sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

POR MUITAS CURVAS, O ANTIGO CAMINHA PARA O NOVO

NO DESERTO COMEÇA A FORMAÇÃO DO POVO – O grupo de Moisés, saído do Egito, se fortalece no deserto e, sob a liderança de Josué, entra na Palestina. Lá encontra a mesma situação de opressão, contra a qual se tinha rebelado, ao sair do Egito. Na Palestina, encontra a camada de “irmãos” oprimidos, desejosos de sacudir o jugo da escravidão. O grupo de Moisés traz a alternativa longamente esperada. De um lado, sua fé em Javé, Deus único e libertador, derruba a ideologia do sistema opressor dos reis de Canaã. De outro lado, sua nova organização social oferece uma saída concreta, que mobiliza e anima os oprimidos da Palestina. Em que consiste esta nova organização social? A luta contra o faraó fez com que o grupo de Moisés se organizasse num sistema que impedia a volta da escravidão: sob a sugestão de Jetro, o sogro, Moisés descentraliza o poder. Impede-se a acumulação de alimentos, a não ser em caso de necessidade. A organização se faz igualitária, em forma de tribos, sem poder central.

NECESSÁRIO REJEITAR OPRESSÃO PARA PERTENCER AO POVO – Assim organizado, o grupo entra na Palestina. Lá recebe a adesão dos oprimidos e inicia-se uma longa luta contra o sistema dos reis de Canaã, descrita no Livro dos Juízes. A luta não foi contra os habitantes da terra de Canaã, mas contra os reis e o seu sistema opressor. A destruição de Jericó, com suas muralhas, representa esta luta contra os reis; pois os reis viviam nas cidades, de onde exploravam os agricultores. A Bíblia também fala das alianças que Josué fazia com a população local. Criou-se assim uma mística de luta, que exigia mudança e “conversão”. Para poder fazer parte do povo de Deus, era necessário rejeitar o sistema de opressão e engajar-se na luta por uma sociedade mais fraterna. Era necessário rejeitar os falsos deuses e crer em Javé, Deus vivo e verdadeiro, Deus libertador!

UNIÃO DOS OPRIMIDOS COMPÕE O VERDADEIRO POVO DE DEUS – Com a entrada do grupo de Moisés, a situação na Palestina começa a fermentar na base. Um vento novo começa a soprar. Os agricultores, os seminômades e outros se unem ao grupo de Moisés e de Josué, aceitam o Deus Javé e se comprometem com a nova forma fraterna de viver. Começa a nascer e a se organizar o Povo de Deus! Durante 200 anos, eles conseguiram manter esta luta, com altos e baixos. Foi do ano 1250 até mais ou menos 1050 antes de Cristo. Não chegaram a realizar o ideal que tinham em mente, mas chegaram a fazer uma boa parte da estrada. Eles eram, naquela situação, a expressão daquilo que Deus queria para todos os homens. Quais eram as características desse Projeto de Deus, em oposição ao projeto anterior? Para que tudo fique um pouco mais claro, vamos enumerar aqui, uma depois da outra, algumas características da sociedade que eles tentaram organizar.

ACEITAR JAVÉ É COMPROMETER-SE COM A FRATERNIDADE – Primeira Característica: Sociedade Igualitária: Antes, sociedade hierarquizada: Depois, sociedade igualitária. A gente costuma dizer que eles se organizaram num “sistema tribal”. Formaram 12 Tribos de Israel. Isto é certo. Mas convém clarificar que o sistema tribal não era, em primeiro lugar, um sistema baseado no relacionamento de sangue e de parentesco. Mas era, em primeiro lugar, um sistema baseado em determinado relacionamento econômico, social, político e religioso, totalmente diferente do sistema em vigor na Palestina e no Egito. Sistema baseado na exploração do povo pelo aparelho da cidade-estado e do imperialismo do Egito. Eles “tribalizaram” a vida. Esse tipo de organização é baseado na solidariedade mútua. A unidade menor desta organização era a “família patriarcal”. A organização intermediária era o “clã”, composto de famílias patriarcais. A unidade maior era a “tribo”. As 12 Tribos viviam unidas numa espécie de confederação. Tudo se organizava de maneira que a unidade menor, a “família patriarcal”, o povoado, a comunidade local, tivessem autonomia produtiva.

DEMOCRACIA DECADENTE EXIGE INSTALAÇÃO DA MONARQUIA – Eles queriam uma sociedade igualitária, em oposição ao sistema opressor dos reis de Canaã. O texto de 1 Samuel 8,1-22 revela a situação do povo no fim do período dos Juízes, em torno de 1025 antes de Cristo. A gente nota, nesse texto, várias coisas. O sistema igualitário estava enfraquecido. Samuel estava ficando velho e os seus filhos não prestavam. A ameaça de fora, vinda dos filisteus, colocava em perigo a própria sobrevivência do povo como povo livre. Tudo isso fez enfraquecer o compromisso interno do povo com o projeto igualitário e, portanto, com Deus. E, em vez de se renovarem a partir de suas próprias raízes e tradições, começaram a procurar uma saída, imitando o modelo dos reis de Canaã. “Queremos ser como os outros povos! Queremos um Rei!” A propaganda funcionou e mudou a cabeça do povo. Aí Samuel descreve o direito do rei, do jeito que este era praticado pelos povos vizinhos.

O DEUS ÚNICO É O ÚNICO SENHOR DO POVO – Foi contra esse “direito do rei” que o povo, em nome de Javé se tinha rebelado, para construir uma sociedade igualitária, 200 anos antes, sob a liderança de Moisés e Josué. O texto do Deuteronômio 17,14-20 é de uma época bem posterior. É do tempo do Rei Josias, em torno do ano 640 antes de Cristo. Desde Davi até Amon, predecessor de Josias, o povo teve a experiência dolorosa e desastrosa da monarquia. Monarquia quer dizer “governo de um só”, o rei. A reforma deuteronomista pretende voltar às origens do povo e realizar o Projeto de Deus, dentro das possibilidades reais que o momento histórico oferecia. A monarquia já era um fato. O texto mencionado procura adaptar a figura do rei ao ideal de sociedade igualitária. Chama o rei de “irmão” e diz que ele não pode acumular bens. Era o mesmo que manter o nome sem o conteúdo. Além disso, os Livros dos Reis – redigidos pelos mesmos autores que redigiram o Deuteronômio, fazem um julgamento negativo da monarquia.

NASCE A ESPERANÇA ESCATOLÓGICA NA VINDA DO REI JUSTO – Todos os reis são criticados, menos Davi, Ezequias e Josias. A crítica da monarquia aparece também nos profetas Ezequiel, Oséias, Jeremias e nos outros profetas. Davi pôde tornar-se rei, não para ser dono do povo, mas para ser o lugar-tenente de Deus, único Senhor do povo. Mas os reis esqueceram qual era o seu lugar no meio do povo. Tornaram-se donos do povo. A monarquia contribuiu para que voltasse a sociedade opressora dos reis de Canaã. No povo, ficou a saudade do grande rei Davi e nasce a esperança de um novo Rei como Davi, para restaurar a Aliança, o Reino de Deus. Jesus é o Filho de Davi. Ele é o novo Rei “Eu sou rei!” Mas o Reino de Jesus é diferente dos reinos deste mundo. O Reino dele não foi de poder, mas de serviço.

Com minha amizade - Luís

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

SITUAÇÃO GERAL DO POVO NO COMEÇO DA BÍBLIA


O POVO ENTRE 1800 A 1200 ANTES DE CRISTO
- Vamos em frente, em nossa reflexão sobre o Projeto de Deus, como magistralmente intuído por Frei Carlos Mesters. Qual a situação do Povo, quando Deus o chamou para sair do Egito? Quais eram as condições de vida do Povo, quando Deus começou a preocupar-se com ele? A gente sabe que o começo da história narrada na Bíblia se deu entre o ano 1800 a 1200 antes de Cristo, lá na Palestina. Foi com Abraão, depois com Moisés, que surgiu por lá uma nova consciência e uma nova maneira de se viver a vida humana. Foi a semente de uma longa caminhada. Foi crescendo aos poucos. O resultado é a Bíblia, que levou mais de mil anos para ser escrita.

COMO VIVIA O POVO E O QUE QUERIA – Qual era a condição da população, bem no começo da caminhada, e como esta situação exerceu influência sobre o apelo que Deus dirigiu àquele povo? Quando Abraão e seus descendentes andavam pela Palestina em busca de um pedaço de terra, tentando formar um novo povo e buscando uma vida um pouco mais abençoada, e quando os seus descendentes gemiam na escravidão do Egito, a situação econômica, social, política e religiosa do povo era a seguinte:

“HICSOS”, OS IMPERIALISTAS DE ENTÃO – Na Palestina, umas poucas famílias, vindas do exterior, chamadas “hicsos”, conseguiram estabelecer seu domínio sobre os moradores daquelas terras. “Hicsos” quer dizer “dominadores de terras estrangeiras”. Os “hicsos” possuíam uma tecnologia mais avançada e tinham armas mais modernas, isto é, usavam carros puxados a cavalos. Os antigos moradores da Palestina eram obrigados a continuar trabalhando a terra e a entregar o excedente da sua produção aos “hicsos”. Estes cresceram, assim, em poder econômico e tentaram fortalecer a sua posição, através de uma nova organização política.

