sábado, 2 de fevereiro de 2008

A BÍBLIA NASCEU DA PREOCUPAÇÃO DE NÃO ESQUECER A HISTÓRIA

ANTES, CULTO CENTRALIZADO, QUE CELEBRAVA O MITO; DEPOIS, CULTO DESCENTRALIZADO, QUE CELEBRAVA A VIDA E A HISTÓRIA – No sistema anterior, o culto era centralizado nas mãos dos sacerdotes. O culto era, assim, um meio poderoso para manter o sistema. No sistema igualitário do Povo de Israel, o culto não é monopólio dos levitas. Os chefes de família presidem o culto. O papel dos levitas não é tanto o de exercer o culto, mas o de interpretar a vontade de Javé e de animar o povo. Neste exercício, eles não conseguem acumular poder. Mais tarde, quando a monarquia faz sua entrada, o sacerdócio se apodera do culto e o usa a serviço dos interesses do rei. Moisés, da tribo dos levitas, era mais um profeta do que sacerdote do culto.

PAGÃOS REPETIAM OS MITOS, ISRAEL CELEBRAVA A HISTÓRIA - O culto dos reis de Canaã era dedicado aos ídolos. Ele narrava os mitos da criação do mundo, possibilitando assim o acesso dos clientes dos deuses à ação criadora divina, símbolo da estabilidade do “status quo” mantido pelos reis, chamados oficialmente “filhos de deus”. O acesso ao deus se fazia pelo rito, executado dentro do rigor quase mágico das normas litúrgicas. Em Israel, o culto, apesar de seguir o mesmo esquema do culto em geral (religiosidade popular), tinha um conteúdo radicalmente diferente. Quando o povo da Bíblia comparecia diante de Javé para celebrar Sua presença, eles narravam a história: lembravam os fatos que tinham provocado a mudança da opressão para a libertação.

CELEBRAÇÃO NÃO ERA RITO MÁGICO, MAS RECORDAÇÃO RELIGIOSA DA HISTÓRIA – Desta forma, possibilitava-se o acesso do povo à ação criadora, símbolo da transformação e da mudança, expressas no novo Projeto de vida igualitária. O culto religioso do povo não era mero rito, mas expressão do compromisso renovado com Deus, através da observância da Lei e dos Mandamentos. O texto de Êxodo 24,1-11 descreve a conclusão da Aliança e o compromisso do povo no culto. Há outras descrições da Aliança em Josué (24,1-28), no Êxodo (34,1-35). Pode-se dizer que a maior parte da Bíblia nasceu da preocupação de não esquecer a História, as raízes do povo, e de narrá-la no culto. A Bíblia, no seu todo, era a memória coletiva, onde o povo encontrava sua razão de ser, sua identidade, sua raiz, que era e é Javé, Deus presente em sua História.

ANTES, SACERDOTES LATIFUNDIÁRIOS; DEPOIS, SACERDOTES SEM TERRA – Na distribuição das terras, a única tribo que não recebe terra é a tribo dos levitas, a tribo sacerdotal. Assim, impede-se que o poder de liderança dos sacerdotes possa tornar-se fator de acumulação de terras e de bens. O sacerdócio deve ser um serviço ao povo, em nome do único Deus; por isso, as tribos devem sustentar os levitas, através do sistema do dízimo e através de uma parte dos sacrifícios. A legislação bíblica sobre os levitas (tribo sacerdotal de Levi) é complicada, confusa e até meio contraditória. Mas há alguns pontos que reaparecem sempre: em primeiro lugar, os levitas não recebem terra. Mais tarde, recebem alguns povoados e cidades para morar.

SACERDOTES LATIFUNDIÁRIOS, INTERESSADOS NO CONSERVADORISMO - A herança deles não é a terra, mas é Javé e o serviço a Javé e ao Povo. Em Números (8,5-26), diz-se que a tribo de Levi foi colocada à parte, para ficar nos lugar dos primogênitos, mortos na saída do Egito. Tudo pertence a Deus! Para expressar esta pertença do Povo a Deus, os levitas são consagrados a Ele. Os levitas são o Povo representado diante de Deus e sua função era transmitir ao povo os Mandamentos de Deus. Guardavam a Lei e zelavam por sua observância. No sistema dos reis de Canaã e do Egito, os sacerdotes eram ricos e possuíam terras. Assim, estavam interessados em manter o sistema e usar a religiosidade do povo, para impedir a mudança. Em Israel, os levitas não podem ter terra e são pobres. Muitas vezes, o levita aparece na fila dos necessitados, junto com os órfãos, com as viúvas, com os pobres e com os estrangeiros.

DONOS DE RIQUEZAS VIRAM FACILMENTE DONOS DAS CONSCIÊNCIAS – Tudo isso é ambivalente. Na hora em que os sacerdotes se esquecem do sentido profundo de sua missão, podem tornar-se os dominadores da consciência do povo. Isto de fato aconteceu. Começaram a ter o controle do vai-e-vem da fé entre Deus e o Povo. Aquilo que devia ser serviço tornou-se domínio. Voltou assim o estado de opressão, contra o qual Moisés (que era da tribo de Levi) se tinha rebelado. A legislação do Deuteronômio fez um esforço grande para renovar o sacerdócio, mas não conseguiu. Veio o cativeiro e perderam tudo. Mas depois, com a reconstrução do Templo, voltou a tentação de dominar: dominar Deus e dominar o Povo! Jesus entra no Templo, derruba as mesas e diz: “Minha casa é uma casa de oração para todos os povos; mas vocês fizeram dela um covil de ladrões!” – É perigoso ser homem do culto, pois ele maneja um poder muito grande, que pode ser usado para “fazer o mal e fazer o bem, para matar e para salvar”(cf.Marcos 3,1-8).

Com amizade - Luís

Nenhum comentário: