioso e para as igrejas, incluindo a nossa.

DESAUTORIZO A MENSAGEM DESAUTORIZANDO O MENSAGEIRO – Leitores virtuosos sugerem, não sem razão, exame de consciência, como acesso ao direito de “anunciar”. Apontam possíveis contradições entre o que se vive e o que se prega. Identificam autoridade da “profecia” com integridade do “profeta”. Nossas reflexões os ajudem na mesma direção. Mas sem atropelar estrutura fundamental, recorrente na História da Salvação: a figura do “wounded healer”, o Médico ferido, “por cujas chagas fomos todos curados”. Nas comunidades de nossa Província, comentava-se bem humorado que os frades se dividem entre os “confessores” e os “mártires”. Os “mártires” são aqueles obrigados a conviver com os “confessores”. Estes encarregavam-se, às vezes em tempo integral, de fazer o “exame de consciência” dos martirizados confrades, que com eles precisavam conviver.

RETORNO AO SOFRIDO CONTINENTE AFRICANO – E aproximação a certa palmeira, na beira do Nilo. Lá em cima dela, encarapita-se apavorado macaquinho. Embaixo, guardando o tronco, monstruoso crocodilo exaspera-se indignado, porque o macaquinho reluta em descer e entregar-se. Como se macaco fosse carne de primeira! Desconfio que a estorieta não foge ao nosso assunto! Aproxima-se a Semana Santa, com a grande Sexta Feira, dia do Calvário e da Cruz. Dia também do primeiro Santo explicitamente canonizado. Não pelo Papa, mas pelo próprio Jesus. O primeiro ser humano a, com toda certeza, ter entrado no Paraíso, como primícia nupcial do Sangue redentor. O ser humano a quem chamamos eufemisticamente de Bom Ladrão, que de bom deve ter feito pouca coisa, em sua vida bandoleira. Na hora da graça, prevaleceu a misericórdia e não pretensas integridades pessoais. Concluo com relembrança aparentemente dispersa, mas que também pode ter algo a ver com o assunto. Meu amigo iguaçuano Nestor Figueiroa não tem nenhum dente na boca. Usa prótese total superior e inferior e foi dos dentistas mais competentes e dedicados que conheci. – Mas já é hora de terminar as considerações, com os melhores desejos de Páscoa!

Com amizade, quebrando cabeça para enxergar melhor na escuridão - Luís

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

BATIZEM-SE OS BEZERROS !

CRIANÇAS MAGRELAS, BEZERROS ROLIÇOS – As voltas da vida levaram a demorar-me em cidadezinha no norte de Minas. Região preponderantemente pastoril, as terras todas pertenciam a meia dúzia de famílias. O grosso da população tinha duas possibilidades de sobrevivência: como “servos da gleba” ou como ociosos forçados. Não precisa ser inteligente para imaginar os frutos sociais bichados de tal desigualdade: pais de família afogando a desesperança no alcoolismo; mendicância generalizada; prostituição começando na adolescência; crianças, com latinha velha de goiabada na mão, pedindo esmola na beira da Rio-Bahia. Não longe delas, atrás do arame farpado, bezerros bem nutridos e luzidios, certamente vacinados, medicados, bem cuidados. Veio-me à cabeça pensamento irreverente: por que, na bela matriz da paróquia, não se batizam os bezerros, em vez destas crianças?

PULANDO DO MICROCOSMO PARA O MACROCOSMO – Um dos nossos semanários, em reportagem sobre a violência brasileira, traz as seguintes chamadas: “As capitais brasileiras são campeãs mundiais de assassinato”. “Há mais seguranças particulares em atividade do que policiais”. “Um em cada cinco jovens brasileiros já viu o corpo de alguém que morreu assassinado”. “De cada 100 crimes, só dois são desvendados”. “A classe média está blindando carro em consórcio a mil reais por mês”. “Uma pessoa é morta a cada 13 minutos no país”. Embaixo das chamadas, a palavra SOCORRO! Em letras garrafais. Pelos dados oficiais, que geralmente exageram para baixo, ocorrem 40 mil assassinatos por ano no país, mais do que a soma total dos assassinatos ocorridos anualmente nos Estados Unidos, Canadá, Itália, Portugal, Inglaterra, Áustria e Alemanha todos juntos. Repita-se: há mais homicídios no Brasil que em todos esses países somados. Eis os subprodutos de sociedade profundamente injusta.

RELIGIÕES FUNCIONANDO A TODO VAPOR – Tal cemitério social é adornado com as milhares de torres, sinos e alto falantes, celebrando o nome de Deus em todos os tons dos alheiamentos e contradições. Ainda mais sério: a celebração histórica do nome de Deus tem servido exatamente para aprovar a ordem imposta pelos responsáveis e para encarcerar as vítimas sociais, na consciência alienada de que Deus nada tem a ver com isso. E tome missa e tome culto e tome Bíblia, em meio à hecatombe! As igrejas funcionando em exemplar fidelidade às suas burocracias, badalando o lado espiritual de nossas existências. Do outro lado, dentro da história real, o rebanho sendo dizimado pelas dezenas de milhares de assassinatos anuais, verdadeiro genocídio de pobres matando pobres; e, silenciosamente, em mortandade talvez mais abundante, exterminados pela miséria, bem faturada e catolicamente bem digerida, por seus beneficiários batizados.

CATOLICISMO PODE NÃO SER IGUAL A CRISTIANISMO – Nos tempos pré-cristãos do Império Romano, o paganismo era a religião oficial e o cristianismo era a religião escondida e clandestina. No contexto histórico da vida de Jesus, o sacerdotismo burocrático do Templo representava a religião oficial e os pobres, que não tinham como pagar as espórtulas, exigidas pelo resgate ritual da pureza legal, vegetavam física e religiosamente, nas margens farpadas, que os segregavam dos puros e santos. Jesus preferiu a companhia desses últimos e, pelos homens do Templo, foi preso, torturado e destruído, como os marginalizados sociais de hoje, listados na reportagem. Na rabeira mundial da qualidade de vida e iniqüidade distributiva, a sociedade brasileira é muito religiosa e pouco cristã. Muita religiosidade e pouco cristianismo, concordas?

RELIGIÃO COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO – No mundo por onde peregrinou e lutou o povo bíblico, a religião era o seguinte: Havia muitos deuses. O Deus Supremo era o deus do faraó. Os deuses inferiores eram os deuses mais fracos das cidades de Canaã. O céu era o espelho do que se passava na terra. A hierarquia entre os deuses legitimava a sociedade dividida em classes. A aristocracia dominava os agricultores explorados. Nessa religião, os intérpretes dos deuses, os sacerdotes, eram latifundiários e ricos. A eles convinha que o sistema não mudasse. O culto era monopolizado pelos sacerdotes e o saber era monopolizado pela aristocracia, que mantinha o povo na ignorância. No culto, eram recitados os “mitos da criação”, que confirmavam a situação: assim como o mundo um dia foi criado, assim sempre haverá de ser. Querer mudar alguma coisa era o mesmo que revoltar-se contra os deuses.

O QUE OS UNIA ERA A OPRESSÃO
– Esta era a situação econômica, social, política e religiosa do povo, no tempo em que Abraão andava pela Palestina e em que Moisés atuava no Egito. Não havia muita diferença entre a Palestina e o Egito. Em ambos os países, vivia um povo oprimido, despedaçado por séculos de exploração. Não era uma raça. Era gente marginalizada, perdida, desligada de suas tradições, vinda das raças, povos e tribos os mais diversos. O que unia o povo não era a raça nem o sangue, mas a opressão, o desejo de ter uma terra que fosse sua e a vontade de ter uma vida mais abençoada. Dessa mistura de gente pisada e marginalizada, parecida com as crianças magrelas e os pais pobres destruídos do Nordeste brasileiro, é que vai nascer um povo, o Povo de Deus, cuja história é narrada na Bíblia. Tudo igual à História do Brasil! Inclusive os apelos divinos, para este Povo acordar dos alheiamentos, unir-se e organizar-se contra a opressão.

Com amizade rezando, nessa Quaresma, para que cessemos a blasfêmia de identificar a Ação transformadora necessária do Espírito de Deus, com humanas, frágeis e imperfeitas propostas ideológicas - Luís

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

ABRAÃO PERDENDO O JOGO PARA ADÃO


O EMPOBRECIDO É DEUS DENUNCIANDO
- Tudo o que vimos, em capítulos anteriores, era mais ou menos o “Projeto de Deus”, tal como tentaram realizá-lo durante 200 anos: desde 1250 até 1050 antes de Cristo. É algo único que aparece no mundo antigo. Como já se disse, o “Projeto” repousava sobre a fraqueza. A tentação de voltar atrás, ao antigo sistema, sempre foi grande. No fim, a tentação de Adão venceu Abraão. Abraão é ameaçado, por dentro e por fora, pelo Adão que, sempre de novo, quer levantar a cabeça. O primeiro sinal de que a Aliança ou o “Projeto” estava falhando foi o aparecimento de gente “empobrecida”, no seio do povo. O “pobre”, pelo simples fato de existir e de ser um “empobrecido”, acusa a todos e se torna, para o Povo de Deus, uma denúncia vinda do próprio Deus.