POVÃO DESUNIDO EM SEUS GRUPOS RIVAIS - O resultado foi o seguinte: desde o ano 1800 antes de Cristo, a Palestina ficou dividida em pequenas cidades-estados, independentes entre si e governadas pelas famílias mais ricas, associadas aos “hicsos”. Estes levaram em frente sua marcha para o Sul e conseguiram ocupar o Norte do Egito. De lá, continuaram a exercer o seu domínio sobre a Palestina, através da estrutura política, por eles mesmos instalada. Mesmo depois que os “hicsos” foram expulsos do Egito, essa mesma estrutura de dominação continuou a existir. Os faraós continuavam a manter sua influência, na região da Palestina.

RICOS MONTADOS NO SUOR DOS POBRES - As cidades-estados da Palestina se fortaleciam. Rivais entre si, tiveram que defender-se umas das outras com a construção de muralhas enormes, encontradas pelos arqueólogos. Para poder manter o seu domínio pela força, cada cidade-estado foi criando o seu pequeno exército estável de mercenários, um grupo de fiscais para cobrar os impostos, uma administração para poder governar, um grupo de artesãos para o conserto dos arreios dos cavalos e dos carros de guerra Criou-se, assim, um sistema que, por sua própria natureza, exigia gastos cada vez maiores: pagar a construção das muralhas, dos palácios, dos armazéns, pagar os soldados mercenários; pagar as guerras e os estragos das guerras etc..As famílias ricas se declaravam proprietárias e davam aos seus chefes o título de reis. Os reis de Canaã!

SOFRIMENTO DO POVO OPRIMIDO – O povo oprimido do campo dividia-se basicamente em três grupos: 1º) Os agricultores que viviam presos à sua terra, prisioneiros da situação em que nasceram. Não era possível para eles qualquer revolta contra a opressão a que eram condenados, pois dependiam da terra para poder viver.
2º) Os agricultores que, ao mesmo tempo, eram criadores de gado (ovelhas e cabras), também chamados de seminômades. Eles podiam abandonar a terra, levar consigo o gado e procurar pasto em outro canto. O desejo de liberdade e de revolta era mais vivo entre eles, pois tinham um pequeno espaço de independência.
3º) Os chamados “hapiru” (hebreus?). Era gente que se revoltou, se organizou em bandos armados e que, para poder viver, ou atacavam os agricultores e seminômades, ou se colocavam a serviço de um rei, para apóia-lo na luta contra outro rei. Abraão e seus descendentes, ao que tudo indica, pertenciam ao segundo grupo, mas muitos membros do clã pertenciam também ao terceiro grupo.

SENTIMENTO GENERALIZADO DE REVOLTA – A situação era a seguinte: entre o povo oprimido, havia um sentimento generalizado de revolta. Havia explosões violentas, seguidas de repressões mais violentas. Mas não havia alternativas. Nem mesmo os “hapiru” (3º grupo) tinham um projeto alternativo. Eles procuravam uma saída, mas sem pensar que fosse possível alterar o sistema geral de opressão que, desde 1800, escravizava o povo. A saída que os do terceiro grupo encontravam eram dentro das possibilidades que o próprio sistema oferecia. Todos estavam presos dentro da ideologia do sistema dominante. O que vinha a ser essa ideologia do sistema dominante? Era o seguinte: todo o sistema era legitimado e justificado pela religião!

RELIGIÃO COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO – Havia vários deuses. O Deus Supremo era o deus do faraó do Egito. Os deuses inferiores eram os deuses da terra de Canaã. Assim, o céu nada mais era do que um espelho do que se passava na terra. A hierarquia entre os deuses legitimava a sociedade dividida em classes. A aristocracia dominava os agricultores, que eram explorados. Nessa religião, os intérpretes dos deuses, os sacerdotes, eram latifundiários. A eles convinha que o sistema não mudasse. O culto era monopolizado pelos sacerdotes e o povo não tinha acesso a ele. O saber era monopólio da aristocracia, que mantinha o povo na ignorância, pois saber ler e escrever no Egito só era possível, após longos anos de estudo na “escola do faraó”. A escrita do Egito era extremamente complexa e complicada. Finalmente, no culto, eram recitados os “mitos da criação”, que confirmavam a situação: assim como o mundo um dia foi criado, assim sempre haverá de ser. Querer mudar alguma coisa era o mesmo que revoltar-se contra os deuses.

EM TAL MUNDO ABRAÃO DEU OS PRIMEIROS PASSOS – Esta era a situação social, política e religiosa do povo, no tempo em que Abraão andava pela Palestina e em que Moisés atuava no Egito. Não havia muita diferença entre a Palestina e o Egito. Em ambos os países, vivia um povo oprimido, despedaçado por séculos de exploração. Não era uma raça. Era gente marginalizada, perdida, desligada das suas tradições, vinda das raças, povos e tribos os mais diversos. O que unia o povo não era a raça, nem o sangue, mas a opressão, o desejo de ter uma terra que fosse sua e a vontade de ter uma vida mais abençoada. Ora, é dessa mistura de gente pisada e marginalizada que vai nascer um povo, o POVO DE DEUS, cuja história é narrada na Bíblia. Como se deu isso, veremos a seguir..

Caro Duarte, sobre a utilidade das presentes informações, dê seu retorno, que certamente encoraja a motivação. Com, minha amizade! - Luís -

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

FELIZES ÓCULOS NOVOS PARA SEU NATAL

EXCESSO DE ADORNOS NO ANIVERSÁRIO DA POBREZA - Pelo mundo inteiro, as cidades se engalanam com os luxos mais peregrinos. As ruas se entrançam de luzes coloridas e as árvores se iluminam com milhões de gambiarras. Supermercados e shoppings viram palácios encantados. Todo esse luxo a título de uma gruta escura e mal cheirosa nos arredores de Belém, onde animais, por causa do frio, se abrigavam à noite. Lição agressiva sobre a inutilidade das nossas ganâncias, que preferimos afogar sob os excessos consumistas. Do mistério divino do despojamento absoluto, fizemos o apanágio de nossas gastanças. Natal convida a um retorno, em espírito, à antiga inocência, para nela redescobrirmos, como foi mesmo o nascimento de Jesus. Na recordação presente, vou acompanhado por meu amigo e guru Frei Carlos Mesters;

MARIA DA FAVELA, GRÁVIDA DE JESUS – A mulher entrou no Posto de Saúde da Comunidade e se apresentou: -“Eu me chamo Maria”. Sentou-se no banco, parou para chorar e, em seguida, desabafou: -“Este ano sofri horrores! Tanta coisa que faz a gente sofrer! Não dá nem para contar! Várias vezes tive vontade de me matar!. Na semana passada, véspera do Natal, eu não agüentava mais. O desejo de acabar com a vida era tão forte que quase me venceu. Não sei como estou viva até hoje. O que ajudou foi este pensamento que entrou na minha cabeça, assim não sei como. Talvez por causa da festa de Natal que estava perto. Eu dizia a mim mesma: -“Maria, você não pode morrer! Você tem que viver! Você está grávida de Jesus! Você se matando, você mata Jesus! Mas ele não pode morrer! Ele precisa nascer! Este pensamento me ajudou, eu venci, estou viva e faço Jesus viver!”

NO MUNDO JUSTO TODOS TERÃO CHANCE – Esta mulher simples e fraca enfrentou o dragão da maldade e o venceu. Uniu-se a Jesus e Maria e foi mais forte. Venceu, apesar das horríveis dores que, no caso, eram dores de parto. Quantas pequenas lutas assim não se travam diariamente, no interior das pessoas! Ninguém percebe nada, o rosto não o revela. Pequenas lutas vitoriosas, como as pequenas raízes, que fazem crescer a grande árvore da liberdade e da vida. Em vez de acrescentar para a criminalidade, os filhos dos pobres alimentam a esperança, junto com a alegria que trazem às suas mães. Em sociedade regida pela justiça, todos virão ao mundo, de encontro às suas chances de vida plena e respeitada. A criminalidade não é destino dos pobres, mas resultado coerente das desigualdades revoltantes e inaceitáveis. Jesus nasceu, a fim de propor um mundo diferente deste nosso, recheado de estridências e carente de espírito.

“MAIS UM PARA OS FUTUROS NOTICIÁRIOS POLICIAIS!” – Outro dia, já faz algum tempo, uma senhora grávida entrou no mesmo Ambulatório da Comunidade e aconteceu de ela dar à luz ali mesmo. Um menino forte e sadio. Só havia gente pobre para acolher o recém-nascido. Não fiquei sabendo nome da mãe. Ela mora na favela. Vendo aquelas senhoras, todas querendo ajudar a mãe e o menino, fiquei triste. Pensava nos milhares de crianças abandonadas: -“Mais um para crescer na miséria, sem casa e sem carinho! Qual o futuro desse menino aí, a quem deram o nome de Jesus?” Assim eu pensava. Mas nada notei de tristeza naquelas senhoras pobres. Elas não falavam comigo, mas seu modo de agir falava mais alto do que qualquer palavra.. A solicitude compassiva e a solidariedade fraterna falavam mais alto do que os sofrimentos e penúrias de suas vidas humildes. Em momentos essenciais da vida humana, como o nascimento de uma criança, as carências superam-se pela grandeza maior!

