sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

POR MUITAS CURVAS, O ANTIGO CAMINHA PARA O NOVO

NO DESERTO COMEÇA A FORMAÇÃO DO POVO – O grupo de Moisés, saído do Egito, se fortalece no deserto e, sob a liderança de Josué, entra na Palestina. Lá encontra a mesma situação de opressão, contra a qual se tinha rebelado, ao sair do Egito. Na Palestina, encontra a camada de “irmãos” oprimidos, desejosos de sacudir o jugo da escravidão. O grupo de Moisés traz a alternativa longamente esperada. De um lado, sua fé em Javé, Deus único e libertador, derruba a ideologia do sistema opressor dos reis de Canaã. De outro lado, sua nova organização social oferece uma saída concreta, que mobiliza e anima os oprimidos da Palestina. Em que consiste esta nova organização social? A luta contra o faraó fez com que o grupo de Moisés se organizasse num sistema que impedia a volta da escravidão: sob a sugestão de Jetro, o sogro, Moisés descentraliza o poder. Impede-se a acumulação de alimentos, a não ser em caso de necessidade. A organização se faz igualitária, em forma de tribos, sem poder central.

NECESSÁRIO REJEITAR OPRESSÃO PARA PERTENCER AO POVO – Assim organizado, o grupo entra na Palestina. Lá recebe a adesão dos oprimidos e inicia-se uma longa luta contra o sistema dos reis de Canaã, descrita no Livro dos Juízes. A luta não foi contra os habitantes da terra de Canaã, mas contra os reis e o seu sistema opressor. A destruição de Jericó, com suas muralhas, representa esta luta contra os reis; pois os reis viviam nas cidades, de onde exploravam os agricultores. A Bíblia também fala das alianças que Josué fazia com a população local. Criou-se assim uma mística de luta, que exigia mudança e “conversão”. Para poder fazer parte do povo de Deus, era necessário rejeitar o sistema de opressão e engajar-se na luta por uma sociedade mais fraterna. Era necessário rejeitar os falsos deuses e crer em Javé, Deus vivo e verdadeiro, Deus libertador!

UNIÃO DOS OPRIMIDOS COMPÕE O VERDADEIRO POVO DE DEUS – Com a entrada do grupo de Moisés, a situação na Palestina começa a fermentar na base. Um vento novo começa a soprar. Os agricultores, os seminômades e outros se unem ao grupo de Moisés e de Josué, aceitam o Deus Javé e se comprometem com a nova forma fraterna de viver. Começa a nascer e a se organizar o Povo de Deus! Durante 200 anos, eles conseguiram manter esta luta, com altos e baixos. Foi do ano 1250 até mais ou menos 1050 antes de Cristo. Não chegaram a realizar o ideal que tinham em mente, mas chegaram a fazer uma boa parte da estrada. Eles eram, naquela situação, a expressão daquilo que Deus queria para todos os homens. Quais eram as características desse Projeto de Deus, em oposição ao projeto anterior? Para que tudo fique um pouco mais claro, vamos enumerar aqui, uma depois da outra, algumas características da sociedade que eles tentaram organizar.

ACEITAR JAVÉ É COMPROMETER-SE COM A FRATERNIDADE – Primeira Característica: Sociedade Igualitária: Antes, sociedade hierarquizada: Depois, sociedade igualitária. A gente costuma dizer que eles se organizaram num “sistema tribal”. Formaram 12 Tribos de Israel. Isto é certo. Mas convém clarificar que o sistema tribal não era, em primeiro lugar, um sistema baseado no relacionamento de sangue e de parentesco. Mas era, em primeiro lugar, um sistema baseado em determinado relacionamento econômico, social, político e religioso, totalmente diferente do sistema em vigor na Palestina e no Egito. Sistema baseado na exploração do povo pelo aparelho da cidade-estado e do imperialismo do Egito. Eles “tribalizaram” a vida. Esse tipo de organização é baseado na solidariedade mútua. A unidade menor desta organização era a “família patriarcal”. A organização intermediária era o “clã”, composto de famílias patriarcais. A unidade maior era a “tribo”. As 12 Tribos viviam unidas numa espécie de confederação. Tudo se organizava de maneira que a unidade menor, a “família patriarcal”, o povoado, a comunidade local, tivessem autonomia produtiva.

DEMOCRACIA DECADENTE EXIGE INSTALAÇÃO DA MONARQUIA – Eles queriam uma sociedade igualitária, em oposição ao sistema opressor dos reis de Canaã. O texto de 1 Samuel 8,1-22 revela a situação do povo no fim do período dos Juízes, em torno de 1025 antes de Cristo. A gente nota, nesse texto, várias coisas. O sistema igualitário estava enfraquecido. Samuel estava ficando velho e os seus filhos não prestavam. A ameaça de fora, vinda dos filisteus, colocava em perigo a própria sobrevivência do povo como povo livre. Tudo isso fez enfraquecer o compromisso interno do povo com o projeto igualitário e, portanto, com Deus. E, em vez de se renovarem a partir de suas próprias raízes e tradições, começaram a procurar uma saída, imitando o modelo dos reis de Canaã. “Queremos ser como os outros povos! Queremos um Rei!” A propaganda funcionou e mudou a cabeça do povo. Aí Samuel descreve o direito do rei, do jeito que este era praticado pelos povos vizinhos.

O DEUS ÚNICO É O ÚNICO SENHOR DO POVO – Foi contra esse “direito do rei” que o povo, em nome de Javé se tinha rebelado, para construir uma sociedade igualitária, 200 anos antes, sob a liderança de Moisés e Josué. O texto do Deuteronômio 17,14-20 é de uma época bem posterior. É do tempo do Rei Josias, em torno do ano 640 antes de Cristo. Desde Davi até Amon, predecessor de Josias, o povo teve a experiência dolorosa e desastrosa da monarquia. Monarquia quer dizer “governo de um só”, o rei. A reforma deuteronomista pretende voltar às origens do povo e realizar o Projeto de Deus, dentro das possibilidades reais que o momento histórico oferecia. A monarquia já era um fato. O texto mencionado procura adaptar a figura do rei ao ideal de sociedade igualitária. Chama o rei de “irmão” e diz que ele não pode acumular bens. Era o mesmo que manter o nome sem o conteúdo. Além disso, os Livros dos Reis – redigidos pelos mesmos autores que redigiram o Deuteronômio, fazem um julgamento negativo da monarquia.