OS PROFETAS MANTÊM A ESPERANÇA – Os profetas souberam captar a “voz de Deus”, escondida no “clamor dos pobres”. Mas tudo indica que as forças sociais, econômicas e políticas, contrárias ao Projeto, foram mais fortes e levaram à desintegração lenta e progressiva do Povo, com a destruição de Jerusalém em 587 antes de Cristo. Veio então o cativeiro. Depois do cativeiro, tentaram reconstruir o ideal perdido, sob o estímulo de Isaias (40 a 66). Mas a tentação do poder e do saber impediu sua realização. Quando Jesus vem, Ele se torna porta-voz da denúncia do Pai., presente no clamor dos pobres, e anuncia para estes a Nova Aliança, o Reino.

O PROJETO DE DEUS SE PLENIFICA EM JESUS – Para realizar seu Projeto, Deus não mandou qualquer um, mas mandou seu próprio Filho. Jesus, o Filho de Deus, realizou a promessa do Pai: trouxe a libertação para o povo e anunciou aos pobres a Boa Nova do Reino de Deus. A pregação de Jesus não agradou a todos. Os doutores da lei e os fariseus, os sacerdotes e os saduceus, imaginavam a vinda do Reino de Deus como simples inversão da situação, sem mudança real no relacionamento entre os homens e entre os povos. Ou seja: eles, os judeus, dominados pelos romanos, ficariam por cima e seriam os senhores do mundo; e os romanos, que estavam por cima, ficariam por baixo.
Mas não era assim que Jesus entendia o Reino do Pai. Ele queria uma mudança radical. Para ele, o Povo de Deus tinha de ser um povo irmão e servidor, e não um povo dominador, a ser servido pelos outros povos (cf. MT 20,28)

BOA NOTÍCIA PARA OS POBRES, MÁ PARA OS INSTALADOS
– Jesus iniciou esta mudança. Colocou-se do lado dos pobres, marginalizados pelo sistema dos judeus. Denunciou este sistema como contrário à vontade do Pai e convocou todos a mudar de vida (cf. MT 1,15) Mas os grandes não quiseram. Só os pobres e os pequenos entenderam e aceitaram o apelo de Jesus (cf. MT 11,25). O que era Boa Notícia para os pobres, era má notícia para os grandes, pois o Evangelho, trazido por Jesus, exigia deles que abandonassem seus privilégios injustos e que deixassem de lado suas idéias de grandeza e de poder. Mas eles preferiam suas próprias idéias. Por isso rejeitaram o apelo de Jesus e o mataram na cruz, com apoio dos romanos.

DEUS DEIXOU CLARO DE QUE LADO ESTAVA - Jesus morreu como um pobre marginalizado. Morreu gritando! E Deus, que ouve o clamor dos pobres, ouviu o grito de Jesus e o ressuscitou! O Pai, criador da vida e do mundo, interveio e mostrou de que lado estava. Usando o seu poder criador, tirou Jesus da morte! Ora, animados por este mesmo poder de Deus que vence a morte, os seguidores de Jesus, os primeiros cristãos, organizaram sua vida em pequenas comunidades, viviam em comunhão fraterna, tinham tudo em comum e já não havia mais necessitados entre eles (cf. At 2,42-44). Assim, a vida nova, prometida pelos profetas do Antigo Testamento e trazida por Jesus, apareceu aos olhos de todos, na vida dos primeiros cristãos.

CONVIVÊNCIA FRATERNA, AMOTRA GRÁTIS DO REINO - Os primeiros cristãos se tornaram “a carta de Cristo”, reconhecida e lida por todos os homens (cf.2 Cor 3,2-3). É na vida comunitária dos primeiros cristãos, sustentada pela fé em Jesus vivo no meio deles, que apareceu uma amostra bem clara do Projeto que o Pai tinha em mente, quando chamou Abraão e quando decidiu libertar o seu povo do Egito. Com outras palavras, Jesus trouxe a chave para o povo poder entender o sentido verdadeiro da longa caminhada do Antigo Testamento. Os primeiros cristãos, usando esta chave, conseguiram abrir a porta da Bíblia e souberam entender e realizar a vontade do Pai. Tinham consciência de que o Mundo reconheceria que Jesus veio do Pai, se eles se amassem uns aos outros como irmãos.

Com amizade - Luís

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

AMBRÓSIO, 16 SÉCULOS ANTES DE KARL MARX

RIOS DESAGUANDO NO MAR - O câncer de laringe ainda não me levara a voz e eu funcionava como professor mais ou menos bem sucedido de filosofia escolástica, na UVA de Sobral. Naquele semestre, o curso cresceu, até desembocar na figura imensa de Santo Agostinho. Ontem e hoje, quando se fala em sabedoria cristã, Agostinho é sempre lembrado.Vi sua presença invisível, em visitas inesquecíveis às catedrais românicas e góticas da Europa, maravilhas da humanidade. No chão delas, em seus alicerces espirituais, escondem-se pedras magníficas, plantadas com firmeza e amor a Deus, por sábios como Santo Agostinho. Iniciamos o curso, partindo de nascentes mais humildes do rio, que se torna caudaloso e profundo, até desaguar no oceano de Hipona, em cujas águas tantos outros sábios embarcaram seus navios. Deve ter sido particularmente proveitoso aos alunos o estudo de quem buscou radicalmente o sentido da vida em todo canto e só em Deus conseguiu repousar o coração.

O HOMEM NÃO SE REDIME SOZINHO – Agostinho é reconhecidamente uma das grandes cabeças da humanidade. Representa o máximo possível da filosofia cristã, na curiosidade genial dirigida toda ao Mistério transcendente e no entendimento de sabedoria como busca do conhecimento divino. Homem com H em todos os sentidos, demonstrou, menos com fervorinhos do que com a vida, que o amor a Deus é mais gratificante do que prazeres passageiros. Após juventude inquieta e libertária, experimentou e ensinou a absoluta necessidade que temos de redenção. Sendo a Redenção obra de amor, Agostinho passou-nos a experiência própria de que, em Deus, misericórdia vem antes da severidade. Os pecados de sua vida passada – nos dizem suas CONFISSÕES – esclarecem que não são eles que afastam de Deus, mas a distância que de Deus nós tomamos. Para os “sábios” de hoje, bela lição agostiniana: bem programado e bem sucedido como foi em vida, Agostinho encontrou seu sucesso maior no mergulho sem volta nas águas divinas.

ATRÁS DE GRANDE SANTO TEM OUTRO GRANDE SANTO – Os parágrafos acima foram pretexto para nos apresentarmos a Santo Ambrósio, bispo de Milão, mestre espiritual de Agostinho, instrumento para sua conversão. Em tempos de carismatismos rebolantes, escutemos trechos de alguns sermões de Ambrósio, na belíssima catedral de Milão. Vamos ao primeiro: - “Um operário cai do andaime, ao preparar vastos celeiros para vossas riquezas. Um outro despenca de alta árvore, quando catava uvas, a fim de preparar o melhor vinho para vossas orgias. Um terceiro afogou-se no mar, pois temia que faltasse o peixe para vossos banquetes. Um outro ainda morreu enregelado, quando caçava aves e lebres para vossos festins. Se algum deles não vos agrada, é chicoteado até morrer ante vossos olhos e seu sangue salpica vossos convivas. Para contentar uma cortesã, Herodes não encontrou melhor coisa do que assassinar o pobre”.

“O ADORNO DOS SACRAMENTOS É A REDENÇÃO” – Mais do velho Ambrósio: - “É melhor protegermos a causa dos pobres e nos expormos à desaprovação de alguns, como sucedeu por termos “desrespeitado” os vasos da Igreja, vendendo-os para resgatarmos escravos, do que sermos duros de coração... O Senhor certamente diria: por que permitiste que tantos necessitados morressem de fome? De certo não te faltava o ouro! Por que então não os saciaste? Não saberias responder a estes argumentos. E que poderias dizer? Talvez tinhas medo que faltassem os ornamentos à Igreja de Deus? Ele dir-te-ía que os sacramentos não precisam de ouro, nem agradarão pelo ouro aquelas coisas que não se compram com o ouro. O adorno dos sacramentos é a redenção dos escravos e dos pobres. Estes, sim, são nossos vasos preciosos!”