“VOCÊ PARECE O REI HERODES!” – Naquele dia, semana de natal, eu recebi meu sermão natalino. As mulheres pobres da favela, compassivamente solidárias ao redor da mãe e do filho recém-nascido, clamavam para mim em seu silêncio: - “Menino Jesus, você é bem vindo! Tem lugar para você. O barraco é apertado, mas a gente dá um jeito. No coração da gente tem lugar sobrando!” O silêncio daquelas mulheres, não tomando conhecimento de minhas preocupações pequeno-burguesas, parecia denunciar a minha tristeza impenitente. Era como se me dissessem: “Por que você é contra o nascimento desse menino? Ele tem tanto direito de viver como você! Você parece o rei Herodes, que mandou matar os pobres e queria matar o Menino Jesus!” E continuaram sua alegria ao redor da mãe e do menino, sem tomar conhecimento do aparente aliado do rei Herodes.

“CRIANÇA LINDA COMO A ESTRELA DALVA!” – Luizinha, retirante nodestina na Baixada Fluminense, recebeu esta carta, na folha rasgada de um caderno: - “Sítio Velho, 19 de outubro de 2006. Amiga Luizinha lhe escrevo estas poucas linhas é somente para dar minhas notícias que até hoje estou com saúde graças a Deus e descansei uma criancinha linda como a estrela dalva mas é tão pobrezinha que nem uma redinha para dormir ela não tem. Peço que você arranje uma redinha para meu filho e desculpe a ignorância. Quando eu estava grávida minha lembrança era que você fosse a madrinha de meu filho. Quero saber se quer ser madrinha dele ou não. Nada mais Assina Raimunda Alves de Souza”. O envelope da carta era subscrita com letra bonita, que Raimunda pediu emprestada à freira do ambulatório paroquial. Com os garranchos de Raimunda, talvez o carteiro não acertasse com o endereço, perdido na imensidão da Baixada Fluminense.

TUDO POBRE COMO NA GRUTA DE BELÉM – Raimunda é mãe de quatro filhos. O pai quase não aparece. Ela mora numa casa que não tem piso, nem parede nem telhado. O piso é o chão comum que nem sequer foi nivelado. A parede é um entrançado de pau com barro, cheio de buracos. O telhado é uma camada de folhas de carnaúba. A casa não tem porta, só dois buracos desprotegidos, para entrar e sair. O vento frio das noites na serra passa livremente. Tudo muito pobre, como na gruta de Belém. Apontando o menino, Raimundinha fala: - “Esta criança tem quatro mães. Tem eu, tem ela (e aponta a avó), tem ela (e aponta a parteira). E tem ela lá de cima (e aponta para o céu). Para visitar a mãe e a criança, no dia do batizado, só tinha gente pobre, como eram pobres os pastores de Belém. De reis magos, já mais riquinhos e mais sabidos, só tinha Luisinha e eu. A criança, deitadinha no chão, era a alegria das pessoas em redor. – Mais do que com feliz sapato novo nos pés, SANTO E ABENÇOADO NATAL, com feliz óculos novos nos olhos. Em mundo poluído, nossa vista encontra-se ainda mais exposta à poluição e aos maus odores.

Com amizade - Luís

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

PROJETO DE DEUS

IDOLATRIA, A GRANDE INIMIGA DA IGUALDADE FRATERNA – Ser membro de Círculo Bíblico e aluno de Carlos Mesters faz de você automaticamente amigo meu. Tenho ligação cada vez mais afetuosa com a Bíblia. Não mais como tradicional coleção terapêutica de versículos estanques, manipulados ao sabor da subjetividade dos pregadores, mas História orgânica – com princípio, meio e fim – das pessoas se libertando. História da humanidade, na complicada busca de Deus, em meio a todos os desvios possíveis e imagináveis. Nos albores do Antigo Testamento, o pessoal já desconfiava que o grande Inimigo da libertação era a idolatria. Deuses múltiplos separam o povo e consequentemente dividem sua força política. Tal percepção permanece a pedra fundamental, na construção da estrada para a liberdade. Muitos deuses significam muitos grupos, muita rivalidade, muita divisão. Um só Deus significa um só Pai, uma só família de irmãos. Eis o rosto neo-testamentário da aversão vétero-testamentária à idolatria. A proposta subversiva da igualdade fundamental de todos os homens é, milhares de anos, anterior a Marx e a todos os outros nossos humanos e frágeis revolucionários.

MENOS ESTRIDENTE, PORÉM MUITO MAIS PERIGOSO - Mas lá vou eu caindo fradescamente no facilitário do fervorinho. Não é para isso que escrevo as presentes linhas. Sua pertença ao Movimento Bíblico motiva-me a canalizar mais água para os seus moinhos. Tive convivência prolongada, meio esporádica, com Frei Carlos Mesters, certamente um dos meus mais convincentes gurus. Há teólogos zoadentos e estridentes, mas realmente subversivo é Carlos Mesters, que conseguiu perfurar o chão pisado da Bíblia e dele fez jorrar combustível novo da melhor qualidade. Leio e releio, sempre com gosto e proveito, o que encontro de escritos seus. Estou, quase sempre, com algum de seus livros , aberto ou marcado, perto de mim. Nas últimas semanas, reli COM JESUS NA CONTRAMÃO e O PROFETA JEREMIAS, BOCA DE DEUS, BOCA DO POVO. Sob o breviário, para emenda da reza com a boa leitura, permanece, há meses, DEUS,ONDE ESTÁS? Tudo ouro da melhor qualidade!

PRIVADOS DO PARAÍSO SEM CULPA DE NINGUÉM - Gostei imensamente do resumo que nosso Carlos Mesters fez sobre o Projeto de Deus. O melhor resumo que já vi da Bíblia, sobretudo do sentido dinâmico da Bíblia, história unitária da Povo de Deus. Não mais queijo velho, fatiado em pedacinhos homeopáticos, inúteis e dispensáveis. Não sei se você conhece e o resumo ao qual me refiro. Eu gostaria de repassar a você e aos colegas ipuaranenses; Naquele tempo, sem culpa de ninguém, o estudo da Bíblia ainda era arqueológico e pouco libertador, por isso mesmo pouco atraente. Os heróis desbravadores ainda se encontravam estigmatizados, com suas teologias no INDEX. Mais tarde, as visões se clareando e espantando as trevas, alguns deles, após o Vaticano II, até viraram cardeais. O Concílio Vaticano II certamente foi erigido sobre os alicerces de “teólogos suspeitos”, como Karl Rahner e outros luminares. Conheci pessoalmente o santo velhinho em Innsbruck, em uma de minhas viagens com Dom Adriano;

HISTÓRIA DO POVO BRASILEIRO, HISTÓRIA DO POVO DE DEUS – Mas vamos ao assunto, a ver se você constata que já tem as informações ou se me dá a tarefa e o prazer de encaminhar-lhe a descrição do PROJETO DE DEUS, conforme as anotações de Frei Carlos Mesters. Vamos lá! A bíblia não foi escrita para ocupar o lugar da vida, mas para nos ajudar a melhor entender o seu sentido. Não é também um livro de receitas sociais, econômicas, políticas, pastorais e nem um conjunto de doutrinas. Ela é a história de um Povo. É a história de um Projeto de Deus que, apesar de muita luta, sofrimento, ameaça, dúvida, fraqueza, recuo, divisão, não chegou a se realizar totalmente. Mas deixou a certeza de que o Projeto é possível. E só conseguiremos compreender esse Projeto, se tivermos presente não só a situação do Povo, quando Deus o chamou para realizar o seu Projeto, mas também a situação em que vive nosso povo hoje.

FERMENTO TRANCADO NA LATA, SAL TRANCADO NO POTE - Interpretar a Bíblia sem olhar a realidade da vida do povo de ontem e de hoje é o mesmo que manter o sal fora da comida, a semente fora da terra, a luz debaixo da mesa. Por que a realidade da vida é tão importante, para a gente poder entender a Bíblia? É porque a Bíblia não é o primeiro livro que Deus escreveu para nós, nem o mais importante. O primeiro livro é a natureza, o mundo criado pela Palavra de Deus; são os fatos, os acontecimentos, a história, tudo o que existe e acontece na vida do povo; é a realidade que nos envolve; é a vida que vivemos. Deus quer comunicar-se conosco através do “livro da vida”. Por meio dela, Ele nos transmite sua mensagem de amor e justiça. Mas nós, homens e mulheres, por causa dos nossos pecados, organizamos o mundo de tal maneira e criamos uma sociedade tão torta, que já não é mais possível perceber claramente o apelo de Deus, que existe dentro da vida que vivemos. Por isso, Deus escreveu um segundo livro, que é a Bíblia.