NASCE A ESPERANÇA ESCATOLÓGICA NA VINDA DO REI JUSTO – Todos os reis são criticados, menos Davi, Ezequias e Josias. A crítica da monarquia aparece também nos profetas Ezequiel, Oséias, Jeremias e nos outros profetas. Davi pôde tornar-se rei, não para ser dono do povo, mas para ser o lugar-tenente de Deus, único Senhor do povo. Mas os reis esqueceram qual era o seu lugar no meio do povo. Tornaram-se donos do povo. A monarquia contribuiu para que voltasse a sociedade opressora dos reis de Canaã. No povo, ficou a saudade do grande rei Davi e nasce a esperança de um novo Rei como Davi, para restaurar a Aliança, o Reino de Deus. Jesus é o Filho de Davi. Ele é o novo Rei “Eu sou rei!” Mas o Reino de Jesus é diferente dos reinos deste mundo. O Reino dele não foi de poder, mas de serviço.

Com minha amizade - Luís

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

SITUAÇÃO GERAL DO POVO NO COMEÇO DA BÍBLIA


O POVO ENTRE 1800 A 1200 ANTES DE CRISTO
- Vamos em frente, em nossa reflexão sobre o Projeto de Deus, como magistralmente intuído por Frei Carlos Mesters. Qual a situação do Povo, quando Deus o chamou para sair do Egito? Quais eram as condições de vida do Povo, quando Deus começou a preocupar-se com ele? A gente sabe que o começo da história narrada na Bíblia se deu entre o ano 1800 a 1200 antes de Cristo, lá na Palestina. Foi com Abraão, depois com Moisés, que surgiu por lá uma nova consciência e uma nova maneira de se viver a vida humana. Foi a semente de uma longa caminhada. Foi crescendo aos poucos. O resultado é a Bíblia, que levou mais de mil anos para ser escrita.

COMO VIVIA O POVO E O QUE QUERIA – Qual era a condição da população, bem no começo da caminhada, e como esta situação exerceu influência sobre o apelo que Deus dirigiu àquele povo? Quando Abraão e seus descendentes andavam pela Palestina em busca de um pedaço de terra, tentando formar um novo povo e buscando uma vida um pouco mais abençoada, e quando os seus descendentes gemiam na escravidão do Egito, a situação econômica, social, política e religiosa do povo era a seguinte:

“HICSOS”, OS IMPERIALISTAS DE ENTÃO – Na Palestina, umas poucas famílias, vindas do exterior, chamadas “hicsos”, conseguiram estabelecer seu domínio sobre os moradores daquelas terras. “Hicsos” quer dizer “dominadores de terras estrangeiras”. Os “hicsos” possuíam uma tecnologia mais avançada e tinham armas mais modernas, isto é, usavam carros puxados a cavalos. Os antigos moradores da Palestina eram obrigados a continuar trabalhando a terra e a entregar o excedente da sua produção aos “hicsos”. Estes cresceram, assim, em poder econômico e tentaram fortalecer a sua posição, através de uma nova organização política.

POVÃO DESUNIDO EM SEUS GRUPOS RIVAIS - O resultado foi o seguinte: desde o ano 1800 antes de Cristo, a Palestina ficou dividida em pequenas cidades-estados, independentes entre si e governadas pelas famílias mais ricas, associadas aos “hicsos”. Estes levaram em frente sua marcha para o Sul e conseguiram ocupar o Norte do Egito. De lá, continuaram a exercer o seu domínio sobre a Palestina, através da estrutura política, por eles mesmos instalada. Mesmo depois que os “hicsos” foram expulsos do Egito, essa mesma estrutura de dominação continuou a existir. Os faraós continuavam a manter sua influência, na região da Palestina.

RICOS MONTADOS NO SUOR DOS POBRES - As cidades-estados da Palestina se fortaleciam. Rivais entre si, tiveram que defender-se umas das outras com a construção de muralhas enormes, encontradas pelos arqueólogos. Para poder manter o seu domínio pela força, cada cidade-estado foi criando o seu pequeno exército estável de mercenários, um grupo de fiscais para cobrar os impostos, uma administração para poder governar, um grupo de artesãos para o conserto dos arreios dos cavalos e dos carros de guerra Criou-se, assim, um sistema que, por sua própria natureza, exigia gastos cada vez maiores: pagar a construção das muralhas, dos palácios, dos armazéns, pagar os soldados mercenários; pagar as guerras e os estragos das guerras etc..As famílias ricas se declaravam proprietárias e davam aos seus chefes o título de reis. Os reis de Canaã!

SOFRIMENTO DO POVO OPRIMIDO – O povo oprimido do campo dividia-se basicamente em três grupos: 1º) Os agricultores que viviam presos à sua terra, prisioneiros da situação em que nasceram. Não era possível para eles qualquer revolta contra a opressão a que eram condenados, pois dependiam da terra para poder viver.
2º) Os agricultores que, ao mesmo tempo, eram criadores de gado (ovelhas e cabras), também chamados de seminômades. Eles podiam abandonar a terra, levar consigo o gado e procurar pasto em outro canto. O desejo de liberdade e de revolta era mais vivo entre eles, pois tinham um pequeno espaço de independência.
3º) Os chamados “hapiru” (hebreus?). Era gente que se revoltou, se organizou em bandos armados e que, para poder viver, ou atacavam os agricultores e seminômades, ou se colocavam a serviço de um rei, para apóia-lo na luta contra outro rei. Abraão e seus descendentes, ao que tudo indica, pertenciam ao segundo grupo, mas muitos membros do clã pertenciam também ao terceiro grupo.

