MUITOS CRESCEMOS Á SOMBRA DE DOM ADRIANO – Sempre fui muito próximo à pessoa de Frei Adriano Hypólito, desde minha adolescência em Ipuarana. Quando surgiu a ocasião de afastar-me fisicamente da Província de Santo Antônio e oferecer meus préstimos a Dom Adriano, já bispo de Nova Iguaçu, não pensei duas vezes. O universo, coberto pelas duas singelas frases anteriores, é muito mais vasto e complexo, mas hoje não vem ao caso. Detalhes mais ou menos saborosos, mais ou menos saudosos, ficam eventualmente para outras escritas. O que lembro hoje é a FOLHA diocesana e as IMAGENS de Dom Adriano. Por puro quixotismo, assumimos produzir uma FOLHA litúrgica de conscientização eclesial e política, que viveu gloriosamente vinte anos; e foi então adotada em dezenas de paróquias, por este Brasil afora, insatisfeitas com a água açucarada, que compunha boa parte dos subsídios litúrgicos. Isso em pleno tempo da ditadura militar.
VESPA VALENTONA SERIA O SÍMBOLO DE NOSSA FOLHA – Certo domingo, nos anos de chumbo, foi distribuída, nas comunidades, uma FOLHA falsificada, com loas ao regime e ataques viperinos à teologia da libertação e à pastoral conscientizadora. Os anônimos são covardes e não assinam, por isso não descobriu-se de onde partiu a falsificação. O seqüestro martirial do bispo de Nova Iguaçu foi politicamente fundamentado com o desabuso da FOLHA em comentar a situação e escrever o que pensa. Mas isso também leva a outras viagens, que não cabem nos presentes comentários. Na FOLHA, nosso Dom Adriano praticou, em termos de concisão e sobriedade, tudo o que ensinava em Ipuarana, nas aulas de português e escrita. Mantinha duas colunas: uma de reflexão religiosa pastoral e outra de IMAGENS, suas afamadas IMAGENS, sobre situações comuns, na vida do povo. Ajudei a reunir, em alguns volumes, as IMAGENS de Dom Adriano. As VOZES DE PETRÓPOLIS publicaram.
LITURGIA CELEBRAVA A VIDA REAL DO POVO – Para o primeiro volume, Dom Adriano pediu que eu escrevesse o prefácio, que já tinha executado a tarefa da seleção. Entrei neste volume das IMAGENS de Dom Adriano como companheiro de uma jornada que começou em 1972. Naquele ano, por solicitação da assembléia diocesana, saía o primeiro número da FOLHA, semanário de conscientização e liturgia, que se propunha incrementar o casamento da vivência cristã com a realidade da Baixada Fluminense, nas celebrações de nossas comunidades. Em vez de excluída como profana, a realidade concreta do povo, levada para o culto, bem que podia servir de sopro nas cinzas, para deixar a brasa da fé mais rubra e mais comprometida.
NOSSA FOLHA DESENTOCOU UM POETA FRANCISCANO – Sem que constasse dos nossos planos, a FOLHA serviu de instrumento para desentocar o poeta que morava escondido em Dom Adriano. O resultado foi a seleção de IMAGENS da Baixada Fluminense. Em pequeninas crônicas, a poesia se transforma em vida, retomando o sentido primitivo de engajamento na feitura amorosa das coisas. Demos ao volume o título de IMAGENS DE POVO SOFRIDO. E valeu como homenagem a Diocese de Nova Iguaçu aos 800 anos do poeta São Francisco de Assis:o hino às criaturas pequenas de outro poeta franciscano. Surpresa: as IMAGENS de Dom Adriano falam com amor desta mal-afamada Baixada Fluminense.