A VIDA É MAIS IMPORTANTE DO QUE A BÍBLIA – Ora, esse segundo livro não veio substituir o primeiro. A Bíblia não veio ocupar o lugar da vida. É o contrário! A Bíblia foi escrita para nos ajudar a entender melhor o sentido da vida que vivemos e a perceber mais claramente a presença da Palavra de Deus, dentro de nossa realidade. Santo Agostinho resumiu tudo isso da seguinte maneira: A Bíblia, o segundo livro de Deus, foi escrita para nos ajudar a “decifrar o mundo, para nos devolver o olhar da fé e da contemplação” e para “transformar toda a realidade numa grande revelação de Deus”. Por isso, quem lê e estuda a Bíblia, mas não olha a realidade do povo de ontem e de hoje, é infiel à Palavra de Deus e não imita Jesus Cristo. Para que nossa leitura e nosso estudo da Bíblia possam trazer o resultado que dele esperamos, é necessário ter presente a situação em que vive nosso povo de hoje e é necessário ver de perto qual era a situação em que vivia o povo da Bíblia, quando Deus o chamou para realizar o seu “Projeto”.

ALIMENTANDO-NOS DAS DEFICIÊNCIAS DE IPUARANA? Caro Duarte, pela dica aí de cima, dá para identificar se chovo no molhado. Se, no caso, for seca em sua horta, me avise, que continuarei “fazendo chover”. Nunca me canso de sentir a importância fundamental das presentes informações, sobre o Projeto de Deus. Elas sempre me alimentam e talvez façam falta a mais de um colega que, em mundo secularizado, competitivo e personalista, ainda guarda idéias ultrapassadas e mais ou menos inúteis sobre o Livro mais revolucionário que já foi escrito. Seu Autor é o verdadeiro Renovador da face da terra. Em nosso tempo de Ipuarana, no entanto, não se havia ainda chegado a tal surpreendente clareza. Sem culpa de ninguém, pensava-se ainda diferente, o mundo ainda não havia mudado. Avise se é útil a continuidade das presentes informações, que repasso aos colegas com o maior prazer!

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

"ASCENDA DE VEZ E PARE DE PERTURBAR!"

CHEGOU DE MANSINHO SEM CHAMAR ATENÇÃO – No célebre romance do escritor russo Dostoievski OS IRMÃOS KARAMAZOV, aparece um dos episódios literários mais badalados da literatura universal: o retorno de Cristo à terra e seu encontro com o Grande Inquisidor. Aconteceu em Sevilha, capital da Inquisição espanhola, entre o século XV e XVI. Jesus então apareceu novamente no mundo! Mas, dessa vez, não houve estrelas anunciando nem coros angélicos, tecendo loas a Deus nas alturas. Não sucederam fenômenos meteorológicos para anunciar sua vinda. Ao contrário, ele chegou de mansinho e quase sem ser percebido. No entanto, as pessoas piedosas o reconheceram e sentiram irresistível atração por ele. Cercaram-no de carinho, amontoaram-se ao seu redor, a multidão o seguiu. Jesus andou discreta e modestamente entre eles, sempre com o sorriso de inefável misericórdia. Estendia-lhes as mãos para abençoar. Em meio à multidão excitada, um velho, cego desde a infância, recuperou milagrosamente a visão.

RESSUSCITOU SORRINDO ARREGALADA DE ESPANTO – A multidão chorou emocionada e beijou o chão aos seus pés. As crianças jogavam flores à sua frente e cantavam hosanas. Nos degraus da Catedral, um triste cortejo conduzia, aos prantos, um caixãozinho aberto. Em seu interior, quase escondida pelas flores, jazia uma criança de sete anos, filha única de um cidadão importante. Exortada pela multidão, a mãe chorosa voltou-se para o Recém-chegado e suplicou-lhe que trouxesse de volta a vida da menina morta. O cortejo fúnebre parou e o caixão foi depositado aos seus pés, nos degraus da Catedral. Ele olhou compassivo o pequeno cadáver e, com voz mansa, ordenou: - “Menina, levante-se!” A menina logo sentou-se no caixão, os olhos arregalados de espanto, ainda a segurar o buquê de rosas brancas, que fora colocado em suas mãos.

FORAM SE MANDANDO A COMEÇAR PELOS MAIS VELHOS – Mais adiante, com o povo reunido ao seu redor, escribas e fariseus trouxeram uma mulher apanhada em adultério. Colocando-a no meio da roda, disseram ao Recém-chegado: “Mestre, esta mulher foi flagrada cometendo adultério. Moisés, na Lei, nos mandou apedrejar tais mulheres. O que dizes a isso?” Eles perguntavam isso para experimentar e ter motivo para acusá-lo. O Recém-chegado, inclinando-se começou a escrever no chão, com o dedo. Como insistissem em perguntar, ele ergueu-se e falou: - “Quem dentre vós não tiver pecado atire a primeira pedra” Inclinando-se de novo, continuou a escrever no chão. Ouvindo isso, foram saindo um por um, a começar pelos mais velhos. Jesus ficou sozinho com a mulher que estava no meio, em pé. Ele levantou-se e perguntou: - “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: - “Ninguém, Senhor!” Jesus então lhe disse: - “Eu também não te condeno! Vai em paz e não peques mais!”

“SE HOUVE CRIME ELE TEM QUE SER APURADO” – O Grande Inquisidor observou meticulosamente, de longe, o que estava acontecendo. Indignou-se contra o alvoroço extemporâneo, que o Recém-chegado provocava, em meio ao povo simples e ordeiro. Estava meridianamente convencido de que milagres fora de hora, realizados à margem da instituição, só servem para despertar agitação e consequentemente transgressões presunçosas da indispensável submissão às sagradas tradições. Repeliu encolerizado o direito que o Recém-chegado se atribuíu de passar por cima da Lei, eximindo a mulher adúltera da merecida execução, prevista no Código. Que a criminosa pague seu pecado, conforme a Lei de Deus e a Lei dos homens. Não se pode passar por cima da Lei! Em mundo que precisa ser governado com mão de ferro, não tem sentido deixar-se levar por compaixões subjetivas. Elas até que são comoventes mas, se houve um crime, esse tem de ser apurado! Em que sinagoga de terceira aquele caipira deve ter estudado as Escrituras? Sendo de Nazaré, já se sabe que não pode ter sido coisa muito boa!

ESCONDIDOS EM CANTO ESCURO DA PRAÇA – Vendo que o Recém-chegado era realmente elemento perigoso, o Grande Inquisidor convocou seus guarda-costas, para marcar o homem mais de perto. Seguiram à distância a multidão, que se comprimia ao redor do desconhecido. Mantiveram-se ocultos, em canto sombreado da praça, enquanto o Recém-chegado abria o verbo, nos degraus da Catedral: - “Os escribas e fariseus assumiram a cátedra de Moisés. Fazei e observai tudo o que eles disserem, porém não imiteis suas ações, pois eles falam mas não fazem. Amarram fardos pesados nos ombros dos outros, mas eles mesmos não querem movê-los nem sequer com um dedo... Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas! Fechais aos outros o Reino dos céus, mas vós mesmos não entrais nem deixais entrar aqueles que desejam! Percorreis o mar e a terra para converter alguém e, quando o conseguis, o tornais merecedor do inferno, duas vezes mais do que vós”.

TAL ELEMENTO NÃO PODE FICAR SOLTO – A indignação crescente fazia o Grande Inquisidor e seus guarda-costas apurarem os ouvidos. O Recém-chegado, nos degraus da igreja, continuava impávido seu discurso: - “Ai de vós, guias de cegos! Dizeis: “Se alguém jura pelo Santuário, não vale; mas, se jura pelo dinheiro do Santuário, então o juramento vale. Pagais o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho e deixais de lado o mandamento mais importante da Lei, que é a misericórdia. Filtrais o mosquito, mas engolis o camelo. Sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos e de podridão. Por fora pareceis justos diante dos outros; mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e injustiça!” A essa altura do sermão, o Grande Inquisidor e seu grupo de guarda-costas retirou-se, a fim de confabular a prisão imediata do agitador. Não pode ficar solto um indivíduo de tanta periculosidade!

RESSUSCITANDO MORTOS SEM LICENÇA DO BISPO – A cura do cego, a ressurreição da menina, a agitação popular, a transgressão arrogante da Lei de Moisés, perdoando a mulher adúltera, dispensando-a do castigo prescrito, tudo foi testemunhado e ciosamente acompanhado pelo Grande Inquisidor, quando ele patrulhava a cidade com seus séqüito de guarda-costas. Na ficção de Dostoievski, o cardeal de Sevilha era um velho de quase noventa anos, alto, empertigado e impenitente, a cara enrugada, mas os olhos profundos, cheios de brilho sinistro. Tal era o pavor que o Grande Inquisidor inspirava que a multidão, apesar das circunstâncias extraordinárias, caiu em amedrontado silêncio, a fim de dar-lhe passagem. Ninguém também ousou interferir quando, por ordem do velho prelado, o Recém-chegado foi sumariamente preso pelos guarda-costas e levado para o cárcere. O verdadeiro significado da parábola está no que vem depois. O leitor espera, claro! que o Grande Inquisidor fique devidamente horrorizado, ao saber a verdadeira identidade do Prisioneiro. Mas não é o que acontece!