SENTIMENTO GENERALIZADO DE REVOLTA – A situação era a seguinte: entre o povo oprimido, havia um sentimento generalizado de revolta. Havia explosões violentas, seguidas de repressões mais violentas. Mas não havia alternativas. Nem mesmo os “hapiru” (3º grupo) tinham um projeto alternativo. Eles procuravam uma saída, mas sem pensar que fosse possível alterar o sistema geral de opressão que, desde 1800, escravizava o povo. A saída que os do terceiro grupo encontravam eram dentro das possibilidades que o próprio sistema oferecia. Todos estavam presos dentro da ideologia do sistema dominante. O que vinha a ser essa ideologia do sistema dominante? Era o seguinte: todo o sistema era legitimado e justificado pela religião!

RELIGIÃO COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO – Havia vários deuses. O Deus Supremo era o deus do faraó do Egito. Os deuses inferiores eram os deuses da terra de Canaã. Assim, o céu nada mais era do que um espelho do que se passava na terra. A hierarquia entre os deuses legitimava a sociedade dividida em classes. A aristocracia dominava os agricultores, que eram explorados. Nessa religião, os intérpretes dos deuses, os sacerdotes, eram latifundiários. A eles convinha que o sistema não mudasse. O culto era monopolizado pelos sacerdotes e o povo não tinha acesso a ele. O saber era monopólio da aristocracia, que mantinha o povo na ignorância, pois saber ler e escrever no Egito só era possível, após longos anos de estudo na “escola do faraó”. A escrita do Egito era extremamente complexa e complicada. Finalmente, no culto, eram recitados os “mitos da criação”, que confirmavam a situação: assim como o mundo um dia foi criado, assim sempre haverá de ser. Querer mudar alguma coisa era o mesmo que revoltar-se contra os deuses.

EM TAL MUNDO ABRAÃO DEU OS PRIMEIROS PASSOS – Esta era a situação social, política e religiosa do povo, no tempo em que Abraão andava pela Palestina e em que Moisés atuava no Egito. Não havia muita diferença entre a Palestina e o Egito. Em ambos os países, vivia um povo oprimido, despedaçado por séculos de exploração. Não era uma raça. Era gente marginalizada, perdida, desligada das suas tradições, vinda das raças, povos e tribos os mais diversos. O que unia o povo não era a raça, nem o sangue, mas a opressão, o desejo de ter uma terra que fosse sua e a vontade de ter uma vida mais abençoada. Ora, é dessa mistura de gente pisada e marginalizada que vai nascer um povo, o POVO DE DEUS, cuja história é narrada na Bíblia. Como se deu isso, veremos a seguir..

Caro Duarte, sobre a utilidade das presentes informações, dê seu retorno, que certamente encoraja a motivação. Com, minha amizade! - Luís -

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

FELIZES ÓCULOS NOVOS PARA SEU NATAL

EXCESSO DE ADORNOS NO ANIVERSÁRIO DA POBREZA - Pelo mundo inteiro, as cidades se engalanam com os luxos mais peregrinos. As ruas se entrançam de luzes coloridas e as árvores se iluminam com milhões de gambiarras. Supermercados e shoppings viram palácios encantados. Todo esse luxo a título de uma gruta escura e mal cheirosa nos arredores de Belém, onde animais, por causa do frio, se abrigavam à noite. Lição agressiva sobre a inutilidade das nossas ganâncias, que preferimos afogar sob os excessos consumistas. Do mistério divino do despojamento absoluto, fizemos o apanágio de nossas gastanças. Natal convida a um retorno, em espírito, à antiga inocência, para nela redescobrirmos, como foi mesmo o nascimento de Jesus. Na recordação presente, vou acompanhado por meu amigo e guru Frei Carlos Mesters;

MARIA DA FAVELA, GRÁVIDA DE JESUS – A mulher entrou no Posto de Saúde da Comunidade e se apresentou: -“Eu me chamo Maria”. Sentou-se no banco, parou para chorar e, em seguida, desabafou: -“Este ano sofri horrores! Tanta coisa que faz a gente sofrer! Não dá nem para contar! Várias vezes tive vontade de me matar!. Na semana passada, véspera do Natal, eu não agüentava mais. O desejo de acabar com a vida era tão forte que quase me venceu. Não sei como estou viva até hoje. O que ajudou foi este pensamento que entrou na minha cabeça, assim não sei como. Talvez por causa da festa de Natal que estava perto. Eu dizia a mim mesma: -“Maria, você não pode morrer! Você tem que viver! Você está grávida de Jesus! Você se matando, você mata Jesus! Mas ele não pode morrer! Ele precisa nascer! Este pensamento me ajudou, eu venci, estou viva e faço Jesus viver!”

NO MUNDO JUSTO TODOS TERÃO CHANCE – Esta mulher simples e fraca enfrentou o dragão da maldade e o venceu. Uniu-se a Jesus e Maria e foi mais forte. Venceu, apesar das horríveis dores que, no caso, eram dores de parto. Quantas pequenas lutas assim não se travam diariamente, no interior das pessoas! Ninguém percebe nada, o rosto não o revela. Pequenas lutas vitoriosas, como as pequenas raízes, que fazem crescer a grande árvore da liberdade e da vida. Em vez de acrescentar para a criminalidade, os filhos dos pobres alimentam a esperança, junto com a alegria que trazem às suas mães. Em sociedade regida pela justiça, todos virão ao mundo, de encontro às suas chances de vida plena e respeitada. A criminalidade não é destino dos pobres, mas resultado coerente das desigualdades revoltantes e inaceitáveis. Jesus nasceu, a fim de propor um mundo diferente deste nosso, recheado de estridências e carente de espírito.