“VOSSAS MANSÕES VOS IMPEDEM ATÉ DE VER OS POBRES” – Lá vai mais Ambrósio: - “Até que ponto, ó ricos, quereis estender vossas loucas cobiças? Acreditais porventura serdes os únicos habitantes da terra? Por que explorais o pobre? O mundo foi criado para todos. A natureza não faz distinções, porque a todos nos gerou pobres. Não nascemos com as roupas, nem com a prata e o ouro. Nascemos nus, necessitados de alimentos e de roupas. E nus nos receberá a terra. Ao pobre como ao rico basta, para a sepultura, um bocado de terra; e a terra, demasiado pequena para os desejos do rico quando vive, engole-o inteiramente, quando morre. Como é possível distinguir, entre os mortos, ricos e pobres? Escavai a terra e mostrai-me o rico! Ó ricos, orgulhai-vos de vossas imensas mansões? Elas deveriam fazer-vos corar, porque elas poderiam alojar multidões inteiras e vós excluís os pobres. Vossas mansões vos impedem até de ouvir a voz suplicante dos pobres. Também é verdade que, se a ouvísseis, não a escutaríeis”.

“TEU GADO É TRATADO MELHOR” – “Ao construirdes vossas mansões, quisestes superar-vos a vós mesmos. Mas nunca estais tranqüilos, porque nunca vos contentais. Envergonhai-vos! Cobris as paredes e despojais os homens! Diante da porta de tua casa, grita quem não tem vestes para se cobrir e tu o desprezas. Implora o nu e tu perguntas a ti mesmo com que mármores preciosos podes cobrir teus pavimentos. O pobre te pede dinheiro e não o obtém; pede um bocado de pão e teu gado e teu cavalo são tratados melhor do que ele... O povo tem fome e tu fechas teus celeiros. O povo mendiga e tu te abarrotas de pedras preciosas. Desgraçado, em tuas mãos repousa o destino de numerosas pessoas. Poderias salvá-las da morte e não o fazes. Só com a pedra do anel que trazes no dedo poderias salvar uma infinidade de vidas humanas...O pão que os ricos comem é mais dos outros que deles, habituados que estão a viver da rapina e a sustentar seu luxo através das fraudes!” – Tai um bispo comunista, que viveu l6 séculos antes do fundador do comunismo!

Com amizade, examinando, na Quaresma, a insuficiência pouco generosa do seu comunismo – Luís

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A BÍBLIA NASCEU DA PREOCUPAÇÃO DE NÃO ESQUECER A HISTÓRIA

ANTES, CULTO CENTRALIZADO, QUE CELEBRAVA O MITO; DEPOIS, CULTO DESCENTRALIZADO, QUE CELEBRAVA A VIDA E A HISTÓRIA – No sistema anterior, o culto era centralizado nas mãos dos sacerdotes. O culto era, assim, um meio poderoso para manter o sistema. No sistema igualitário do Povo de Israel, o culto não é monopólio dos levitas. Os chefes de família presidem o culto. O papel dos levitas não é tanto o de exercer o culto, mas o de interpretar a vontade de Javé e de animar o povo. Neste exercício, eles não conseguem acumular poder. Mais tarde, quando a monarquia faz sua entrada, o sacerdócio se apodera do culto e o usa a serviço dos interesses do rei. Moisés, da tribo dos levitas, era mais um profeta do que sacerdote do culto.

PAGÃOS REPETIAM OS MITOS, ISRAEL CELEBRAVA A HISTÓRIA - O culto dos reis de Canaã era dedicado aos ídolos. Ele narrava os mitos da criação do mundo, possibilitando assim o acesso dos clientes dos deuses à ação criadora divina, símbolo da estabilidade do “status quo” mantido pelos reis, chamados oficialmente “filhos de deus”. O acesso ao deus se fazia pelo rito, executado dentro do rigor quase mágico das normas litúrgicas. Em Israel, o culto, apesar de seguir o mesmo esquema do culto em geral (religiosidade popular), tinha um conteúdo radicalmente diferente. Quando o povo da Bíblia comparecia diante de Javé para celebrar Sua presença, eles narravam a história: lembravam os fatos que tinham provocado a mudança da opressão para a libertação.

CELEBRAÇÃO NÃO ERA RITO MÁGICO, MAS RECORDAÇÃO RELIGIOSA DA HISTÓRIA – Desta forma, possibilitava-se o acesso do povo à ação criadora, símbolo da transformação e da mudança, expressas no novo Projeto de vida igualitária. O culto religioso do povo não era mero rito, mas expressão do compromisso renovado com Deus, através da observância da Lei e dos Mandamentos. O texto de Êxodo 24,1-11 descreve a conclusão da Aliança e o compromisso do povo no culto. Há outras descrições da Aliança em Josué (24,1-28), no Êxodo (34,1-35). Pode-se dizer que a maior parte da Bíblia nasceu da preocupação de não esquecer a História, as raízes do povo, e de narrá-la no culto. A Bíblia, no seu todo, era a memória coletiva, onde o povo encontrava sua razão de ser, sua identidade, sua raiz, que era e é Javé, Deus presente em sua História.

ANTES, SACERDOTES LATIFUNDIÁRIOS; DEPOIS, SACERDOTES SEM TERRA – Na distribuição das terras, a única tribo que não recebe terra é a tribo dos levitas, a tribo sacerdotal. Assim, impede-se que o poder de liderança dos sacerdotes possa tornar-se fator de acumulação de terras e de bens. O sacerdócio deve ser um serviço ao povo, em nome do único Deus; por isso, as tribos devem sustentar os levitas, através do sistema do dízimo e através de uma parte dos sacrifícios. A legislação bíblica sobre os levitas (tribo sacerdotal de Levi) é complicada, confusa e até meio contraditória. Mas há alguns pontos que reaparecem sempre: em primeiro lugar, os levitas não recebem terra. Mais tarde, recebem alguns povoados e cidades para morar.

SACERDOTES LATIFUNDIÁRIOS, INTERESSADOS NO CONSERVADORISMO - A herança deles não é a terra, mas é Javé e o serviço a Javé e ao Povo. Em Números (8,5-26), diz-se que a tribo de Levi foi colocada à parte, para ficar nos lugar dos primogênitos, mortos na saída do Egito. Tudo pertence a Deus! Para expressar esta pertença do Povo a Deus, os levitas são consagrados a Ele. Os levitas são o Povo representado diante de Deus e sua função era transmitir ao povo os Mandamentos de Deus. Guardavam a Lei e zelavam por sua observância. No sistema dos reis de Canaã e do Egito, os sacerdotes eram ricos e possuíam terras. Assim, estavam interessados em manter o sistema e usar a religiosidade do povo, para impedir a mudança. Em Israel, os levitas não podem ter terra e são pobres. Muitas vezes, o levita aparece na fila dos necessitados, junto com os órfãos, com as viúvas, com os pobres e com os estrangeiros.

DONOS DE RIQUEZAS VIRAM FACILMENTE DONOS DAS CONSCIÊNCIAS – Tudo isso é ambivalente. Na hora em que os sacerdotes se esquecem do sentido profundo de sua missão, podem tornar-se os dominadores da consciência do povo. Isto de fato aconteceu. Começaram a ter o controle do vai-e-vem da fé entre Deus e o Povo. Aquilo que devia ser serviço tornou-se domínio. Voltou assim o estado de opressão, contra o qual Moisés (que era da tribo de Levi) se tinha rebelado. A legislação do Deuteronômio fez um esforço grande para renovar o sacerdócio, mas não conseguiu. Veio o cativeiro e perderam tudo. Mas depois, com a reconstrução do Templo, voltou a tentação de dominar: dominar Deus e dominar o Povo! Jesus entra no Templo, derruba as mesas e diz: “Minha casa é uma casa de oração para todos os povos; mas vocês fizeram dela um covil de ladrões!” – É perigoso ser homem do culto, pois ele maneja um poder muito grande, que pode ser usado para “fazer o mal e fazer o bem, para matar e para salvar”(cf.Marcos 3,1-8).

Com amizade - Luís

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

CHUVA DE BOMBAS APÓS A REZA DO PADRE-NOSSO

BUSH USANDO O NOME DE DEUS EM VÃO - O semanário NEWSWEEK, de circulação mundial, publicou, não faz muito, matéria de capa, com o pomposo título: BUSH E DEUS. A minuciosa reportagem revela como o presidente Bush e seus assessores mais próximos são pessoas intensamente religiosas. Bush, por exemplo, começa o dia lendo a Bíblia. Após o café, chegam seus assessores e, antes de começar o trabalho, eles se dão as mãos e rezam o Padre-nosso de olhos fechados. Agora estão prontos para a tarefa que, naqueles dias, era fazer chover bomba em cima do Iraque, estraçalhando centenas de inocentes: velhos, mulheres e crianças. Pela cara sorridente e irônica de Bush, na entrevista do dia seguinte, conclui-se que ele e os seus tiveram uma noite tranqüila e bem dormida: - “Ora, por que não? Deus está do nosso lado!”