SEU CRIME FOI REVELAR-SE FILHO DE DEUS – Quando o Grande Inquisidor visita Jesus na cela, está claro que sabe muitíssimo bem quem é o Prisioneiro. Mas esse conhecimento não o detém. Pelo contrário, a identidade do Prisioneiro é o próprio motivo da prisão, pois é preciso manter a Lei e a Ordem na Cristandade. Na presente crônica, navego mais em minha fantasia do que nos trilhos de Dostoievski. O Grande Inquisidor, com base em seu mandato, exige satisfação da conduta de Jesus. Ninguém pode transgredir a Lei impunemente. Pergunta ao Prisioneiro, com que autoridade ele aparece outra vez por aqui fazendo milagres, desautorizando a Justiça e inquietando o povo? De que maneira se comportará o povo, sem as rédeas curtas da autoridade? O que inibirá a lubricidade das mulheres, senão o medo do castigo? Não é a misericórdia mas a justiça, que faz o mundo funcionar. Se, na administração de justiça, o juiz se deixa levar por compaixão, como assegurar a permanência de um dos fundamentos da sociedade, que é a proporcionalidade inarredável entre transgressão e pena? Apuração implacável, minuciosa e necessário castigo fazem a sociedade caminhar. Naquela famigerada Sexta Feira, o Paraíso certamente não ficou mais bonito, com a presença do reles marginal absolvido!

“SUMA DE VEZ E NÃO APAREÇA MAIS !” – O Grande Inquisidor foi em frente, na récita do libelo acusatório. Passou, na cara do Prisioneiro, que era arrogância inadmissível, desfrute gratuito da onisciência, escrever no chão pecados ocultos de cidadãos acima de qualquer suspeita! Hoje todos eles estão de acordo que tamanha ameaça não pode continuar solta nas ruas. Com base nas acusações e como justa punição às palavras injuriosas, pronunciadas em público contra autoridades e cidadãos de bem, o Grande Inquisidor condena o Recém-chegado à fogueira. Jesus reage apenas, dando um beijo de perdão, na face enrugada do velho. O beijo ardeu-lhe na alma! Arrepiando-se todo com um sinal de afeto que nunca recebera em vida, o velho abre a porta da cela e ordena: - “Vai-te embora daqui e não voltes nunca, nunca mais!” Libertado na escuridão da noite, o Prisioneiro desaparece para sempre, para jamais tornar a ser visto. O Grande Inquisidor, plenamente consciente do que acabara de acontecer, aferrou-se ainda mais à sua impenitência, reassumindo impávido a rotina implacável, na distribuição de condenações. Os noventa anos de vida enquadrada não foram suficientes para fazê-lo descobrir que o especificamente cristão não é o bom comportamento formal, pagãos igualmente se comportam bem. O que distingue o cristão é a misericórdia!

Com amizade - Luís

domingo, 2 de dezembro de 2007

PERSONAGENS DO NATAL : O REI HERODES

LAPINHAS DE NOSSA INFÂNCIA – Dezembro de novo, mês das saudades maiores do paraíso perdido, que não sabemos mais onde fica. Natal de novo, comemoração ruidosa e excessiva da discrição, do silêncio e da pobreza incontornáveis, que cercaram o Nascimento de Jesus. Nos descampados de Belém, pastores já não escutam acordes celestiais. Os anjos anunciadores se transferiram para a televisão e foram contratados. Ao contrário dos arautos primitivos, os anjos se travestiram de Papais Noéis mercenários e convidam a olhar shoppings, em vez de lapinhas.. Galhos amputados do tronco, distantes das raízes, embarcamos sofregamente numa espécie de vingança difusa, contra a pobreza do Primeiro Natal e seu séqüito de Sagradas Famílias, Manjedouras e Reis Magos. É sabido que disfunções psíquicas provocam fome doentia. Disfunções espirituais, geradas por frustrações, podem estar na base da avidez natalina, movida pela compulsão de afogarmos sadios sentimentos de culpa em lautos jantares. Bota-se então, de portas afora, a incômoda presença!

PERSONAGENS COMPARECIDOS AO PRIMEIRO NATAL – De um deles todos conhecemos o nome: o Rei Herodes. Quem foi este homem e por quais portas transversas entrou na História da Salvação? Nos Evangelhos, o nome de Herodes. O Grande, está intimamente relacionado com o Templo e sua reconstrução. O Templo foi a realização máxima desta que é uma das mais discutidas figuras do mundo antigo. O Herodes da infância de Jesus alçou Israel a um nível de esplendor, que este jamais vira antes, e que não tem visto desde então. Sua munificência estendeu-se a cidades estrangeiras, como Beirute, Damasco, Antioquia e Rodes. Experiente em combate, hábil caçador, atleta entusiástico, Herodes patrocinou e presidiu Jogos Olímpicos. Usou sua influência para proteger as comunidades judaicas na Diáspora e foi generoso com os necessitados do Mediterrâneo oriental. No entanto, não conseguiu estabelecer uma dinastia estável porque, à medida em que envelhecia, foi sendo dominado por uma paranóia, que transformou o déspota benévolo em tirano perverso.

COBRA ENGOLINDO COBRA – Quase não restam dúvidas de que Herodes estava cercado por conspiração e intriga. Seu pai e seu irmão tinham tido morte violenta. Ele próprio possuía inimigos, não só entre os fariseus, facção que se ressentia do governo de um estrangeiro submisso a um imperador pagão em Roma, mas também entre os partidários de membros da dinastia asmonéia. Esta reivindicava, com direito, a coroa da Judéia. “Asmoneu” era a designação dinástica para os descendentes do general e herói judaico Judas Macabeu. O povo achava que alguém dessa dinastia nacional devia governar, e não um árabe pagão como Herodes. Os asmoneus governaram por l34 anos, até o ano 37 antes de Cristo, quando então Jerusalém foi conquistada pelo Herodes Magno da presente crônica. Como se vê, a briga, naqueles cantos do mundo, é antiga e rege-se ainda pelas mesmas coordenadas. Para aplacar os simpatizantes da dinastia asmonéia, Herodes divorciou-se de sua esposa Dóris, com quem se casara na juventude, e desposou Mariamna, neta do sumo-sacerdote Hircano, descendente de Judas Macabeu.

MANDOU AFOGAR O SUMO-SACERDOTE – Hircano tinha sido aprisionado pelos partos, quando estes invadiram a Palestina, mas fora libertado devido à intercessão dos judeus que viviam além do Eufrates. Encorajado pelo casamento de sua neta com Herodes, Hircano regressou a Jerusalém, onde Herodes imediatamente o executou. Não, conforme afirma Flávio Josefo, por ter reivindicado o trono, “mas porque o trono realmente era seu”. Outro adversário potencial era Jônatas, irmão de sua mulher Mariamna o qual, aos 17 anos, foi feito sumo-sacerdote por Herodes. Mas, quando o rapaz vestiu os trajes sagrados e se aproximou do altar durante uma festa, todos os presentes choraram de emoção. Por isso, Herodes mandou sua guarda pessoal gaulesa matá-lo afogado.

MANDOU ESTRANGULAR OS PRÓPRIOS FILHOS – O que, no âmbito político, talvez tenha sido maquiavelicamente oportuno, no âmbito familiar foi um desastre. Herodes apaixonara-se intensamente por Mariamna. Esta, após o que acontecera com seu irmão e seu avô, odiava-o com a mesma intensidade. Além de ressentimento e ódio, havia o desdém de uma princesa real judia por um novo-rico árabe. Isso não só atormentava Herodes, mas também deixava sua família furiosa, sobretudo sua irmã Salomé. Esta persuadiu o irmão de que Mariamna havia cometido adultério com José, seu marido. Herodes ordenou a imediata execução de ambos. Em seguida, a paranóia voltou-se contra seus dois filhos com Mariamna. Convencido de que estavam conspirando contra ele, mandou estrangulá-los em Sebaste, no ano 7 antes de Cristo.

“ONDE ESTÁ O REI QUE NASCEU?”
– Depois que Jesus nasceu na cidade de Belém da Judéia, na época de Herodes, alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Ao saber disso, o rei Herodes ficou alarmado, assim como toda a cidade de Jerusalém. Ele reuniu todos os sumos sacerdotes e os escribas do povo, para perguntar-lhes onde o Messias, o Cristo, deveria nascer. Eles responderam: “Em Belém da Judéia, pois assim escreveu o profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá; porque de ti sairá um príncipe que será o pastor do meu povo de Israel”.

A ETRELA OS ENCHEU DE ALEGRIA – Então Herodes chamou, em segredo, os Magos e procurou saber deles a data exata em que a estrela tinha aparecido. Depois enviou-os a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o Menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que eu também vá adora-lo”. Depois que ouviram o rei, os Magos partiram. E a estrela que tinham visto no Oriente, ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. Ao reverem a estrela. os Magos se encheram da mais profunda alegria. Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para sua terra, passando por outro caminho.