“MAIS UM PARA OS FUTUROS NOTICIÁRIOS POLICIAIS!” – Outro dia, já faz algum tempo, uma senhora grávida entrou no mesmo Ambulatório da Comunidade e aconteceu de ela dar à luz ali mesmo. Um menino forte e sadio. Só havia gente pobre para acolher o recém-nascido. Não fiquei sabendo nome da mãe. Ela mora na favela. Vendo aquelas senhoras, todas querendo ajudar a mãe e o menino, fiquei triste. Pensava nos milhares de crianças abandonadas: -“Mais um para crescer na miséria, sem casa e sem carinho! Qual o futuro desse menino aí, a quem deram o nome de Jesus?” Assim eu pensava. Mas nada notei de tristeza naquelas senhoras pobres. Elas não falavam comigo, mas seu modo de agir falava mais alto do que qualquer palavra.. A solicitude compassiva e a solidariedade fraterna falavam mais alto do que os sofrimentos e penúrias de suas vidas humildes. Em momentos essenciais da vida humana, como o nascimento de uma criança, as carências superam-se pela grandeza maior!

“VOCÊ PARECE O REI HERODES!” – Naquele dia, semana de natal, eu recebi meu sermão natalino. As mulheres pobres da favela, compassivamente solidárias ao redor da mãe e do filho recém-nascido, clamavam para mim em seu silêncio: - “Menino Jesus, você é bem vindo! Tem lugar para você. O barraco é apertado, mas a gente dá um jeito. No coração da gente tem lugar sobrando!” O silêncio daquelas mulheres, não tomando conhecimento de minhas preocupações pequeno-burguesas, parecia denunciar a minha tristeza impenitente. Era como se me dissessem: “Por que você é contra o nascimento desse menino? Ele tem tanto direito de viver como você! Você parece o rei Herodes, que mandou matar os pobres e queria matar o Menino Jesus!” E continuaram sua alegria ao redor da mãe e do menino, sem tomar conhecimento do aparente aliado do rei Herodes.

“CRIANÇA LINDA COMO A ESTRELA DALVA!” – Luizinha, retirante nodestina na Baixada Fluminense, recebeu esta carta, na folha rasgada de um caderno: - “Sítio Velho, 19 de outubro de 2006. Amiga Luizinha lhe escrevo estas poucas linhas é somente para dar minhas notícias que até hoje estou com saúde graças a Deus e descansei uma criancinha linda como a estrela dalva mas é tão pobrezinha que nem uma redinha para dormir ela não tem. Peço que você arranje uma redinha para meu filho e desculpe a ignorância. Quando eu estava grávida minha lembrança era que você fosse a madrinha de meu filho. Quero saber se quer ser madrinha dele ou não. Nada mais Assina Raimunda Alves de Souza”. O envelope da carta era subscrita com letra bonita, que Raimunda pediu emprestada à freira do ambulatório paroquial. Com os garranchos de Raimunda, talvez o carteiro não acertasse com o endereço, perdido na imensidão da Baixada Fluminense.

TUDO POBRE COMO NA GRUTA DE BELÉM – Raimunda é mãe de quatro filhos. O pai quase não aparece. Ela mora numa casa que não tem piso, nem parede nem telhado. O piso é o chão comum que nem sequer foi nivelado. A parede é um entrançado de pau com barro, cheio de buracos. O telhado é uma camada de folhas de carnaúba. A casa não tem porta, só dois buracos desprotegidos, para entrar e sair. O vento frio das noites na serra passa livremente. Tudo muito pobre, como na gruta de Belém. Apontando o menino, Raimundinha fala: - “Esta criança tem quatro mães. Tem eu, tem ela (e aponta a avó), tem ela (e aponta a parteira). E tem ela lá de cima (e aponta para o céu). Para visitar a mãe e a criança, no dia do batizado, só tinha gente pobre, como eram pobres os pastores de Belém. De reis magos, já mais riquinhos e mais sabidos, só tinha Luisinha e eu. A criança, deitadinha no chão, era a alegria das pessoas em redor. – Mais do que com feliz sapato novo nos pés, SANTO E ABENÇOADO NATAL, com feliz óculos novos nos olhos. Em mundo poluído, nossa vista encontra-se ainda mais exposta à poluição e aos maus odores.

Com amizade - Luís

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

PROJETO DE DEUS

IDOLATRIA, A GRANDE INIMIGA DA IGUALDADE FRATERNA – Ser membro de Círculo Bíblico e aluno de Carlos Mesters faz de você automaticamente amigo meu. Tenho ligação cada vez mais afetuosa com a Bíblia. Não mais como tradicional coleção terapêutica de versículos estanques, manipulados ao sabor da subjetividade dos pregadores, mas História orgânica – com princípio, meio e fim – das pessoas se libertando. História da humanidade, na complicada busca de Deus, em meio a todos os desvios possíveis e imagináveis. Nos albores do Antigo Testamento, o pessoal já desconfiava que o grande Inimigo da libertação era a idolatria. Deuses múltiplos separam o povo e consequentemente dividem sua força política. Tal percepção permanece a pedra fundamental, na construção da estrada para a liberdade. Muitos deuses significam muitos grupos, muita rivalidade, muita divisão. Um só Deus significa um só Pai, uma só família de irmãos. Eis o rosto neo-testamentário da aversão vétero-testamentária à idolatria. A proposta subversiva da igualdade fundamental de todos os homens é, milhares de anos, anterior a Marx e a todos os outros nossos humanos e frágeis revolucionários.

MENOS ESTRIDENTE, PORÉM MUITO MAIS PERIGOSO - Mas lá vou eu caindo fradescamente no facilitário do fervorinho. Não é para isso que escrevo as presentes linhas. Sua pertença ao Movimento Bíblico motiva-me a canalizar mais água para os seus moinhos. Tive convivência prolongada, meio esporádica, com Frei Carlos Mesters, certamente um dos meus mais convincentes gurus. Há teólogos zoadentos e estridentes, mas realmente subversivo é Carlos Mesters, que conseguiu perfurar o chão pisado da Bíblia e dele fez jorrar combustível novo da melhor qualidade. Leio e releio, sempre com gosto e proveito, o que encontro de escritos seus. Estou, quase sempre, com algum de seus livros , aberto ou marcado, perto de mim. Nas últimas semanas, reli COM JESUS NA CONTRAMÃO e O PROFETA JEREMIAS, BOCA DE DEUS, BOCA DO POVO. Sob o breviário, para emenda da reza com a boa leitura, permanece, há meses, DEUS,ONDE ESTÁS? Tudo ouro da melhor qualidade!