TUDO DE BOM NESTA VIDA E DEPOIS O CÉU – Basta abrir os olhos e ver: há infinita diferença entre ser religioso e ser cristão. Existem católicos que não são cristãos, existem cristãos batizados que são apenas pagãos. A fita métrica para medir a distância entre uns e outros chama-se Jesus Cristo. Os fariseus do tempo de Jesus ficaram, na história, como protótipos de religiosidade. Pois foi seu tipo de religiosidade que os fez perder o bonde da salvação: um bonde chamado Jesus. Religião formalista e desligada dos sentimentos, sobretudo da compaixão, cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração. Não reconheceram em Jesus o Embaixador divino da misericórdia do Pai. Entraram pelo cano e suas observâncias rituais não serviram para nada. Puro lixo religioso! Adeptos do prazenteiro equívoco chamado “teologia da retribuição”, fariseus de ontem e de hoje alimentam a presunção de que Deus é obrigado a retribuir-lhes as rezas e coletas, na forma de sucesso material em seus empreendimentos.

FORÇANDO A MÃO DE DEUS A ASSINAR FALSIFICAÇÕES – Nos morros do Rio e em favelas da Baixada Fluminense onde trabalhei, populações indefesas eram forçadas a comprar proteção aos chefes das gangues. Tinham de pagar pedágio aos bandidos, para não serem molestados. Se não pagassem morriam. Eis parábola chocante para certo tipo de religiosidade. Se pago, tenho de ser protegido. Se pago a Deus, Deus é obrigado a fazer minha vontade. Deus é meu aliado, sirvo a Ele e Ele serve a mim. Dou-lhe reza e dízimo e Ele dá-me sucesso na vida. Deposito o investimento e exijo a mercadoria. Em minha vida tudo dá certo, porque Deus está do meu lado. Minha prosperidade é sinal claro de predileção divina. E os pobres e miseráveis? “Ora, eles se virem, não fui eu que fiz o mundo!” Tal mentalidade religiosa blasfema, entranhada também em meios batizados, foi a grande tragédia israelita, que pregou Jesus na cruz. Jesus não aceitou assinar falsificações em nome de Deus, nem mesmo no momento supremo do aparente abandono.

DEUS É MEU ALIADO CONTRA MEUS INIMIGOS – Quem lê o Antigo Testamento e reza os Salmos constata: idolatria, apelação a deuses falsos, representava o crime maior e o pecado mais grave. Idolatria significa criar Deus à imagem e semelhança dos meus interesses. Isso era punido com a morte! Os salmos, que os padres rezamos todos os dias, estão repletos de rogos de vingança e de explosões de júbilo, pela destruição dos inimigos. Como explicar? Aquilo era apenas um momento primitivo e passageiro, na busca do Deus verdadeiro como Ele é, em sua essência. Percepção vingativa e retribuidora, ainda pagã, cuja treva odienta e cujo veneno vingativo só foram plenamente espantados por Jesus, em sua revelação de Deus, Pai de todos nós, e Deus Filho, irmão de todos nós. Somos todos irmãos, eis o resumo concreto da Lei divina. Daí o vazio ressecado e irredento de quem se arroga constituir a divindade como protetor de sua fortuna e vingador implacável das ofensas que nos fazem. Deus vira ídolo para me dar sucesso na vida e para realizar meus malefícios e vinganças.

INTENSAMENTE RELIGIOSO E QUILOMETRICAMENTE DISTANTE DE DEUS – Os filósofos do Iluminismo, séculos atrás, profetizaram o fim da religião: - “Quando atingirmos a racionalidade e dominarmos a natureza, não precisaremos mais de deuses!” Razão e progresso tornariam a religião coisa do passado, inútil no presente. Sucede o contrário: as previsões dos iluministas falharam. As ideologias milenaristas de avanço material e bem-estar coletivo se esvaziaram. Políticas que garantiam igualdade e justiça social viraram opressão. Com tanta pedra no caminho, a humanidade parece que tornou-se cada vez mais religiosa. Multiplicaram-se as igrejas. Tem religião para todos os gostos. Deus deve ser o nome mais usado, em todos os países e em todas as línguas. E os frutos? Onde estão os frutos bons da presença de Deus na história? Octávio Paz, intelectual e patriota mexicano, bradava indignado, observando a miséria de seu povo: - “Pobre México; tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos!”

CINCO IGREJAS EM UMA ÚNICA PRAÇA – Quem conhece a Bahia sabe que não minto: no perímetro da Praça da Sé, centro histórico de Salvador, eleva-se majestosamente uma meia dúzia de belíssimas igrejas coloniais. Sabe-se hoje, das pesquisas históricas, que boa parte das obras foi financiada por importadores de escravos. A escravatura começava a sofrer rejeição social e os impostos e doações para construção de igrejas arrancavam espinhos das consciências e azeitavam a corrupção da burocracia. Hoje sabe-se bem que Deus não cabe em gaiolas, por douradas que sejam. A “teologia da retribuição” e o uso do Nome de Deus para legitimar procedimentos pagãos e idolátricos transformam formalismos religiosos, templos de pedra e corações empedernidos, em gaiolas vazias. Presumíamos trancar Deus dentro delas, a fim de obrigá-Lo a cantar para nós. Plagiando o filósofo aí de cima: pobres dos Bush e pobres de nós, tão próximos da arrogância batizada e tão distantes do Deus de Jesus Cristo!

Com amizade - Luís

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

DEUS ÚNICO, PAI DE TODOS, FUNDAMENTO DA REAL FRATERNIDADE IGUALITÁRIA

ANTES, EXÉRCITO ESTÁVEL DE MERCENÁRIOS; DEPOIS, O BEM DE TODOS É DEFENDIDO PELA UNIÃO DE TODOS - Os reis do Egito e de Canaã tinham seus exércitos, que eram o instrumento da dominação. Em Israel, havia o compromisso de solidariedade e de ajuda mútua. Em épocas de crise, vinda das ameaças externas, todas as pessoas, de todas as tribos, capazes de usar armas, organizavam-se na luta contra o inimigo comum: a força repressiva dos exércitos dos reis de Canaã e dos filisteus. O Livro dos Juízes descreve essas lutas. Também aqui, o novo sistema revelou sua fraqueza.. Não foi capaz de manter-se contra as ameaças externas e, no fim, foi forçado a aceitar a monarquia de Saul e de Davi e também criar um exército estável de mercenários. Assim, pela porta dos fundos, voltou, para dentro do povo, o germe destruidor do novo sistema igualitário. Os reis de Israel foram consolidando seu poder pessoal autocrático e assim o novo sistema se desintegrou aos poucos. São os profetas, em sua crítica indignada contra a desigualdade social, que não deixaram o ideal morrer.

ANTES, MONOPÓLIO DO SABER; DEPOIS, SOCIALIZAÇÃO DO SABER - Adotou-se o novo sistema de alfabetização, baseado no abecedário novo, formado de apenas 25 sinais ou letras. Assim, o saber se tornava acessível para todos e se eliminava o monopólio do saber, que caracterizava a sociedade do Egito. Estas são algumas das características do novo sistema social, que começa a ser implantado na Palestina, sob a liderança do grupo que veio do Egito; Apresentamos aqui as seis características que descrevem o lado econômico, social e político. Mas este é apenas um lado da medalha. O outro lado é a nova organização da religião, onde se expressa a mística que animava tudo isso. Eis então, a seguir, algumas das características da vivência religiosa do sistema igualitário:

ANTES, VÁRIOS DEUSES; DEPOIS O DEUS ÚNICO - A luta ferrenha do povo da Bíblia contra os deuses é o outro lado de sua luta contra o sistema explorador, que se legitimava pelo recurso a vários deuses. A insistência nos vários deuses permitia a centralização do poder nas mãos do rei. Muitos deuses dividiam o povo em “torcidas” e o deus mais forte, o do faraó naturalmente, dominava os outros deuses e seus súditos. A insistência no Deus Único permitia a descentralização do poder nas mãos do povo. Se Deus é um só, então todos são iguais! Por isso, a fé no Deus Único é necessariamente libertadora de toda forma de discriminação social ou racial. É a base para a igualdade fundamental dos direitos de todos.

FÉ NO DEUS ÚNICO, FUNDAMENTO DE TUDO - Você pode constatar, abrindo sua Bíblia em três lugares: no Livro do Êxodo (15,1-21), no 1º.Samuel (2,1-10) e no Livro dos Juízes(5,1-32). Esses textos relatam três cânticos de vitória, obtida pela ajuda de Deus. Eles mostram o alcance da fé no Deus Único, para a derrubada do sistema opressor dos reis de Canaã e para a criação de uma sociedade igualitária. Outros textos de grande profundidade são também os seguintes: 1) Isaías, 40 até 55, escrito no tempo do cativeiro, representa e reflete o ponto mais alto do Antigo Testamento. 2)Deuteronômio, 1 até 11, traz uma apaixonada exortação ao povo, para se comprometer novamente com o Deus Único e com sua Lei. É mais ou menos do ano 640 antes de Cristo, tempo da reforma, anterior ao cativeiro. 3) 1º Reis, 18,1-46, onde se descreve uma luta concreta entre o Deus Único e os ídolos falsos, conduzida pelo profeta Elias, no Monte Carmelo. Elias lutou contra os falsos profetas que, usando os ídolos, legitimavam, em nome da religião, a reintrodução do sistema opressor dos reis de Canaã.