MANDOU MATAR TODAS AS CRIANÇAS – Depois que os Magos se retiraram, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: “Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo”. José levantou-se, de noite, com o Menino e sua Mãe, e retirou-se para o Egito e lá ficou até a morte de Herodes... Quando Herodes percebeu que os Magos o tinham enganado, mandou matar todos os meninos de Belém e território vizinho, de dois anos para baixo, de acordo com o tempo indicado pelos magos. Assim se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias: “Ouviu-se um clamor em Ramá. muito choro e grande lamento. É Raquel que chora seus filhos e não quer ser consolada, porque eles não existem mais”. (O relato encontra-se nos capítulos 1 e 2 do Evangelho de São Mateus).

DOUTORES DA LEI QUEIMADOS VIVOS – Não foram apenas tragédias familiares que transformaram Herodes em tirano desalmado. Também a impossível tarefa de reconciliar o Povo eleito de Deus com um governo pagão. Por ocasião do censo do ano 7 antes de Cristo, por causa do qual José e Maria tiveram que recensear-se em Belém e lá nasceu o Menino Jesus, seis mil fariseus haviam se recusado a prestar juramento de lealdade a Otaviano, agora imperador Augusto, e foram sumariamente trucidados. Pouco antes da morte de Herodes, cerca de quarenta seguidores de dois conceituados rabinos de Jerusalém, bastante conhecidos como expoentes da tradição judaica, haviam descido em cordas, do teto do Templo, para remover um ídolo pagão, a Águia Dourada, que Herodes colocara acima do Grande Portão. Por causa disso, os dois rabinos foram presos e, por ordem de Herodes, queimados vivos.

SALDO FINAL DE VIDA PERVERSA – Pouco antes de sua morte, enquanto Herodes ainda agonizava no leito, com “uma comichão insuportável por todo o corpo, dores constantes na porção inferior do intestino, edema nos pés como na hidropisia, inflamação do abdome e gangrena nos órgãos genitais, dos quais brotavam vermes” (apud Flávio Josefo), disseram-lhe que Antipas, seu filho mais velho e herdeiro, tinha planejado envenená-lo. Antipas foi executado pela guarda pessoal do pai. Cinco dias mais tarde, o próprio Herodes estava morto. Fazendo dupla com Pilatos, os dois têm seus nomes lembrados diariamente milhões de vezes e entraram, na História da Salvação, pelas portas da eterna desonra. Herodes está relacionado com o Natal e, no Natal, com o extermínio das crianças de Belém. Entra na história exatamente quando o clima é de fraternidade e paz, das quais ele foi um grande inimigo. Seu fim impenitente e sua morte repulsiva demonstram como estão cobertos de razão os que lutam pela fraternidade e pela paz.

Com amizade – Luís

Formatação: Tânia

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

LÁ EMBAIXO A IGREJA ERAM ELES

PORQUINHOS DE MINHA INFÂNCIA – Quando menino em Santana, ainda não eram cercadas as terras na beira do rio, no lado de cá da ponte. Hoje, arame farpado ao redor delas impede a cidade de expandir-se para o nascente. O que era várzea aberta, povoada de canafisteiras, onde se aninhavam canários, rolinhas e cabeças-de-fita, hoje é só canarana, para engorda do gado. A meninada devassava com gosto aquele chão, para armar alçapões e tomar banho no rio, sob imponente marizeira, que não sei se ainda existe, se foi perversamente cortada, se foi lamentavelmente arrastada rio abaixo, na grande enchente. A frondosa árvore alçava-se ao céu, bem no canto de enorme chiqueiro de porcos. Eram bem uns quarenta porcos! Mais da metade do chiqueiro era tomada por lama, que chegava às costelas dos suínos e aos joelhos dos tratadores. Achava-se então que porco gosta de lama, precisa de lama. Então haja lama para eles: carregava-se água do rio em velhas latas de querosene jacaré, para deixar no ponto, bem pastoso e abundante, o lamaçal da pocilga.

PORCÕES RAPINANDO PORQUINHOS – Hoje sabe-se que porcos, como todos os seres vivos, gostam de água, a fim de refrescar-se do calor. Quanto mais limpa melhor! Por aí afora, em viagens a serviço do ministério presbiteral, observei como os animais, também os porcos, se criam limpinhos. Nunca vêem lama! Vivem forrados por grossa camada de serragem, periodicamente substituída. São criados limpos e sem verminose, sadios e felizes. Mas, quando meninote, eu gostava de apreciar a criação, perto da marizeira, na barranca do Rio Acaraú. Minha curiosidade juvenil coincidia, às vezes, com a chegada do tratador, trazendo comida. Os sacos de milho despertavam animado fuzuê entre os inquilinos. Na hora de avançar, os porções alijavam os porquinhos para fora do cocho e muitos destes caíam na lama .Eu achava divertido o jiu-jitsu suíno dos porcos maiores, rapinando a refeição dos porcos menores. Os mais fortes levavam vantagem e os mais fracos herdavam a lama, para consolo e compensação. Naturalmente os maiores eram mais gordos do que os menores.

CAPTURA DE PORCOS SELVAGENS – Talvez servindo café dormido, volto ao safári, descrito com graça e estilo, semanas atrás, pelo nosso Malheiros. Espalha-se milho no chão, os javalis chegam, habituam-se com o milho fácil, perdem o costume de lutar pela comida, armam-se cercas ao redor do milho, os javalis se acostumam com as cercas, pois sentem mais urgência de comer que de fugir. No dia certo, tranca-se a porteira e os javalis perdem a liberdade: são transformados em porcos de chiqueiro. A estória, contada no REPASSANDO, despertou reações iradas. Foi entendida como parábola malévola para a situação do povo brasileiro, seduzido com migalhas por seus capatazes. Guardo, na lembrança, a imagem sensata do nosso Malheiros. Estou convencido de que ele continua incapaz de, pelo prazer da tirada, sair do seu habitual fair-play. Também não vejo proporção entre o aparente susto com as reações indignadas e o propósito desmotivado de afastar-se do REPASSANDO. Prezado Malheiros, leio sempre, com muito gosto, o que você nos escreve. Só insisto que você podia contar mais sobre sua vida aventurosa, andarilha e cosmopolita. Para inveja minha!

MILHO DOS PORCOS E PROGRAMAS SOCIAIS – A parábola suína me dá coceiras no teclado, para tecerem-se ilações venenosas, contra os programas sociais do Governo. Sobretudo contra o Bolsa Família. Em nossas necessidades básicas permanentemente apaziguadas por comida boa e suficiente, em nossos neurônios diuturnamente reciclados e capacitados a funcionar a contento, a tentação é grande. E nela caímos até no meio da noite, quando nos levantamos para matar a sede da ressaca anterior. Confundimos a lâmpada da geladeira com refletores da televisão e desandamos a discursar diatribes contra a calamidade do assistencialismo: - “Nada mais de peixes de graça, arranja o anzol e aprende a pescar!” Nossa “elite branca”, impenitente e contumaz, deblatera deliciada contra “programas paternalistas, que não passam de esmolas ineficazes, continência demagógica com chapéus alheios, milho espalhado na mata, que leva o povo a contentar-se com migalhas, a não querer mais trabalhar, a vender a primogenitura pelo prato de lentilhas!” – Discurso digestivo de quem está bem alimentado. Barriga cheia é mesmo mãe de muitas filosofias, sobretudo da filosofia sobre a fome alheia.

FORMIDÁVEL SELVA DE PEDRAS – Décadas expatriado na Baixada Fluminense, observei o crescimento vertiginoso de Fortaleza, retornando da Praia do Futuro pela Avenida Santos Dumont. No alto da colina, descortinei subitamente a densa floresta de espigões. Nenhum deles existia há trinta anos. Quem compra tanto apartamento? Existe mercado para a pletora de ofertas? Claro que existe, pois a oferta é indissoluvelmente casada com a procura. Mas, chegado da Baixada, eu não estava interessado em leis de mercado. Agente social e pastoral engajado nos imensos bairros proletários na periferia do Rio, lembrei-me do “meu povão”, os operários que constroem os prédios e deles afastam-se, depois de prontos. Multidão incontável dos peões de obra, suando a camisa, carregando tijolos, transportando massa, fazendo paredes subirem, deixando edifícios nascerem. Irracionais inconseqüentes e desfrutáveis certamente não são eles, que fazem o trabalho pesado e ganham migalhas. Caroços de milho espalhados no chão não são isca atraente e graciosa, mas salário perverso da injustiça. Testemunham mais contra os caçadores do que contra os javalis.