PRIVADOS DO PARAÍSO SEM CULPA DE NINGUÉM - Gostei imensamente do resumo que nosso Carlos Mesters fez sobre o Projeto de Deus. O melhor resumo que já vi da Bíblia, sobretudo do sentido dinâmico da Bíblia, história unitária da Povo de Deus. Não mais queijo velho, fatiado em pedacinhos homeopáticos, inúteis e dispensáveis. Não sei se você conhece e o resumo ao qual me refiro. Eu gostaria de repassar a você e aos colegas ipuaranenses; Naquele tempo, sem culpa de ninguém, o estudo da Bíblia ainda era arqueológico e pouco libertador, por isso mesmo pouco atraente. Os heróis desbravadores ainda se encontravam estigmatizados, com suas teologias no INDEX. Mais tarde, as visões se clareando e espantando as trevas, alguns deles, após o Vaticano II, até viraram cardeais. O Concílio Vaticano II certamente foi erigido sobre os alicerces de “teólogos suspeitos”, como Karl Rahner e outros luminares. Conheci pessoalmente o santo velhinho em Innsbruck, em uma de minhas viagens com Dom Adriano;

HISTÓRIA DO POVO BRASILEIRO, HISTÓRIA DO POVO DE DEUS – Mas vamos ao assunto, a ver se você constata que já tem as informações ou se me dá a tarefa e o prazer de encaminhar-lhe a descrição do PROJETO DE DEUS, conforme as anotações de Frei Carlos Mesters. Vamos lá! A bíblia não foi escrita para ocupar o lugar da vida, mas para nos ajudar a melhor entender o seu sentido. Não é também um livro de receitas sociais, econômicas, políticas, pastorais e nem um conjunto de doutrinas. Ela é a história de um Povo. É a história de um Projeto de Deus que, apesar de muita luta, sofrimento, ameaça, dúvida, fraqueza, recuo, divisão, não chegou a se realizar totalmente. Mas deixou a certeza de que o Projeto é possível. E só conseguiremos compreender esse Projeto, se tivermos presente não só a situação do Povo, quando Deus o chamou para realizar o seu Projeto, mas também a situação em que vive nosso povo hoje.

FERMENTO TRANCADO NA LATA, SAL TRANCADO NO POTE - Interpretar a Bíblia sem olhar a realidade da vida do povo de ontem e de hoje é o mesmo que manter o sal fora da comida, a semente fora da terra, a luz debaixo da mesa. Por que a realidade da vida é tão importante, para a gente poder entender a Bíblia? É porque a Bíblia não é o primeiro livro que Deus escreveu para nós, nem o mais importante. O primeiro livro é a natureza, o mundo criado pela Palavra de Deus; são os fatos, os acontecimentos, a história, tudo o que existe e acontece na vida do povo; é a realidade que nos envolve; é a vida que vivemos. Deus quer comunicar-se conosco através do “livro da vida”. Por meio dela, Ele nos transmite sua mensagem de amor e justiça. Mas nós, homens e mulheres, por causa dos nossos pecados, organizamos o mundo de tal maneira e criamos uma sociedade tão torta, que já não é mais possível perceber claramente o apelo de Deus, que existe dentro da vida que vivemos. Por isso, Deus escreveu um segundo livro, que é a Bíblia.

A VIDA É MAIS IMPORTANTE DO QUE A BÍBLIA – Ora, esse segundo livro não veio substituir o primeiro. A Bíblia não veio ocupar o lugar da vida. É o contrário! A Bíblia foi escrita para nos ajudar a entender melhor o sentido da vida que vivemos e a perceber mais claramente a presença da Palavra de Deus, dentro de nossa realidade. Santo Agostinho resumiu tudo isso da seguinte maneira: A Bíblia, o segundo livro de Deus, foi escrita para nos ajudar a “decifrar o mundo, para nos devolver o olhar da fé e da contemplação” e para “transformar toda a realidade numa grande revelação de Deus”. Por isso, quem lê e estuda a Bíblia, mas não olha a realidade do povo de ontem e de hoje, é infiel à Palavra de Deus e não imita Jesus Cristo. Para que nossa leitura e nosso estudo da Bíblia possam trazer o resultado que dele esperamos, é necessário ter presente a situação em que vive nosso povo de hoje e é necessário ver de perto qual era a situação em que vivia o povo da Bíblia, quando Deus o chamou para realizar o seu “Projeto”.

ALIMENTANDO-NOS DAS DEFICIÊNCIAS DE IPUARANA? Caro Duarte, pela dica aí de cima, dá para identificar se chovo no molhado. Se, no caso, for seca em sua horta, me avise, que continuarei “fazendo chover”. Nunca me canso de sentir a importância fundamental das presentes informações, sobre o Projeto de Deus. Elas sempre me alimentam e talvez façam falta a mais de um colega que, em mundo secularizado, competitivo e personalista, ainda guarda idéias ultrapassadas e mais ou menos inúteis sobre o Livro mais revolucionário que já foi escrito. Seu Autor é o verdadeiro Renovador da face da terra. Em nosso tempo de Ipuarana, no entanto, não se havia ainda chegado a tal surpreendente clareza. Sem culpa de ninguém, pensava-se ainda diferente, o mundo ainda não havia mudado. Avise se é útil a continuidade das presentes informações, que repasso aos colegas com o maior prazer!

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

"ASCENDA DE VEZ E PARE DE PERTURBAR!"

CHEGOU DE MANSINHO SEM CHAMAR ATENÇÃO – No célebre romance do escritor russo Dostoievski OS IRMÃOS KARAMAZOV, aparece um dos episódios literários mais badalados da literatura universal: o retorno de Cristo à terra e seu encontro com o Grande Inquisidor. Aconteceu em Sevilha, capital da Inquisição espanhola, entre o século XV e XVI. Jesus então apareceu novamente no mundo! Mas, dessa vez, não houve estrelas anunciando nem coros angélicos, tecendo loas a Deus nas alturas. Não sucederam fenômenos meteorológicos para anunciar sua vinda. Ao contrário, ele chegou de mansinho e quase sem ser percebido. No entanto, as pessoas piedosas o reconheceram e sentiram irresistível atração por ele. Cercaram-no de carinho, amontoaram-se ao seu redor, a multidão o seguiu. Jesus andou discreta e modestamente entre eles, sempre com o sorriso de inefável misericórdia. Estendia-lhes as mãos para abençoar. Em meio à multidão excitada, um velho, cego desde a infância, recuperou milagrosamente a visão.