O DEUS ÚNICO NÃO LEGITIMA OPRESSÃO, MAS ORDENA LIBERTAÇÃO - Quando se diz na Bíblia que Deus é um só, isto não deve ser entendido, em primeiro lugar, como afirmação numérica, no sentido de “Deus uno”, mas no sentido de exclusividade: “Para o povo, Deus é só este, que se apresentou como Javé, Deus Libertador!”. Este Deus Javé (que é nosso Deus!) é diferente dos outros deuses. Ele não existe para legitimar a opressão, mas existe para libertar e para criar uma convivência fraterna entre os homens. Ele se comprometeu com este Projeto e o garante. Quem tiver a coragem de se comprometer com Ele não terá vida fácil, pois terá de lutar contra toda forma de opressão. “Amar este Deus é o mesmo que amar o próximo como a si mesmo”, dirá Jesus mais tarde, resumindo toda a Lei e os profetas, em poucas palavras. Este Deus se apresenta como “marido” do povo, marido fiel. Ele espera que sua “noiva”, o Povo escolhido, lhe seja fiel e lute por uma nova sociedade, contrária à dos reis do Egito e de Canaã.

BUSCA DO DEUS ÚNICO TOMA A FORMA DE LUTA PELA JUSTIÇA – A fé no Deus Único é o ponto alto da Bíblia. É no povo que luta por uma convivência justa e fraterna que Ele pode ser encontrado. É lá que aparecem os traços do seu rosto. Sua presença no meio do povo é a raiz última da alegria, da esperança e da liberdade humana. Através de Jesus, Ele diz: “Sem mim, nada podeis fazer!” A sua presença fiel e amiga, percebida na vida, devolve ao oprimido a sua consciência de gente e cria aí, na margem da sociedade opressora, o espaço para um novo começo, para uma nova criação. Ele é a clarabóia da vida humana. Quem não O conhece vive tranqüilo sem Ele. Quem O conheceu, já não pode imaginar a vida sem Ele. E a sua vida passará a ser uma busca permanente deste Deus. A busca do Deus Único e Verdadeiro tomará concretamente a forma da luta por uma sociedade igualitária e fraterna. A pergunta mais séria que o cristão se deve fazer, todos os dias, é essa: “Em que Deus eu creio?”

Com amizade - Luís

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

FAMÍLIA, POSSÍVEL TRINCHEIRA DE EGOÍSMOS

FAMÍLIA DE NORDESTINOS NA BAIXADA FLUMINENSE - Época natalina festeja também a Sagrada Família. Família certamente semelhante, em muita coisa, a tantas famílias nordestinas desenraizadas, que conheci na Baixada Fluminense. Qual teria sido o dia-a-dia na família de José, Maria e Jesus? O que eles conversavam à mesa? Quais os ideais terrenos que guardavam no coração? Como se relacionavam com os problemas sociais de seu povo? Como Maria educava o filho? Com que olhos o olhava, quando lhe dava de mamar? Que orientações lhe transmitiu, quando o garoto virou adolescente? Igual às outras mães, que futuro brilhante sonhou para o rebento? O que pensavam ela e José, contemplando o infante misterioso? Como José o via na oficina, quando lhe ensinava carpintaria? Quais os projetos familiares acalentados? Como eram as relações das três pessoas entre si? Como interagiam com as crenças, com a fé religiosa do seu povo? Em que nível da escala social eles se colocariam hoje? O que diferencia, essencial e agressivamente, a família de Jesus dos sonhos e ambições da maioria de nossas famílias? Famílias, pelo batismo, formalmente comprometidas com o Projeto cristão?

O MUNDO DOS BRASILEIROS RICOS – Em ampla reportagem, semanas atrás, um semanário dissecou a intimidade das famílias brasileiras muito ricas. A vida dessas famílias, conforme a revista, é um mundo que, em sua porção mais exclusiva, é cercado por altos muros, carros blindados, seguranças parrudos e mistério, no que se refere a cifras. O lugar comum, ainda conforme a revista, recita que,em país tão pobre como o Brasil, a existência de gente rica demais constitui um absurdo em si. Não por acaso, os brasileiros aprendem, muito cedo, que “dinheiro é coisa suja” e que, ao referir-se a um endinheirado, dizem que ele é “podre de rico”. Tais expressões sintetizam os vícios, no processo de acumulação brasileira. Na época da colônia, era a cobiça pura e simples que motivava os que aqui comercializavam ouro e traficavam escravos. No Império, enriquecer significava fruir as benesses distribuídas pela corte. Na República, o Estado concentrou ainda mais a renda nas mãos de uns poucos privilegiados e, nos seus desvãos, grassou a ladroagem. Roubar, explorar, vender-se, acumpliciar-se, locupletar-se, tais são os verbos que, entre nós, têm rimado com muito dinheiro.

O MAIS VELHO HERDAVA O PADROADO - No Brasil colonial, a escola era só para os senhores. Durante os três séculos do Brasil-Colônia, o ensino existiu unicamente em função da aristocracia rural. Salvo as raríssimas exceções, que não bastam para invalidar o quadro, só os filhos dos senhores de engenho, grandes plantadores e fazendeiros sentavam-se nos bancos escolares. Um historiador assim descreveu, de forma esquemática, o sistema educativo desse período: independentemente de qualquer consideração com o problema de vocação, os três filhos varões do senhor rural já nasciam com destino marcado. Um deles seria o herdeiro, o novo senhor, o continuador da linhagem e do poder. Sua educação formal resumia-se à aquisição de algumas letras, o bastante apenas para ler uma carta e assinar um recibo.

O TERCEIRO ERA DESTINADO AO SACERDÓCIO – O segundo filho seria “letrado”. Iria para a corte, advogaria, brilharia nas rodas sociais, integraria alguma academia de fazedores de sonetos, exerceria funções públicas ou políticas. Ensinavam-lhe latim, mitologia, metrificação poética, um pouco de gramática. O segundo filho estava destinado a ser dono da cultura, do poder político e evidentemente o retransmissor da ideologia dominante. O terceiro filho estava destinado ao sacerdócio. Competir-lhe-ia o poder sobre as almas, a contenção do rebanho dentro de seus limites, e a educação das novas gerações de senhores, conforme a tradição e o código moral prevalecente. O terceiro filho recebia de herança, da família patriarcal, o poder espiritual, cuja função, na prática, era abençoar a situação elitista, provar que ela estava de acordo com os planos de Deus: e assim prolongá-la o mais possível.

FAMÍLIA PODE TAMBÉM FAZER MUITO MAL – Passado o Natal, celebra-se a Sagrada Família. Na liturgia, o evangelho conta o episódio do Menino Jesus entre os sábios do Templo. Em vez de ficar dependente da mãe e do Pai como toda criança, Jesus afasta-se da família e é encontrado, três dias depois, “cuidando das coisas do Pai”. A missão estava acima do bem-estar da família. Acima da família, existem realidades mais importante. Pois existe a família fechada e a família aberta. Família fechada é aquela que se preocupa exclusivamente consigo mesma e com o bem bom de seus membros. Estando ela bem, pouco importa a sorte dos outros. Família fechada não se interessa pelos problemas da família universal: a humanidade, a sociedade, a comunidade. Em família fechada, os valores transmitidos aos filhos são a concorrência feroz e a superação sem piedade. Exatamente a visão de mundo que torna a convivência uma luta sem alma e sem coração.

FRATERNIDADE BIOLÓGICA É PROVISÓRIA – Ela começa com o nascimento e termina com a morte. Fraternidade igualitária no Pai comum faz com que sejamos todos irmãos para sempre. Não é possível que famílias isoladas arrebatem o monopólio da segurança material e da felicidade, em mundo no qual grande parte das famílias possui míseras condições de sobrevivência. Como sentir-se em paz, quando irmãos estão tomados pela desgraça de não terem sequer o que comer! Nem religiosa nem psicologicamente é possível ser feliz sozinho. Para famílias fechadas, Natal conta belo episódio pastoril, no qual o trancamento poético das famílias egoístas de então impediu que Jesus nascesse no meio delas. Envolvidas em projetos particulares, bateram a porta na cara do casal de pobres, que buscava pousada. E o Fato mais importante da história humana aconteceu longe das famílias de Belém. A Sagrada Família foi escorraçada para a estribaria e as famílias de Belém permaneceram trancadas dentro de seus muros, na cadeia asfixiante das mesquinharias pequeno-burguesas.