ALÉM DA QUEDA O COICE – É notório o desprezo arrogante do opressor pelo oprimido. Igual à aversão pela prostituta, da parte de quem a usa. A libertação dos escravos, no Brasil, foi perpetrada a prestações. Para que a “elite branca” se acostumasse homeopaticamente com o fato inaudito de os negros não serem mais escravos. Persistiremos, muitas décadas ainda, envenenados com os resquícios perversos das relações sociais escravocratas. Ainda demora a constatação do óbvio: quem realmente “construiu os prédios”. Chibata na mão, na língua ou no Código arrenda a presunção de sermos produtores das riquezas. Os “negros” são carregadores de massa e de tijolos, trabalho que, com o tempo, as máquinas realizarão. Cidadão afetivo da Baixada Fluminense, morador por décadas nos subúrbios proletários dos que edificaram o Rio, nunca vacilei na certeza de que vida humana, também a dos pobres, é mais importante do que coberturas milionárias que eles construíram. Fecho a reflexão com poesia do cancioneiro popular, que muito me agrada. Certamente cada um de nós já ouviu isso mais de uma vez:

Tá vendo aquele edifício, moço, ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução, duas pra ir duas pra voltar. Hoje depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto. Mas me vem um cidadão e me diz desconfiado: - “Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar?” Meu domingo tá perdido, vou pra casa entristecido, dá vontade de beber. E pra aumentar meu tédio, eu nem posso olhar pro prédio, que eu ajudei a fazer.

Tá vendo aquele colégio, moço, eu também trabalhei lá. Lá eu quase me arrebento, fiz a massa pus cimento, ajudei a rebocar. Minha filha inocente vem pra mim toda contente: - “Pai, vou me matricular!” Mas me diz um cidadão: - “Criança de pé no chão aqui não pode estudar!” Essa dor doeu mais forte:” Por que é que eu deixei o Norte”, eu me pus a me dizer. Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava tinha direito de comer.

Tá vendo aquela igreja, moço, onde o padre diz amém. Pus o sino e o badalo, enchi minha mão de calo, lá eu trabalhei também. Lá que valeu a pena, tem quermesse tem novena e o padre me deixa entrar. Foi lá que Cristo me disse: - “Rapaz, deixa de tolice, não se deixe amedrontar! Fui eu quem criou a terra, enchi o rio fiz a serra, não deixei nada faltar. Mas o homem criou asas e na maioria das casas, eu também não posso entrar. Fui eu quem criou a terra, enchi o rio fiz a serra, não deixei nada faltar. Hoje o homem criou asas e, na maioria das casas, eu também não posso entrar!”


A estrofe conclusiva muito me agrada. Não porque eventualmente alimente ingênuos triunfalismos eclesiásticos. Não porque nossa Igreja local sentisse demagogicamente peninha dos pobres. Não porque convivi três décadas com as comunidades eclesiais da classe operária. Não porque a Diocese local se organizasse como dom gratuito maternalista para o povão destituído. Pensando bem, acho que minha satisfação com a última estrofe vem da certeza de que, lá embaixo, a Igreja eram realmente eles!

Com amizade - Luís

sábado, 24 de novembro de 2007

"DESÇA DAÍ QUE PRECISO DEVORÁ-LO!"

A ROUPA NOVA DO REI – Dois espertalhões chegaram ao reino, onde novo monarca seria entronizado. Alegria barulhenta nas ruas, preparativos minuciosos no palácio. O novo rei queria roupa de gala para a coroação. A notícia espalhou-se e dois finórios se apresentaram no palácio como afamados costureiros, oferecendo-se para confeccionar o traje real. Aceita a oferta, o rei autorizou seu ministro das finanças a fornecer aos costureiros todo o apoio necessário. Dinheiro fácil e abundante. Sendo assim, os dois malandros passaram a aparecer constantemente no palácio, a fim de apresentar sempre novas exigências. Em vez de desconfiança, o mistério aumentava o contentamento e a curiosidade. Como vai ser o traje de gala? O rei vai gostar? O povo vai aplaudir?

ESPERTALHÕES EXPLORANDO INGÊNUOS – Não sendo trouxas como seus financiadores, os costureiros espalharam o seguinte boato: “O rei será coroado com uma capa mágica, que só será avistada pelas pessoas de bom coração. Quem for ruim, perverso, ladrão, corrupto, sonegador, desviador das verbas públicas, devorador da merenda escolar das crianças pobres, produtor de listas fictícias nas folhas de pagamento etc. não enxergará nada, apresentando assim a prova de sua falta de caráter. As mulheres adúlteras também não avistarão a capa encantada do rei. Enxergar a capa mágica será o atestado de idoneidade moral. O suspense crescia na proporção dos exames de consciência. Exames necessários, para planejar os disfarces e não perder a pose.

SUOR DO POVO TRANSFORMADO EM CAVIAR – Enquanto isso, os dois costureiros ladinos levavam a vida à tripa forra. Vinhos franceses com tira-gosto de caviar, pois dinheiro farto não parava de escorrer do palácio, na direção da “alfaiataria”. Dinheiro, diga-se de passagem, arrancado a fórceps pelos impostos escorchantes, reformas tributárias de araque e belas promessas de futuro melhor. Se dando bem em meio a tanto abestado, os “artistas da tesoura” não tocaram em pano e mal sabiam enfiar a linha na agulha. Mas a propaganda sobre a roupa nova do rei se espalhara em ondas e o povão, enganado e roubado como sempre, também embarcou, esquecendo que sua função era pagar as contas da festa.

FINALMENTE CHEGOU O GRANDE DIA – Mas, antes, veio o dia das provas e retoques. Os dois falsos costureiros, pisando firme no palácio no meio de uma corja de otários, pulavam de lá para cá, ao redor do real freguês. Puxavam daqui, fingiam dar pregas ali, tomavam distância, repuxavam de lá, acertavam de cá, sem esquecer as interjeições embevecidas de admiração e contentamento. No meio do espalhafato, o pascácio do rei, tão nu como veio ao mundo, avistava deslumbrado a roupa que não existia. Não podia deixar de ostentar idoneidade moral, a fim de tornar-se rei. Era preciso parecer o que não era, para o povo idiotizado coroá-lo como soberano, administrador apto para gerir o bem comum. Numa hora dessas, aparência é tudo. Que importância tem mentir, se mentir ajuda a chegar lá? Mas vamos ao dia da festa!

DESFILE TRIUNFAL DA COROAÇÃO – A passarela de glórias começava no palácio e ia até o palanque, armado na praça principal. A expectativa da massa humana era grande e todo mundo da cidade estava na festa. De repente, após os atrasos regulamentares, abrem-se os portões do palácio e, na procissão de batedores, ministros e puxa-sacos, surge a carruagem real, enfeitada como árvore natalina, com o jovem monarca desfilando de pé, com as pudendas balançando ao vento. A multidão urrou como gol no Maracanã, em domingo de Flamengo, ovacionando a obra de arte, na qual o rei estava envolvido. Ninguém queria passar por desclassificado moral. Traje chiquérrimo! Sobretudo os saduceus empedernidos, de cabelos esbranquiçados de cínica malandragem, teciam, aos brados, comentários elogiosos: - “Majestade, que obra de arte! Quem foram os gênios que a confeccionaram? Queremos que eles costurem roupas tão bonitas, para toda a nossa família! Nunca vimos capa tão linda e como ela sentou bem em Vossa Majestade!”

“MAMÃE, O REI ESTÁ NÚ!” – E a multidão trovejando atrás. Para não passar por infame, todo mundo aderiu às ovações à veste invisível, que deixara o rei com a genitália de fora. Mas era voz unânime, sobretudo dos mais velhos, pois o diabo vira diabo depois de velho, que o reino jamais tivera monarca tão bem vestido. Foi então que, em meio ao alarido, uma criança, nos braços da mãe, começou a gritar. A turba vociferante ao redor fez silêncio, prestando atenção aos brados do menino. Aos poucos, como pedra jogada em açude, o silêncio espalhou-se em ondas e o rugido dos vivas cedeu à cristalina voz infantil que, do colo da mãe, berrava admirado: - “MAMÃE, O REI ESTÁ NÚ!” A gritaria do menino foi tomando conta da praça e, daí a pouco, a turba jogou a máscara fora e passou a bradar também: - “O REI ESTÁ NÚ!” Vendo-se despido de suas aparências, o soberano doidivanas teve que fugir às pressas e desaparecer. Desmascarado em sua nudez pelo testemunho inocente da criança que ainda não sabe mentir, perdeu as condições de governar e precisou passar o poder a outras mãos, dando razão ao provérbio sobre esperteza e burrice: quando grandes demais, viram fera e comem o dono.

ASCENDEU NA CORDA DE PESCOÇOS ALHEIOS – A fábula dos alfaiates espertalhões voltou-me à lembrança no Natal passado, por causa do paroquiano anti-comunista anti-castrista, com filho gloriosamente se formando médico, na Ilha do Diabo, gerida pelo ferrabrás excomungado. Foram-se os tempos de desesperançada pobreza e passaram os dias de chinelos no curral. Devagarzinho profissionalizou-se em “tirar corda do pescoço de enforcado”, através de inventiva agiotagem. Uma joiazinha tradicional das famílias ali, o relógio de ouro de estimação deixado pelo avô amanhã, alianças preciosas do nosso casamento, pendurava tudo em usura desalmada. Os penhores eram avaros, o dinheiro ainda era escasso. Mas o cômputo geral era compensador. De grão em grão a galinha enche o papo. Sofrimento alheio, produzido pela dolorida alienação de patrimônios sagrados das famílias? Problema delas! Não fui eu quem fez o mundo e é nesse mundo que preciso me virar! Não misturo sentimento com livro-caixa!”