RESSUSCITOU SORRINDO ARREGALADA DE ESPANTO – A multidão chorou emocionada e beijou o chão aos seus pés. As crianças jogavam flores à sua frente e cantavam hosanas. Nos degraus da Catedral, um triste cortejo conduzia, aos prantos, um caixãozinho aberto. Em seu interior, quase escondida pelas flores, jazia uma criança de sete anos, filha única de um cidadão importante. Exortada pela multidão, a mãe chorosa voltou-se para o Recém-chegado e suplicou-lhe que trouxesse de volta a vida da menina morta. O cortejo fúnebre parou e o caixão foi depositado aos seus pés, nos degraus da Catedral. Ele olhou compassivo o pequeno cadáver e, com voz mansa, ordenou: - “Menina, levante-se!” A menina logo sentou-se no caixão, os olhos arregalados de espanto, ainda a segurar o buquê de rosas brancas, que fora colocado em suas mãos.

FORAM SE MANDANDO A COMEÇAR PELOS MAIS VELHOS – Mais adiante, com o povo reunido ao seu redor, escribas e fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adultério. Colocando-a no meio da roda, disseram ao Recém-chegado: “Mestre, esta mulher foi flagrada cometendo adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres. O que dizes a isso?” Eles perguntavam isso para experimentar e ter motivo para acusá-lo. O Recém-chegado, inclinando-se começou a escrever no chão, com o dedo. Como insistissem em perguntar, ele ergueu-se e falou: - “Quem dentre vós não tiver pecado atire a primeira pedra” Inclinando-se de novo, continuou a escrever no chão. Ouvindo isso, foram saindo um por um, a começar pelos mais velhos. Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio, em pé. Ele levantou-se e perguntou: - “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: - “Ninguém, Senhor!” Jesus então lhe disse: - “Eu também não te condeno! Vai em paz e não peques mais!”

“SE HOUVE CRIME ELE TEM QUE SER APURADO” – O Grande Inquisidor observou meticulosamente, de longe, o que estava acontecendo. Indignou-se contra o alvoroço extemporâneo, que o Recém-chegado provocava, em meio ao povo simples e ordeiro. Estava meridianamente convencido de que milagres fora de hora, realizados à margem da instituição, só servem para despertar agitação e consequentemente transgressões presunçosas da indispensável submissão às sagradas tradições. Repeliu encolerizado o direito que o Recém-chegado se atribuíu de passar por cima da Lei, eximindo a mulher adúltera da merecida execução, prevista no Código. Que a criminosa pague seu pecado, conforme a Lei de Deus e a Lei dos homens. Não se pode passar por cima da Lei! Em mundo que precisa ser governado com mão de ferro, não tem sentido deixar-se levar por compaixões subjetivas. Elas até que são comoventes mas, se houve um crime, esse tem de ser apurado! Em que sinagoga de terceira aquele caipira deve ter estudado as Escrituras? Sendo de Nazaré, já se sabe que não pode ter sido coisa muito boa!

ESCONDIDOS EM CANTO ESCURO DA PRAÇA – Vendo que o Recém-chegado era realmente elemento perigoso, o Grande Inquisidor convocou seus guarda-costas, para marcar o homem mais de perto. Seguiram à distância a multidão, que se comprimia ao redor do desconhecido. Mantiveram-se ocultos, em canto sombreado da praça, enquanto o Recém-chegado abria o verbo, nos degraus da Catedral: - “Os escribas e fariseus assumiram a cátedra de Moisés. Fazei e observai tudo o que eles disserem, porém não imiteis suas ações, pois eles falam mas não fazem. Amarram fardos pesados nos ombros dos outros, mas eles mesmos não querem movê-los nem sequer com um dedo... Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Fechais aos outros o Reino dos céus, mas vós mesmos não entrais nem deixais entrar aqueles que desejam! Percorreis o mar e a terra para converter alguém e, quando o conseguis, o tornais merecedor do inferno, duas vezes mais do que vós”.

TAL ELEMENTO NÃO PODE FICAR SOLTO – A indignação crescente fazia o Grande Inquisidor e seus guarda-costas apurarem os ouvidos. O Recém-chegado, nos degraus da igreja, continuava impávido seu discurso: - “Ai de vós, guias de cegos! Dizeis: “Se alguém jura pelo Santuário, não vale; mas, se jura pelo dinheiro do Santuário, então o juramento vale. Pagais o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho e deixais de lado o mandamento mais importante da Lei, que é a misericórdia. Filtrais o mosquito, mas engolis o camelo. Sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos e de podridão. Por fora pareceis justos diante dos outros; mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e injustiça!” A essa altura do sermão, o Grande Inquisidor e seu grupo de guarda-costas retirou-se, a fim de confabular a prisão imediata do agitador. Não pode ficar solto um indivíduo de tanta periculosidade!

RESSUSCITANDO MORTOS SEM LICENÇA DO BISPO – A cura do cego, a ressurreição da menina, a agitação popular, a transgressão arrogante da Lei de Moisés, perdoando a mulher adúltera, dispensando-a do castigo prescrito, tudo foi testemunhado e ciosamente acompanhado pelo Grande Inquisidor, quando ele patrulhava a cidade com seus séqüito de guarda-costas. Na ficção de Dostoievski, o cardeal de Sevilha era um velho de quase noventa anos, alto, empertigado e impenitente, a cara enrugada, mas os olhos profundos, cheios de brilho sinistro. Tal era o pavor que o Grande Inquisidor inspirava que a multidão, apesar das circunstâncias extraordinárias, caiu em amedrontado silêncio, a fim de dar-lhe passagem. Ninguém também ousou interferir quando, por ordem do velho prelado, o Recém-chegado foi sumariamente preso pelos guarda-costas e levado para o cárcere. O verdadeiro significado da parábola está no que vem depois. O leitor espera, claro! que o Grande Inquisidor fique devidamente horrorizado, ao saber a verdadeira identidade do Prisioneiro. Mas não é o que acontece!