FAMÍLIA NEM SEMPRE RIMA COM GENEROSIDADE – Religiosa e antropologicamente, família seria a primeira escola de convivência. O mundo será tanto melhor, quanto melhor for a convivência entre as pessoas. Virtude da convivência é a consciência dos direitos iguais. Na construção da igualdade, a família pode ser o grande bloqueio. Quando isso acontece? Quando a família consangüínea tranca-se nas muralhas de seus interesses e se insensibiliza ante os interesses da grande família, que é a comunidade. Pior ainda: a comunidade serve de presa, para a família fechada fartar-se. Mas não tem jeito: se pioramos o mundo para os outros, pioramos o mundo também para nós. Se acumulamos à custa da violência, seremos também vítimas do mundo violento. O dia da Sagrada Família convida a enxertarmos nossas famílias no tronco da compaixão e da solidariedade, de onde perpassa a seiva das reais virtudes humanas: escolho ser egoísta, árido e vazio; ou escolho ser fraterno, plenificado e feliz. Começo de mudança no processo é um empurrão em nossas estruturas familiares, para cima dos trilhos da justiça fraterna. Em mundo como o nosso de concorrência desalmada, os magros rendimentos da carpintaria não dariam para matricular o Menino Jesus no Christus.

Com amizade – Luis

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

DOIS PADRES AGITADORES


- SANDÁLIAS ACOMPANHANDO BOTINAS
– Os padres foram chegando nas primeiras caravelas que “descobriram” o Brasil. O projeto ideológico era “dilatar a Fé e o Império”. A Fé ajudava a dilatar o Império. Por isso, junto com os soldados, vinham os religiosos. Atrás das botas do guerreiro seguiam as sandálias do missionário. Foram milhares. O nome da maior parte desapareceu no anonimato da grande ordem católica colonial. Alguns ficaram mais conhecidos. Quem não se lembra dos padres Anchieta e Manoel da Nóbrega? Pois bem, retiramos do anonimato e apresentamos mais dois jesuítas valorosos, dos nossos tempos coloniais: os padres Gonçalo Leite e Miguel Garcia. Vivas entusiasmados para Gonçalo Leite e Miguel Garcia! Por quê?

- REPATRIADO POR DISCORDAR DA ESCRAVIDÃO – Gonçalo Leite foi o primeiro professor de Filosofia no Brasil. Defendeu a tese que nem os negros da África nem os índios do Brasil apresentavam base legal para serem escravizados. Em conseqüência dessa tomada de posição, a permanência de Gonçalo Leite na colônia tornou-se insuportável para os demais padres e moradores. Assim, ele foi “convidado” a voltar ao Reino em 1586, qualificado de “inquieto” pelo Padre Visitador. De Lisboa, escreveu uma carta ao Padre Geral da Companhia de Jesus “contra os homicidas e roubadores da liberdade dos índios no Brasil”: - “Bem se pode persuadir os que vão para o Brasil – escrevia ele – que não vão a salvar almas, mas a condenar as suas”.

- CONFISSÕES LEVIANAS DE ASSASSINOS E LADRÕES
– Prossegue o desabafo, na carta do padre Gonçalo Leite: - “Sabe Deus com quanta dor de coração isto escrevo, porque vejo os nossos padres confessar homicidas e roubadores da liberdade, fazenda e suor alheio, sem restituição do passado nem remédio dos males futuros, pois tais crimes da mesma forma todos os dias se cometem”. Padre Gonçalo Leite não aceitou que seu sacerdócio e magistério, suas opções mais fundamentais e generosas, fossem desfrutadas para garantir a escravidão. Elas tinham de ser espinhos na consciência dos que aceitam usar o Nome de Deus, para justificar ordens sociais que nada têm a ver com a ordem fraterna e igualitária, querida por Deus.

- IGREJAS E CONVENTOS CHEIOS DE ESCRAVOS – Miguel Garcia foi o primeiro professor de Teologia em Salvador, entre 1576 e 1582. Juntou-se a Gonçalo Leite contra a escravidão existente no próprio Colégio da Companhia de Jesus. Em sua carta, dirigida ao Padre Geral da Companhia, ele escreve: - “A multidão de escravos que possui a Companhia nesta Província, particularmente neste Colégio, é coisa que, de maneira nenhuma, posso engolir. Sobretudo porque não entra no meu entendimento que estes escravos possam ser licitamente possuídos. Alguma vez me passou pelo pensamento que mais seguramente serviria a Deus e me salvaria no mundo, do que nesta Província, onde vejo as coisas que vejo”.

- DESTERRADO POR INQUIETO E ESCRUPULOSO – A carta do Padre Miguel Garcia despertou grande confusão. Os moralistas e dogmáticos do Reino foram convocados para consulta. Moralistas e dogmáticos eram padres também. Todos eles foram de parecer que poderia haver cativeiros justos. Argumentou-se até com o privilégio desses pagãos selvagens serem escravos de cristãos, que os batizassem e lhes transmitissem a fé verdadeira. Eram escravos, mas estavam com a salvação garantida! Dessa forma, todos se voltaram contra Miguel Garcia que, considerado pelo Visitador como inquieto e escrupuloso demais, foi mandado de volta para Portugal, no dia 25 de julho de 1583.

- TROCA-SE TESTEMUNHO POR APADRINHAÇÃO – Os cristãos dos primeiros séculos, venerados ainda hoje como santos, eram chamados de mártires. Bom número deles povoa nossas jaculatórias e suscita novenas. Ser mártir, na comunidade primitiva, significava dar testemunho do Evangelho de forma radical. Se preciso, ao preço da própria vida. Os mártires testemunhavam o quê? Adesão a Cristo, concretizada na defesa heróica da dignidade divina de todos os homens. Justiça fraterna, como única prova material concreta possível de nossa fé em Deus. Ser mártir era o contrário de ser burocrata. Evita-se burocraticamente o incômodo exemplo que os mártires nos dão. Preferimos que eles,em nome de Deus, apadrinhem nossas vantagens.

- GENEROSIDADES NEUTRALIZADAS PELOS BUROCRATISMOS – Em determinados períodos, prevalecem testemunho martirial ou burocratismos religiosos. Os corpos, também as psiques e mentes, preferem a inércia. Via de regra histórica, a inércia é tanto mais nutrida e furnida, quanto mais alto ela mora. Lá de cima, caem comandos que usam prodigamente generosidades fundamentais de seres humanos, a fim de neutralizar inquietações martiriais, substituindo-as por burocracias religiosas. O sangue valente e heróico dos mártires é trocado pela tinta desonerada dos carimbos. Expatriem-se os profetas, vivam os burocratas, o sossego está garantido!

- IGREJA DE CRISTO, ACONTECIMENTO DIVINO E INSTITUIÇÃO HUMANA – O fato religioso, chamado Igreja, possui variadas significações e aspectos frequentemente antagônicos. Igreja é o Testamento de Jesus e é Sociedade humana, organizada em nome d!Ele. Recebe o carisma de Jesus e possui as limitações de nossa natureza. A Igreja é regida pela Graça, mas também pelos dinamismos mundanos, próprios aos exercícios de poder. Por isso, Igreja é profetismo testemonial e mediania conservadora.Em certos períodos, prevaleceram heroísmo e martírio.Tais períodos coincidiram com crescimento do Povo de Deus e aprofundamento da consciência cristã. Em outros períodos, prevaleceu a mediania conservadora. Valorizou-se então a inércia que não incomoda, mais do que a coragem de ousar o salto no escuro.A fase original produziu os santos de nossas novenas e jaculatórias. A fase posterior sempre tendeu a gerar acomodados burocratas eclesiásticos. Reconhecidos profetas, consagrados pelo Povo de Deus, não fizeram “carreira” na Igreja. Em vez de virarem bispos e cardeais, os dois heróicos jesuítas de nossa história, lembrados na crônica, foram simplesmente mandados embora. Seu profetismo era inaceitável para a “boa ordem” do projeto colonial.

Com amizade - Luís

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

SEGUIR A LEI DE DEUS É NOSSA ESPERTEZA MAIOR

JULGAVA-SE UM MAGANO E DESCOBRIU-SE UM TROUXA – Padre Jonas Habib apresentou, na televisão, seu amigo convertido. Este, empresário endinheirado, esteve à disposição do capeta, para todas as sugestões, pois dinheiro não lhe faltava. Achava-se esperto e bem sucedido, em meio à mediania do comum dos mortais. Deixava a família em casa e ganhava a rua. Dava as costas à felicidade onde ela estava e buscava a felicidade onde ela não se encontrava. Crescido em família católica, entendia que Deus é patrão rigoroso, interessado em nossa obediência; que a Lei de Deus era interesse de Deus. Era preciso libertar-se da dependência! A conversão não foi um beatério, mas a certeza de que antes, na inútil liberdade, estava sendo trouxa. Decidiu-se pela esperteza: encontrar a felicidade onde ela aguardava por ele. Descobriu que a Lei de Deus é constituição de nossa liberdade. O Projeto divino interessa a nós e não a Deus, a Quem nada temos a acrescentar.