ENTENDE MELHOR QUEM AMA E TEM COMPAIXÃO - Como lembrar-se de amor, quando o assunto é Baixada? Dela não se reportam apenas violências e escabrosidades? A Baixada não é o bem sortido supermercado dos escândalos, que abastecem o faturamento das curiosidades mórbidas? Mas os radares da compaixão captam mais a verdadeira realidade humana do que o profissionalismo insensível dos remexedores dos lixões. O amor ajuda a ver melhor. Daí que as IMAGENS de Dom Adriano constituem uma declaração de amor por este povo sofrido. Povo mártir, povo martirizado, como ele gostava de dizer.
SENTIMENTOS DE CULPA NÃO FARIAM MAL À GENTE FINA – A zona-sul do Rio começa a sentir saudades do Brasil, assim que atravessa o túnel para os lado da Baixada. A travessia do nosso mar imenso de casas proletárias deve baixar, ainda mais, o astral. É bom que o choque da miséria continue embrulhando os estômagos delicados. Em vez de boa saudade, um sentimentozinho de culpa não faria mal à gente fina, pois lembraria que o Brasil é muito mais a Baixada Fluminense do que os bairros chiques das grandes cidades. A esnobação bem nascida e bem nutrida constitui apenas um aspecto da insensibilidade nacional perante a sorte dos pobres, que ela faz questão de continuar explorando.
NAS IMAGENS DE DOM ADRIANO, CERTEZA DE QUE A PÁSCOA JÁ COMEÇOU – AS IMAGENS DE DOM ADROANO acompanham o povo da Baixada Fluminense passando de um lado para o outro. A Baixada foi sempre lugar de passagem. Continua a ser passagem das multidões de zésdasilva e zefasmariasda conceição, que produzem no Rio a riqueza dos ricos e voltam para a Baixada ainda mais pobres. Mas passagem não é também sinônimo de Páscoa? Passagem da morte para a vida. Passagem do povo pelos obstáculos do mar. Passagem da escravidão dos faraós para a liberdade da Terra Prometida. Nas IMAGENS de Dom Adriano, mora a certeza tranqüila e profética de que, também para o povão da Baixada Fluminense, síntese do povão brasileiro, já começou a caminhada pascal.
ADRIANO HYPOLITO: IMAGEM APENAS CONFIRMANTE
1. Instalado, reconciliado com Deus e su’alma, o doutor reflete sobre a pregação deste domingo luminoso e claro. O padre exagerou. Evidentemente e-xa-ge-rou. Chama a distinta: Leonor, não achas também que o padre exagerou? D.Leonor também acha, sim, que o padre exagerou. Até me cheira a subversivo. Não direi tanto, pondera o doutor, mas que exagerou, e-xa-ge-rou. Que diferença de antigamente, quando a Igreja só se ocupava das almas e das coisas santas. Voltava-se ao lar tranqüilo, não era, Leonor? Sim, era.
2. Sim, era. Velhos tempos, belos tempos, Leonor, eu acho que... Sim, ia falar com o padre. Afinal eu fui presidente da festa do ano passado. Apoiado solidamente nesse título, reflete o que dirá ao quase subversivo. Trata-se da frase infeliz: “O supérfluo pertence aos pobres”. O Reverendo sabe mesmo o que é supérfluo? O Reverendo não distinguirá a posição social de um executivo, de um ministro, de um general, ou (pra ficar na sua área) de um cardeal etc? Ou gostaria de nivelar tudo por baixo?
3. Porque, Reverendo, o que é supérfluo para minha governanta faz parte do meu status, entende? Supérfluo é palavra oca. Frases como essas, Reverendo, atiçam a luta de classes, conduzem ao caos, solapam as bases da sociedade. Onde fica então a caridade que Cristo pregou? Onde? Sobretudo nessa hora em que as forças do mal etc. E por aí afora discorreu o doutor. Argumentos apocalípticos. E o resto. Apenas o doutor esqueceu a palavrinha que não é do Reverendo: “Como é difícil um rico entrar no reino dos céus!”
quinta-feira, 17 de abril de 2008
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