SEU CRIME FOI REVELAR-SE FILHO DE DEUS – Quando o Grande Inquisidor visita Jesus na cela, está claro que sabe muitíssimo bem quem é o Prisioneiro. Mas esse conhecimento não o detém. Pelo contrário, a identidade do Prisioneiro é o próprio motivo da prisão, pois é preciso manter a Lei e a Ordem na Cristandade. Na presente crônica, navego mais em minha fantasia do que nos trilhos de Dostoievski. O Grande Inquisidor, com base em seu mandato, exige satisfação da conduta de Jesus. Ninguém pode transgredir a Lei impunemente. Pergunta ao Prisioneiro, com que autoridade ele aparece outra vez por aqui fazendo milagres, desautorizando a Justiça e inquietando o povo? De que maneira se comportará o povo, sem as rédeas curtas da autoridade? O que inibirá a lubricidade das mulheres, senão o medo do castigo? Não é a misericórdia mas a justiça, que faz o mundo funcionar. Se, na administração de justiça, o juiz se deixa levar por compaixão, como assegurar a permanência de um dos fundamentos da sociedade, que é a proporcionalidade inarredável entre transgressão e pena? Apuração implacável, minuciosa e necessário castigo fazem a sociedade caminhar. Naquela famigerada Sexta Feira, o Paraíso certamente não ficou mais bonito, com a presença do reles marginal absolvido!

“SUMA DE VEZ E NÃO APAREÇA MAIS !” – O Grande Inquisidor foi em frente, na récita do libelo acusatório. Passou, na cara do Prisioneiro, que era arrogância inadmissível, desfrute gratuito da onisciência, escrever no chão pecados ocultos de cidadãos acima de qualquer suspeita! Hoje todos eles estão de acordo que tamanha ameaça não pode continuar solta nas ruas. Com base nas acusações e como justa punição às palavras injuriosas, pronunciadas em público contra autoridades e cidadãos de bem, o Grande Inquisidor condena o Recém-chegado à fogueira. Jesus reage apenas, dando um beijo de perdão, na face enrugada do velho. O beijo ardeu-lhe na alma! Arrepiando-se todo com um sinal de afeto que nunca recebera em vida, o velho abre a porta da cela e ordena: - “Vai-te embora daqui e não voltes nunca, nunca mais!” Libertado na escuridão da noite, o Prisioneiro desaparece para sempre, para jamais tornar a ser visto. O Grande Inquisidor, plenamente consciente do que acabara de acontecer, aferrou-se ainda mais à sua impenitência, reassumindo impávido a rotina implacável, na distribuição de condenações. Os noventa anos de vida enquadrada não foram suficientes para fazê-lo descobrir que o especificamente cristão não é o bom comportamento formal, pagãos igualmente se comportam bem. O que distingue o cristão é a misericórdia!

Com amizade - Luís

domingo, 2 de dezembro de 2007

PERSONAGENS DO NATAL : O REI HERODES

LAPINHAS DE NOSSA INFÂNCIA – Dezembro de novo, mês das saudades maiores do paraíso perdido, que não sabemos mais onde fica. Natal de novo, comemoração ruidosa e excessiva da discrição, do silêncio e da pobreza incontornáveis, que cercaram o Nascimento de Jesus. Nos descampados de Belém, pastores já não escutam acordes celestiais. Os anjos anunciadores se transferiram para a televisão e foram contratados. Ao contrário dos arautos primitivos, os anjos se travestiram de Papais Noéis mercenários e convidam a olhar shoppings, em vez de lapinhas.. Galhos amputados do tronco, distantes das raízes, embarcamos sofregamente numa espécie de vingança difusa, contra a pobreza do Primeiro Natal e seu séqüito de Sagradas Famílias, Manjedouras e Reis Magos. É sabido que disfunções psíquicas provocam fome doentia. Disfunções espirituais, geradas por frustrações, podem estar na base da avidez natalina, movida pela compulsão de afogarmos sadios sentimentos de culpa em lautos jantares. Bota-se então, de portas afora, a incômoda presença!

PERSONAGENS COMPARECIDOS AO PRIMEIRO NATAL – De um deles todos conhecemos o nome: o Rei Herodes. Quem foi este homem e por quais portas transversas entrou na História da Salvação? Nos Evangelhos, o nome de Herodes. O Grande, está intimamente relacionado com o Templo e sua reconstrução. O Templo foi a realização máxima desta que é uma das mais discutidas figuras do mundo antigo. O Herodes da infância de Jesus alçou Israel a um nível de esplendor, que este jamais vira antes, e que não tem visto desde então. Sua munificência estendeu-se a cidades estrangeiras, como Beirute, Damasco, Antioquia e Rodes. Experiente em combate, hábil caçador, atleta entusiástico, Herodes patrocinou e presidiu Jogos Olímpicos. Usou sua influência para proteger as comunidades judaicas na Diáspora e foi generoso com os necessitados do Mediterrâneo oriental. No entanto, não conseguiu estabelecer uma dinastia estável porque, à medida em que envelhecia, foi sendo dominado por uma paranóia, que transformou o déspota benévolo em tirano perverso.

COBRA ENGOLINDO COBRA – Quase não restam dúvidas de que Herodes estava cercado por conspiração e intriga. Seu pai e seu irmão tinham tido morte violenta. Ele próprio possuía inimigos, não só entre os fariseus, facção que se ressentia do governo de um estrangeiro submisso a um imperador pagão em Roma, mas também entre os partidários de membros da dinastia asmonéia. Esta reivindicava, com direito, a coroa da Judéia. “Asmoneu” era a designação dinástica para os descendentes do general e herói judaico Judas Macabeu. O povo achava que alguém dessa dinastia nacional devia governar, e não um árabe pagão como Herodes. Os asmoneus governaram por l34 anos, até o ano 37 antes de Cristo, quando então Jerusalém foi conquistada pelo Herodes Magno da presente crônica. Como se vê, a briga, naqueles cantos do mundo, é antiga e rege-se ainda pelas mesmas coordenadas. Para aplacar os simpatizantes da dinastia asmonéia, Herodes divorciou-se de sua esposa Dóris, com quem se casara na juventude, e desposou Mariamna, neta do sumo-sacerdote Hircano, descendente de Judas Macabeu.