NÃO USAR O NOME DE DEUS EM VÃO – O nome de Deus é Javé. Isto quer dizer: presença libertadora no meio do povo. “Em vão” quer dizer “coisas vãs”, ligados ao sistema dos ídolos ou falsos deuses. Fica vetado usar o nome de Deus, para obter coisas legitimadas pelo sistema dos ídolos. Não se pode usar o Nome de Deus libertador, para legitimar a opressão. Por isso, não se pode ceder à tentação da magia, que usa as imagens, a fim de forçar Deus dentro do seu próprio esquema. Ou seja, é proibido tentar fechar Deus dentro dos limites estreitos das ideologias humanas. Deus não pode ser reduzido ao tamanho do pensamento humano.

OBSERVAR O DIA DO SENHOR – Para aquele povo, o sábado, era o sétimo dia. Sábado é palavra hebraica, que quer dizer “sétimo”. Para nós, o sétimo dia é o domingo. Para outros, é o sábado. Para os árabes, é a sexta-feira. É uma questão de tradição ou costume. O importante não é o dia da semana; o importante é o sentido do descanso no sétimo dia. Hoje as empresas dão um dia de descanso, para que os operários recuperem sua força e possam produzir mais. Hoje, o descanso é organizado em vista da produção. Na Bíblia, é o contrário. O sentido do trabalho e da produção é o seguinte: chegar, um dia, a criar um mundo de paz e alegria para todos. A observação semanal do sábado funciona como “amostra grátis” da futura paz, que hoje estamos construindo pelo nosso trabalho.

LEI DE DEUS PROPUGNA A CONVIVÊNCIA FRATERNA – Os Mandamentos seguintes, 4 até 10, definem como deve ser o relacionamento entre as pessoas, famílias, clãs e tribos, dentro do novo sistema de vida, conquistado pelo povo. O relacionamento amoroso e fraterno começa em casa, na família. Família é escola do amor universal a todos os irmãos, filhos de Deus. Por isso, o Mandamento de RESPEITAR OS PAIS não se refere apenas à pequena família, mas também e sobretudo aos pais da família patriarcal, isto é: aos anciãos que lideram a comunidade. O Quarto Mandamento defende não só a família, mas também e sobretudo a comunidade. A família de sangue é o lugar da afetividade espontânea, onde aprendemos a amar. Primeiro o amor fácil aos parentes. Para aprendermos a amar todos os filhos de Deus, irmãos na família maior.

RESPEITAR E DEFENDER A VIDA – O Mandamento de NÃO MATAR defende o direito que o outro tem à vida. Esta lei de defesa da vida era tão forte, que chegavam a dizer que aquele que premeditadamente matava alguém não merecia o dom da vida e deveria ser morto. Aparentemente, parecia uma contradição. Mas, pensando bem, é a mais alta expressão de respeito à vida. Isto explica como, no código da Aliança, tem tanta pena de morte. Era a maneira de pensar do povo, naquele tempo. Era o povo antigo, em suas trevas, buscando entender a vontade de Deus. Eles tinham uma cultura diferente da nossa. Isto não quer dizer que se deve reintroduzir a pena de morte; mas quer dizer que se deve ou que se deveria ter, hoje, o mesmo altíssimo respeito pela vida do povo. O que adianta ter banido da legislação a pena de morte quando, no Brasil, a cada minuto, morre uma criança? Quando morre tanta gente, por absoluta falta de condições mínimas para viver? O sistema que ostenta liberalidade por ter banido a pena de morte, mata de mil maneiras e é absolutamente condenado pelo Quinto Mandamento da Lei de Deus.

RESPEITAR OS DIREITOS DO IRMÃO – NÃO ROUBAR pede respeito aos meios de vida do outro. Favorece a confiança mútua, a segurança de vida, sem a qual a vida em sociedade se torna insuportável. NÃO MENTIR é a última base do verdadeiro relacionamento libertador, pois este não existe sem amor à verdade. Sem isso, o diálogo entre os homens é destruído na raiz e a convivência social se torna impossível. Por aqui, a gente percebe que o Projeto de Deus não visa só a uma nova estrutura econômica e política, mas à renovação e à conversão total e radical de cada membro do povo. NÃO DESEJAR O QUE PERTENCE AOS OUTROS é mais que não roubar. É preciso arrancar, de dentro de si, o desejo de enriquecimento, a vontade de acumular, a ganância que leva à exploração do semelhante. Assim se elimina uma das sementes da opressão, que estava na origem do sistema dos reis de Canaã..

JESUS NÃO VEIO ABOLIR MAS APERFEIÇOAR O DECÁLOGO – No capítulo 5 de São Mateus, Jesus retoma alguns dos Dez Mandamentos e revela novamente o seu objetivo: não veio abolir a Lei, mas complementá-la e aperfeiçoá-la.. Isto é: veio realizar o ideal do Projeto de Deus. Isto mostra que o Projeto de Deus não é uma idéia já pronta. É algo a ser construído, pelos homens que crêem em Deus e na fraternidade. Em outras palavras, a Lei de Deus diz mais respeito à nossa felicidade na convivência do que a eventuais interesses de Deus. Nada podemos lhe dar, em nada lhe podemos acrescentar. Por isso, tudo o que d’Ele nos vem diz respeito a interesses nossos. No caso, aos interesses do Projeto de Deus: fraternidade igualitária e feliz em nossa convivência. Por isso, tantas vezes aparece, nos salmos, que seguir a Lei de Deus é suprema sabedoria, nossa esperteza maior. A felicidade humana não pode estar longe do Projeto de Deus, em lugares distantes de sua Casa paterna.

Com minha amizade - Luís

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

SUBVERSÃO COMEÇOU MILHARES DE ANOS ATRÁS

PASTOR EXTRAPOLA NAS PREGAÇÕES – Enfio o braço curioso e retiro velho alfarrábio do fundo da gaveta: recorte amarelado do JORNAL DO BRASIL, que guardei, talvez pela simples mania de guardar. Naquele tempo já distante, pastor luterano de Juiz de Fora recebeu, inesperada e indesejadamente, confirmação do seu cristianismo: a comunidade exigia que ele renunciasse ao cargo, pois suas pregações estariam extrapolando os temas especificamente religiosos. O pastor estaria falando mais de política do que de religião. Com base no entendimento que tem da Bíblia, o pastor Scharffer defende os pobres, protesta contra a exploração que, naquela região, atinge sobretudo os pequenos agricultores e posseiros rurais. Não é assim que os abastados de Juiz de Fora desejam que a Bíblia seja pregada. Conheci o pastor Scharffer, quando precisei revalidar estudos seminarísticos, em escola da Universidade Federal de Juiz de Fora. Esclarecido e transparente, como são tidos os luteranos, no Sul do Brasil.

“QUEREMOS UM PASTOR QUE NOS FALE DE DEUS” – Tal transparência agride a placidez da elite branca do conservadorismo montanhês. – “Ora, não é para isso que queremos um pastor! Precisamos de um líder religioso que nos fale de Deus e ajude no caminho do céu! Exigimos da igreja um evangelista que ensine obediência às leis que garantem a ordem social! Precisamos de um guia cristão, que ajude a arrancar nossos espinhos de consciência e nos restitua à paz interior, com o bálsamo da Palavra de Deus!” A burguesia mineira podia ainda acrescer à fila de suas exigências: - “No mundo do lado de cá, estamos seguros, nada falta. Por que mexer nessas coisas e inquietar o povo? O que desejamos do pastor é que ele transmita a segurança de que estamos salvos, de que vamos ganhar também o mundo do lado de lá!” O episódio é mineiro e velho. Mas parábolas não envelhecem. Por isso, o episódio é também atual e cearense.

RESIGNAÇÃO TEM POUCO A VER COM CRUCIFIXÃO – Da indignação “cristã” na comunidade luterana de Juiz de Fora, é simples concluir a lista de ulteriores exigências: - “Pregar o lado emocional da religiosidade, isso pode! Pregar o Cristo como solução automática dos problemas da vida, dispensadora de nossa participação, pode! Pregar o abandono do mundo (para os outros!), garantindo assim a conformidade dos pobres e a certeza de salvação para os ricos devotos, pode! Identificar a Lei e a Ordem deste mundo com a Lei e a Ordem de Deus, também pode! O que não pode é entender a Bíblia como História de Libertação do Povo de Deus. O que não pode é lembrar que Jesus viveu pobre, acompanhou-se dos pobres, preferiu os pobres e satanizou as riquezas, quando sentenciou definitivamente que não é possível servir a Deus e ao Dinheiro. Cada um dos dois lados exige exclusividade!

