ANTES EXPLORAÇÃO DO TRABALHO, DEPOIS AUTONOMIA PRODUTIVA – A produção autônoma depende da posse dos meios de produção que, no tempo da Bíblia, era a terra. A acumulação das terras nas mãos dos reis de Canaã produziu a exploração do trabalho do povo. Privado de sua terra, o povo era obrigado a se empregar, sob as condições que o rei impunha. Em Israel, porém, a terra é declarada dom e posse de Deus. Seu uso era regulamentado por leis que asseguravam, a cada tribo, o seu chão para plantar e produzir. A terra não podia ser vendida nem comprada. Só podia ser usada. Mesmo assim, acontecia de uma família aumentar o seu lote e criar um latifúndio, com prejuízo de outras famílias. Foi para evitar isso e para manter o ideal da sociedade igualitária, que se criou a lei do Ano Sabático e a lei do Ano Jubilar. O Ano Jubilar ocorria a cada 50 anos. Era uma maneira de se recomeçar tudo de novo. Todas as compras e vendas de terras, feitas anteriormente, eram desfeitas e a terra voltava para o seu primeiro dono. O texto do Levítico (25,1-38) dá normas bem concretas para o funcionamento desta lei.
DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER, CAMINHO DE LIBERDADE E PARTICIPAÇÃO – O texto do Êxodo (16,1-30) fala do maná no deserto e insiste em não acumular para o dia seguinte. Essa história tem um significado muito importante: no Povo de Israel, fica proibida a acumulação de bens. Deve haver confiança na Providência divina, a qual passa pela mediação histórica da organização comunitária da vida. A proibição de acumular bens exige que o povo seja dono do seu produto. Esse texto, aplicado à Eucaristia, mostra que a Eucaristia exige partilha dos bens. O sistema do Estado centralizado dos reis de Canaã era organizado de tal maneira que o poder central podia apropriar-se do excedente da produção dos agricultores. No sistema tribal, a organização é feita, de maneira que essa apropriação seja impossível. As famílias ou comunidades menores são donas da terra e de sua produção e podem dispor dela para a sua comercialização. Esta mudança foi possível, porque o poder político foi descentralizado de maneira inteligente.
ANTES CONCENTRAÇÃO DE PODER NAS MÃOS DOS REIS, DEPOIS DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER – O rei era dono de tudo e detinha o poder absoluto, legitimado pela religião. No sistema tribal, o poder se exerce através do princípio da subsidiariedade, isto é: o que pode ser decidido na base não deve ser levado para uma instância superior. Os “chefes de família” tinham autonomia dentro de suas respectivas famílias ou comunidades. Além do princípio da subsidiariedade, havia o princípio da solidariedade, que evitava o fechamento dos grupos sobre os seus próprios interesses. As famílias tinham obrigação com o “clã” e os “clãs” tinham obrigação com a “tribo”. Tudo era regulamentado por leis. Nosso Brasil porá os pés nos trilhos corretos, quando a Comunidade local for assumida, como instância de encaminhamento e resolução dos problemas da Comunidade. Enquanto a própria Comunidade não for envolvida, os problemas não se resolverão. Os problemas de educação, de violência e os outros.
A TENTAÇÃO DO PODER CORROMPE A CABEÇA E O CORAÇÃO - No Livro de Josué (24), a gente percebe como funcionava este poder descentralizado. O povo tinha os seus “chefes” ou “anciãos”, que participavam das Assembléias, onde se decidia comunitariamente o rumo do povo. Essa organização encontrava sua expressão até no culto (Nm 7,1-11), onde a gente vê o povo participar, cada qual com sua tarefa própria. Quando, mais tarde, é reintroduzida a monarquia, o poder se torna novamente propriedade privada de uma família, que começa a dominar as outras famílias. A tentação do poder corrompe a cabeça e o pensamento. O poder sempre procura criar estruturas que permitam sua reprodução e ampliação. São os profetas que se levantam contra esse abuso de poder, que nega o Projeto de Deus. Jesus expressa a mais pura tradição bíblica, quando subverte o sistema instalado no poder, dizendo que o verdadeiro poder deve ser serviço aos irmãos. Só assim se elimina o germe da opressão e se lança a base de uma sociedade igualitária. Confira o Evangelho de Marcos (9,35) e de Lucas (22,24-27).
ANTES LEIS QUE DEFENDEM OS INTERESSES DO REI. DEPOIS LEIS QUE DEFENDAM O SISTEMA IGUALITÁRIO - Havia leis que impediam a alienação das terras de uma família para outra: leis que defendiam a fraqueza das pequenas famílias e pequenas comunidades, contra a ganância dos outros. A lei dos 10 Mandamentos defende a liberdade que foi conquistada e defende o novo relacionamento social: não roubar, não acumular, não matar, não mentir, não jurar falso. Tudo isso para defender os direitos dos pequenos contra a tentação eterna do poder e da cobiça. O novo sistema igualitário se baseava na organização eficiente da fraqueza contra a tentação do poder e da ganância, tanto interna como externa. Era, por isso mesmo, um sistema frágil, pois não repousava sobre o uso da força, mas sobre o compromisso de cada um com o novo projeto e com as exigências da fé no Único Deus.
A LIBERTAÇÃO DO EGITO É O FUNDAMENTO DOS 10 MANDAMENTOS - O texto do Êxodo (20,1-17) descreve os 10 Mandamentos. Seu início diz assim: “Eu sou Javé, teu Deus, que te tirei do Egito, da casa da Escravidão!” É o título de posse de Deus, como Senhor e Dono do povo. A libertação do Egito é o fundamento dos 10 Mandamentos. Eles visam a defender a liberdade que o povo conquistou e garantir o funcionamento da sociedade sem opressão. Estamos habituados a interpretar os 10 Mandamentos numa perspectiva meramente individualista: eles dizem quais os pecados mortais que a pessoa deve evitar. Mas esta não é a intenção básica do Decálogo. Os 10 Mandamentos são como uma espécie de CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE IGUALITÁRIA. Querem promover um relacionamento libertador entre os homens, para que eles tenham vida e vida em abundância. Para o mundo do Egito e de Canaã, os 10 Mandamentos formavam a proposta mais revolucionária. Com o passar do tempo, o povo (de ontem e de hoje) “moralizou” a Lei de Deus e dela fez um código de prescrições particulares. O mesmo perigo correm a Igreja como Povo de Deus e cada um de nós, em particular: cair na tentação, no pecado contra o Espírito Santo, desfibrando a Lei de Deus, transformando-a em sal insosso e fermento mofado.
Com amizade – Luis
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