MANDOU AFOGAR O SUMO-SACERDOTE – Hircano tinha sido aprisionado pelos partos, quando estes invadiram a Palestina, mas fora libertado devido à intercessão dos judeus que viviam além do Eufrates. Encorajado pelo casamento de sua neta com Herodes, Hircano regressou a Jerusalém, onde Herodes imediatamente o executou. Não, conforme afirma Flávio Josefo, por ter reivindicado o trono, “mas porque o trono realmente era seu”. Outro adversário potencial era Jônatas, irmão de sua mulher Mariamna o qual, aos 17 anos, foi feito sumo-sacerdote por Herodes. Mas, quando o rapaz vestiu os trajes sagrados e se aproximou do altar durante uma festa, todos os presentes choraram de emoção. Por isso, Herodes mandou sua guarda pessoal gaulesa matá-lo afogado.

MANDOU ESTRANGULAR OS PRÓPRIOS FILHOS – O que, no âmbito político, talvez tenha sido maquiavelicamente oportuno, no âmbito familiar foi um desastre. Herodes apaixonara-se intensamente por Mariamna. Esta, após o que acontecera com seu irmão e seu avô, odiava-o com a mesma intensidade. Além de ressentimento e ódio, havia o desdém de uma princesa real judia por um novo-rico árabe. Isso não só atormentava Herodes, mas também deixava sua família furiosa, sobretudo sua irmã Salomé. Esta persuadiu o irmão de que Mariamna havia cometido adultério com José, seu marido. Herodes ordenou a imediata execução de ambos. Em seguida, a paranóia voltou-se contra seus dois filhos com Mariamna. Convencido de que estavam conspirando contra ele, mandou estrangulá-los em Sebaste, no ano 7 antes de Cristo.

“ONDE ESTÁ O REI QUE NASCEU?”
– Depois que Jesus nasceu na cidade de Belém da Judéia, na época de Herodes, alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Ao saber disso, o rei Herodes ficou alarmado, assim como toda a cidade de Jerusalém. Ele reuniu todos os sumos sacerdotes e os escribas do povo, para perguntar-lhes onde o Messias, o Cristo, deveria nascer. Eles responderam: “Em Belém da Judéia, pois assim escreveu o profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá; porque de ti sairá um príncipe que será o pastor do meu povo de Israel”.

A ETRELA OS ENCHEU DE ALEGRIA – Então Herodes chamou, em segredo, os Magos e procurou saber deles a data exata em que a estrela tinha aparecido. Depois enviou-os a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o Menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que eu também vá adora-lo”. Depois que ouviram o rei, os Magos partiram. E a estrela que tinham visto no Oriente, ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. Ao reverem a estrela. os Magos se encheram da mais profunda alegria. Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para sua terra, passando por outro caminho.

MANDOU MATAR TODAS AS CRIANÇAS – Depois que os Magos se retiraram, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: “Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo”. José levantou-se, de noite, com o Menino e sua Mãe, e retirou-se para o Egito e lá ficou até a morte de Herodes... Quando Herodes percebeu que os Magos o tinham enganado, mandou matar todos os meninos de Belém e território vizinho, de dois anos para baixo, de acordo com o tempo indicado pelos magos. Assim se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias: “Ouviu-se um clamor em Ramá. muito choro e grande lamento. É Raquel que chora seus filhos e não quer ser consolada, porque eles não existem mais”. (O relato encontra-se nos capítulos 1 e 2 do Evangelho de São Mateus).

DOUTORES DA LEI QUEIMADOS VIVOS – Não foram apenas tragédias familiares que transformaram Herodes em tirano desalmado. Também a impossível tarefa de reconciliar o Povo eleito de Deus com um governo pagão. Por ocasião do censo do ano 7 antes de Cristo, por causa do qual José e Maria tiveram que recensear-se em Belém e lá nasceu o Menino Jesus, seis mil fariseus haviam se recusado a prestar juramento de lealdade a Otaviano, agora imperador Augusto, e foram sumariamente trucidados. Pouco antes da morte de Herodes, cerca de quarenta seguidores de dois conceituados rabinos de Jerusalém, bastante conhecidos como expoentes da tradição judaica, haviam descido em cordas, do teto do Templo, para remover um ídolo pagão, a Águia Dourada, que Herodes colocara acima do Grande Portão. Por causa disso, os dois rabinos foram presos e, por ordem de Herodes, queimados vivos.

SALDO FINAL DE VIDA PERVERSA – Pouco antes de sua morte, enquanto Herodes ainda agonizava no leito, com “uma comichão insuportável por todo o corpo, dores constantes na porção inferior do intestino, edema nos pés como na hidropisia, inflamação do abdome e gangrena nos órgãos genitais, dos quais brotavam vermes” (apud Flávio Josefo), disseram-lhe que Antipas, seu filho mais velho e herdeiro, tinha planejado envenená-lo. Antipas foi executado pela guarda pessoal do pai. Cinco dias mais tarde, o próprio Herodes estava morto. Fazendo dupla com Pilatos, os dois têm seus nomes lembrados diariamente milhões de vezes e entraram, na História da Salvação, pelas portas da eterna desonra. Herodes está relacionado com o Natal e, no Natal, com o extermínio das crianças de Belém. Entra na história exatamente quando o clima é de fraternidade e paz, das quais ele foi um grande inimigo. Seu fim impenitente e sua morte repulsiva demonstram como estão cobertos de razão os que lutam pela fraternidade e pela paz.

Com amizade – Luís

Formatação: Tânia