CASTRADORES PROFISSIONAIS DA MACHEZA EVANGÉLICA – Para os cristãos que procedem como o pastor luterano de Juiz de Fora, a sociedade batizada tem, em ponto-de-bala, os desqualificativos ameaçadores de sempre: “subversivo”, “agitador”, “criador de problemas”. Pois eis, em poucos adjetivos, as acusações alegadas, no processo contra Jesus. Acusações que diuturnamente entregaram os profetas incômodos às mãos dos carrascos. Mas o pastor Scharffer sabia que não dá para fugir ao dilema: ou enfrentamos os riscos da Sexta-Feira Santa ou castramos a Palavra libertadora de Deus. A história dos tempos de Jesus se repete: os que possuem tudo exigem que os profetas virem empregados deles e funcionem como instrumentos de suas delícias espirituais. A televisão acaba de noticiar, agorinha, sobre escravidão, quase como norma de relação empregatícia, nas terras do Pará, onde todo mundo é religioso. Lá mesmo, onde a cristã inconformada, Irmã Dorothy Stang, foi morta, a mando de fazendeiros

SUBVERSÃO É BEM MAIS ANTIGA – É desinformação e obtusidade mental achar que a pregação da Justiça social e da Fraternidade igualitária começou no século XIX, com o filósofo Karl Marx, dezenove séculos depois de Jesus Cristo. Desinformação, obtusidade mental e simplória blasfêmia atribuir ao velho Marx, frágil ser humano como nós, o poder e a missão justiceira do Filho de Deus. Para o atribulado e endividado Marx, pelo que ele viu na cristandade inglesa dos começos da industrialização, religião era mesmo prazer espiritual, para acalmar a revolta dos revoltados e devolver a paz de consciência aos exploradores igrejeiros. No estigma do próprio Marx, “ópio do povo!” A subversão começou mais cedo. Vejamos, por exemplo, o que pregava São Clemente de Alexandria, no ano 200, mais de dezesseis séculos antes do nascimento de Karl Marx:

NÃO ESQUECER O BURACO DA AGULHA! – Com a palavra São Clemente de Alexandria: - “Não desejeis os alimentos dos ricos, porque os ricos levam uma vida torpe e mentirosa. Os ricos estão apegados às comidas supérfluas, que acabam por ir à latrina. As glutonerias que acontecem nas casas dos ricos ofendem sobretudo os pobres. Deus fez as coisas para todos, portanto todas as coisas são comuns. É injusto, por isso, viver no luxo, enquanto a maioria vive na miséria. É ridículo e revoltante que os ricos usem vasos de ouro e prata e que certas matronas mandem fazer de ouro os próprios vasos para os excrementos, de modo que aos ricos nem ao menos seja possível evacuar sem o devido fausto!” – Pedra coçando em sua mão, leitor? Jogue-a na cabeça de São Clemente de Alexandria!

Com minha amizade - Luís

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

LEI DE DEUS, CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE FRATERNA

ANTES EXPLORAÇÃO DO TRABALHO, DEPOIS AUTONOMIA PRODUTIVA – A produção autônoma depende da posse dos meios de produção que, no tempo da Bíblia, era a terra. A acumulação das terras nas mãos dos reis de Canaã produziu a exploração do trabalho do povo. Privado de sua terra, o povo era obrigado a se empregar, sob as condições que o rei impunha. Em Israel, porém, a terra é declarada dom e posse de Deus. Seu uso era regulamentado por leis que asseguravam, a cada tribo, o seu chão para plantar e produzir. A terra não podia ser vendida nem comprada. Só podia ser usada. Mesmo assim, acontecia de uma família aumentar o seu lote e criar um latifúndio, com prejuízo de outras famílias. Foi para evitar isso e para manter o ideal da sociedade igualitária, que se criou a lei do Ano Sabático e a lei do Ano Jubilar. O Ano Jubilar ocorria a cada 50 anos. Era uma maneira de se recomeçar tudo de novo. Todas as compras e vendas de terras, feitas anteriormente, eram desfeitas e a terra voltava para o seu primeiro dono. O texto do Levítico (25,1-38) dá normas bem concretas para o funcionamento desta lei.

DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER, CAMINHO DE LIBERDADE E PARTICIPAÇÃO – O texto do Êxodo (16,1-30) fala do maná no deserto e insiste em não acumular para o dia seguinte. Essa história tem um significado muito importante: no Povo de Israel, fica proibida a acumulação de bens. Deve haver confiança na Providência divina, a qual passa pela mediação histórica da organização comunitária da vida. A proibição de acumular bens exige que o povo seja dono do seu produto. Esse texto, aplicado à Eucaristia, mostra que a Eucaristia exige partilha dos bens. O sistema do Estado centralizado dos reis de Canaã era organizado de tal maneira que o poder central podia apropriar-se do excedente da produção dos agricultores. No sistema tribal, a organização é feita, de maneira que essa apropriação seja impossível. As famílias ou comunidades menores são donas da terra e de sua produção e podem dispor dela para a sua comercialização. Esta mudança foi possível, porque o poder político foi descentralizado de maneira inteligente.

ANTES CONCENTRAÇÃO DE PODER NAS MÃOS DOS REIS, DEPOIS DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER – O rei era dono de tudo e detinha o poder absoluto, legitimado pela religião. No sistema tribal, o poder se exerce através do princípio da subsidiariedade, isto é: o que pode ser decidido na base não deve ser levado para uma instância superior. Os “chefes de família” tinham autonomia dentro de suas respectivas famílias ou comunidades. Além do princípio da subsidiariedade, havia o princípio da solidariedade, que evitava o fechamento dos grupos sobre os seus próprios interesses. As famílias tinham obrigação com o “clã” e os “clãs” tinham obrigação com a “tribo”. Tudo era regulamentado por leis. Nosso Brasil porá os pés nos trilhos corretos, quando a Comunidade local for assumida, como instância de encaminhamento e resolução dos problemas da Comunidade. Enquanto a própria Comunidade não for envolvida, os problemas não se resolverão. Os problemas de educação, de violência e os outros.

A TENTAÇÃO DO PODER CORROMPE A CABEÇA E O CORAÇÃO - No Livro de Josué (24), a gente percebe como funcionava este poder descentralizado. O povo tinha os seus “chefes” ou “anciãos”, que participavam das Assembléias, onde se decidia comunitariamente o rumo do povo. Essa organização encontrava sua expressão até no culto (Nm 7,1-11), onde a gente vê o povo participar, cada qual com sua tarefa própria. Quando, mais tarde, é reintroduzida a monarquia, o poder se torna novamente propriedade privada de uma família, que começa a dominar as outras famílias. A tentação do poder corrompe a cabeça e o pensamento. O poder sempre procura criar estruturas que permitam sua reprodução e ampliação. São os profetas que se levantam contra esse abuso de poder, que nega o Projeto de Deus. Jesus expressa a mais pura tradição bíblica, quando subverte o sistema instalado no poder, dizendo que o verdadeiro poder deve ser serviço aos irmãos. Só assim se elimina o germe da opressão e se lança a base de uma sociedade igualitária. Confira o Evangelho de Marcos (9,35) e de Lucas (22,24-27).

ANTES LEIS QUE DEFENDEM OS INTERESSES DO REI. DEPOIS LEIS QUE DEFENDAM O SISTEMA IGUALITÁRIO - Havia leis que impediam a alienação das terras de uma família para outra: leis que defendiam a fraqueza das pequenas famílias e pequenas comunidades, contra a ganância dos outros. A lei dos 10 Mandamentos defende a liberdade que foi conquistada e defende o novo relacionamento social: não roubar, não acumular, não matar, não mentir, não jurar falso. Tudo isso para defender os direitos dos pequenos contra a tentação eterna do poder e da cobiça. O novo sistema igualitário se baseava na organização eficiente da fraqueza contra a tentação do poder e da ganância, tanto interna como externa. Era, por isso mesmo, um sistema frágil, pois não repousava sobre o uso da força, mas sobre o compromisso de cada um com o novo projeto e com as exigências da fé no Único Deus.

A LIBERTAÇÃO DO EGITO É O FUNDAMENTO DOS 10 MANDAMENTOS - O texto do Êxodo (20,1-17) descreve os 10 Mandamentos. Seu início diz assim: “Eu sou Javé, teu Deus, que te tirei do Egito, da casa da Escravidão!” É o título de posse de Deus, como Senhor e Dono do povo. A libertação do Egito é o fundamento dos 10 Mandamentos. Eles visam a defender a liberdade que o povo conquistou e garantir o funcionamento da sociedade sem opressão. Estamos habituados a interpretar os 10 Mandamentos numa perspectiva meramente individualista: eles dizem quais os pecados mortais que a pessoa deve evitar. Mas esta não é a intenção básica do Decálogo. Os 10 Mandamentos são como uma espécie de CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE IGUALITÁRIA. Querem promover um relacionamento libertador entre os homens, para que eles tenham vida e vida em abundância. Para o mundo do Egito e de Canaã, os 10 Mandamentos formavam a proposta mais revolucionária. Com o passar do tempo, o povo (de ontem e de hoje) “moralizou” a Lei de Deus e dela fez um código de prescrições particulares. O mesmo perigo correm a Igreja como Povo de Deus e cada um de nós, em particular: cair na tentação, no pecado contra o Espírito Santo, desfibrando a Lei de Deus, transformando-a em sal insosso e fermento mofado.

Com amizade – Luis