segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

SUBVERSÃO COMEÇOU MILHARES DE ANOS ATRÁS

PASTOR EXTRAPOLA NAS PREGAÇÕES – Enfio o braço curioso e retiro velho alfarrábio do fundo da gaveta: recorte amarelado do JORNAL DO BRASIL, que guardei, talvez pela simples mania de guardar. Naquele tempo já distante, pastor luterano de Juiz de Fora recebeu, inesperada e indesejadamente, confirmação do seu cristianismo: a comunidade exigia que ele renunciasse ao cargo, pois suas pregações estariam extrapolando os temas especificamente religiosos. O pastor estaria falando mais de política do que de religião. Com base no entendimento que tem da Bíblia, o pastor Scharffer defende os pobres, protesta contra a exploração que, naquela região, atinge sobretudo os pequenos agricultores e posseiros rurais. Não é assim que os abastados de Juiz de Fora desejam que a Bíblia seja pregada. Conheci o pastor Scharffer, quando precisei revalidar estudos seminarísticos, em escola da Universidade Federal de Juiz de Fora. Esclarecido e transparente, como são tidos os luteranos, no Sul do Brasil.

“QUEREMOS UM PASTOR QUE NOS FALE DE DEUS” – Tal transparência agride a placidez da elite branca do conservadorismo montanhês. – “Ora, não é para isso que queremos um pastor! Precisamos de um líder religioso que nos fale de Deus e ajude no caminho do céu! Exigimos da igreja um evangelista que ensine obediência às leis que garantem a ordem social! Precisamos de um guia cristão, que ajude a arrancar nossos espinhos de consciência e nos restitua à paz interior, com o bálsamo da Palavra de Deus!” A burguesia mineira podia ainda acrescer à fila de suas exigências: - “No mundo do lado de cá, estamos seguros, nada falta. Por que mexer nessas coisas e inquietar o povo? O que desejamos do pastor é que ele transmita a segurança de que estamos salvos, de que vamos ganhar também o mundo do lado de lá!” O episódio é mineiro e velho. Mas parábolas não envelhecem. Por isso, o episódio é também atual e cearense.

RESIGNAÇÃO TEM POUCO A VER COM CRUCIFIXÃO – Da indignação “cristã” na comunidade luterana de Juiz de Fora, é simples concluir a lista de ulteriores exigências: - “Pregar o lado emocional da religiosidade, isso pode! Pregar o Cristo como solução automática dos problemas da vida, dispensadora de nossa participação, pode! Pregar o abandono do mundo (para os outros!), garantindo assim a conformidade dos pobres e a certeza de salvação para os ricos devotos, pode! Identificar a Lei e a Ordem deste mundo com a Lei e a Ordem de Deus, também pode! O que não pode é entender a Bíblia como História de Libertação do Povo de Deus. O que não pode é lembrar que Jesus viveu pobre, acompanhou-se dos pobres, preferiu os pobres e satanizou as riquezas, quando sentenciou definitivamente que não é possível servir a Deus e ao Dinheiro. Cada um dos dois lados exige exclusividade!

CASTRADORES PROFISSIONAIS DA MACHEZA EVANGÉLICA – Para os cristãos que procedem como o pastor luterano de Juiz de Fora, a sociedade batizada tem, em ponto-de-bala, os desqualificativos ameaçadores de sempre: “subversivo”, “agitador”, “criador de problemas”. Pois eis, em poucos adjetivos, as acusações alegadas, no processo contra Jesus. Acusações que diuturnamente entregaram os profetas incômodos às mãos dos carrascos. Mas o pastor Scharffer sabia que não dá para fugir ao dilema: ou enfrentamos os riscos da Sexta-Feira Santa ou castramos a Palavra libertadora de Deus. A história dos tempos de Jesus se repete: os que possuem tudo exigem que os profetas virem empregados deles e funcionem como instrumentos de suas delícias espirituais. A televisão acaba de noticiar, agorinha, sobre escravidão, quase como norma de relação empregatícia, nas terras do Pará, onde todo mundo é religioso. Lá mesmo, onde a cristã inconformada, Irmã Dorothy Stang, foi morta, a mando de fazendeiros

SUBVERSÃO É BEM MAIS ANTIGA – É desinformação e obtusidade mental achar que a pregação da Justiça social e da Fraternidade igualitária começou no século XIX, com o filósofo Karl Marx, dezenove séculos depois de Jesus Cristo. Desinformação, obtusidade mental e simplória blasfêmia atribuir ao velho Marx, frágil ser humano como nós, o poder e a missão justiceira do Filho de Deus. Para o atribulado e endividado Marx, pelo que ele viu na cristandade inglesa dos começos da industrialização, religião era mesmo prazer espiritual, para acalmar a revolta dos revoltados e devolver a paz de consciência aos exploradores igrejeiros. No estigma do próprio Marx, “ópio do povo!” A subversão começou mais cedo. Vejamos, por exemplo, o que pregava São Clemente de Alexandria, no ano 200, mais de dezesseis séculos antes do nascimento de Karl Marx:

NÃO ESQUECER O BURACO DA AGULHA! – Com a palavra São Clemente de Alexandria: - “Não desejeis os alimentos dos ricos, porque os ricos levam uma vida torpe e mentirosa. Os ricos estão apegados às comidas supérfluas, que acabam por ir à latrina. As glutonerias que acontecem nas casas dos ricos ofendem sobretudo os pobres. Deus fez as coisas para todos, portanto todas as coisas são comuns. É injusto, por isso, viver no luxo, enquanto a maioria vive na miséria. É ridículo e revoltante que os ricos usem vasos de ouro e prata e que certas matronas mandem fazer de ouro os próprios vasos para os excrementos, de modo que aos ricos nem ao menos seja possível evacuar sem o devido fausto!” – Pedra coçando em sua mão, leitor? Jogue-a na cabeça de São Clemente de Alexandria!

Com minha amizade - Luís

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