NO NATAL SE VESTIA DE PAPAI NOEL – Durante o ano, estava mais para Rei Herodes do que para São José. Assessor graduado em secretaria municipal, corriam estórias cabeludas sobre sangrias vampirescas, nas jugulares do orçamento. A veia mais visada era a verba da merenda escolar, pois criança não vota nem reclama. Em sua fazendola, os moradores passavam a pão que o diabo amassou e água do açude, cercado de arame farpado. – “Vai trabalhar como eu, vagabundo!” era o infalível bordão. na cara de mendigos que lhe pedissem esmolas. Sobre o dízimo paroquial, testemunho autorizado: “Não suei a camisa a vida toda, para dar meu dinheiro a padre!”. Mas, tempo de Natal, nosso Joel vestia-se de Papai Noel e faturava uns cobres. De graça, nem Papai Noel! A esse título, Joel entra na presente crônica. Fantasiado de Bom Velhinho, distribuía paz e amor à criançada, na frente do supermercado. Foi quando um menino já crescidinho, nos braços da mãe, começou a gritar: - MÃÊÊÊ, NÃO É O PAPAI NOEL, É O SEU JOEL DO AÇOUGUE!” Os pezinhos infantis eram insuficientes para percorrer a distância infinita entre o espírito natalino e a longinqua caverna feroz do Seu Joel;

URUBUS FANTASIADOS DE PAVÃO – Termina-se a recontagem da estória, com verdade moral antiga, que virou dogma de fé popular: - “Queres conhecer o vilão, mete-lhe vara ou dinheiro na mão!” Vara ou dinheiro na mão foram historicamente símbolo de poder. Feixe de varas, na cultura antiga, identificava os cônsules e pretores romanos. Dinheiro na mão de alguém funciona como Raio-X que revela, não ossos e tecidos, mas entranhas morais. Poder e dinheiro vestem urubus com penas de pavão. Por trás de aparências colloridas, delatam a nudez repulsiva do caráter. Direito e dever do cidadão é clamar que O REI ESTÁ NU, a inocência não mente. Se você não vai nessa, fica pagando a conta, inchando as mãos de tanto bater palmas.E os dois “costureiros” malandros? Escafederam-se, em busca de outros “reis” sem consciência, dispostos a torrar o dinheiro público em projetos vaidosos e corruptos. E os saduceus bajuladores? Reuniram-se para decidir o próximo saco poderoso a ser puxado. E nós? Convidados a descobrir que o grande inimigo do indivíduo é o Poder. Quem não lhe resiste é britado em pedacinhos. Tem muito crocodilo faminto convencendo macaquinho a descer da palmeira. Seu Joel do Açougue está aí e não me deixa mentir!

Com a amizade de sempre - Luís

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

OS MAUS ODORES AQUI DE BAIXO


CHEGOU A VEZ DELE TAMBÉM – Como todo mundo morre, chegou a vez do inefável Sr. Paul Tibbets. Demorou mas chegou! A mídia americana reportou: aos 92 anos de idade, de falência cardíaca, na cidade de Columbus (Ohio) onde morava, acaba de falecer o homem que despejou a bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Matou, na hora, mais de 140 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Dezenas de milhares de famílias iguais às nossas que, às oito e meia daquela manhã de 06 de agosto de 1945, viviam suas amadas rotinas da existência familiar: o café da manhã, a escola das crianças, o expediente profissional de cada dia. Em um segundo infernal, tudo foi desintegrado e virou cinza vulcânica. O monstruoso atentado aconteceu no fim da Segunda Guerra Mundial, de forma desnecessária, quando os Estados Unidos já ganhavam a guerra. Alegaram a necessidade do crime clamoroso para acabar com a teimosia japonesa. Mas historiadores sérios acham que a motivação maior foi a necessidade de testar o artefato que automaticamente delegava aos Estados Unidos a soberania guerreira no mundo.

ACEITOU A MISSÃO COMO PRIVILÉGIO – Aviador militar experimentado, Mr. Paul Tibbets foi escolhido a dedo para desempenhar a missão. Mas empreitada tão transcendental e carregada de responsabilidades precisava depender também da decisão pessoal. Paul Tibbets aceitou a “honraria”. No dia aprazado, subiu no cockpit do seu bombardeiro, com mais treze tripulantes auxiliares. Tomaram-se todas as providências, criaram-se todas as condições materiais, pois naquela “missão” nada podia dar errado. Lá se vão os 14 “heróis americanos” para os céus do Japão. O tempo estava bom e a luminosidade, como o diabo gosta. A missão tinha que ser executada em dia claro, pois era da maior importância observar o resultado lá de cima. Lá embaixo, a metrópole japonesa prosseguia a rotina agitada de todos os dias, cada ser humano com seu projeto pessoal, seus horários, seus pequenos ou maiores objetivos de vida. Eram as condições ideais previstas, para testar os resultados da primeira explosão nuclear na história humana, sobre região habitada. Sinal verde e Paul Tibbets aperta o detonador que, segundos depois, produziu a explosão apocalíptica.

AVIÃO BATIZADO COM O NOME DA MÃE – Exigência formal de Paul Tibbets foi escrever, com letras garrafais, o nome de sua mãe ENOLA GAY, no corpo da aeronave genocida. Em fração de segundos, ao simples acionar de um botão, mais de 140 mil pessoas foram desintegradas. Muitas dezenas de milhares de outras morreram depois, em conseqüência da irradiação nuclear; e outros tantos milhares foram reduzidos à vida vegetativa, pela invalidez permanente e por doenças incuráveis. Paul Tibbets declara, em seu relatório posterior ao lançamento: “A cidade que nós, minutos antes, víramos, lá embaixo, iluminada pelo sol da manhã, havia sido transformada em montão de destroços, cobertos por densa camada de fumaça e chamas”. Do seu papel de disparador da bomba atômica em cima de população inocente, destruindo a vida de tantas centenas de milhares de pessoas, Paul Tibbets nunca se arrependeu abertamente. Alegava, para se explicar, que, através do seu feito, muitas vidas americanas foram poupadas, pois tornou-se então desnecessária a invasão do Japão, pelas tropas nacionais.

“EU ESTAVA CUMPRINDO ORDENS!”
– Foi a desculpa que deram os criminosos nazistas, que também eliminaram centenas de milhares de vidas inocentes. Parece mesmo que o grande inimigo do individuo é a autoridade. Caminho de personalização e humanização passa invariavelmente pela libertação das opressões e obediências cegas. Voltando ao assunto, o militar Paul Tibbets acha que cumpriu tarefa patriótica: - “Não digo que estou orgulhoso de ter matado tanta gente. Mas não fui eu que comecei aquilo, não tomei parte no planejamento, fui designado para a missão, não podia desobedecer ao código militar. Agora só posso constatar que a coisa funciona da forma mais perfeita que os planejadores idealizaram”. Tais declarações, traduzidas de maneira mais ou menos livre, saíram no semanário alemão DER SPIEGEL. Pela bomba atômica ou por tantas outras causas, todos os personagens envolvidos daqueles tempos criminosos já se foram, nem o mais poderoso e bem armado escapou. Em população que adora armas e usar armas, Truman, o presidente americano de então, e Paul Tibbets podem até ser considerados heróis nacionais, em terrível equívoco. A certeza já acontecida de sua finitude coloca questionamentos bem mais sérios do que vitórias eventuais em batalhas militares.

ONZE DE SETEMBRO FOI CAFÉ PEQUENO – Nossas cabeças, inevitavelmente colonizadas pela mídia americana ou dependente, internalizaram, de tanto ouvir, que o 11 de Setembro foi o maior atentado terrorista da história humana. O leitor assuma assento neste júri e ajude a decidir. Comece pelo número de vítimas. Ao que se sabe, os atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono mataram ao redor de cinco mil pessoas. Isso em nada justifica, mas aquelas torres não eram edifícios de habitação. Muito menos o Pentágono, central guerreira dos Estados Unidos. O grande pecado dos terroristas islâmicos foi violar a “sacralidade” do território americano e eliminar “sagradas” vidas americanas, mais preciosas e asseguradas do que a montoeira de ratos e formigas orientais, lá embaixo. Nas declarações posteriores do Sr. Paul Tibbets, ficamos sabendo que tinha de ser escolhida, para o lançamento inaugural, uma cidade grande, situada em planície aberta, com intensa urbanização e densidade populacional. Era importante poder computar os efeitos devastadores. Tais foram as condições ideais, escolhidas para o grande crime, que inaugurou os tempos modernos. Você, do júri, decida qual foi o maior atentado terrorista da história da humanidade.

“RELIGIÃO ENVENENA TUDO” – A esse título ou com a intenção de demonstrar sua veracidade, “ateólogos” faturam rios de dinheiro sujo, com seus livros espetaculosos, e parece que impressionaram participantes do REPASSANDO. Os “finórios” “ateólogos”, em plena vitalidade existencial, no gozo de saúde, prestígio e muitos dólares, garantem que todos os males do mundo foram causados pela religião. Dão, como exemplo, o atentado às Torres novaiorquinas. Perpetrado, segundo os “grandes sábios”, por pessoas profundamente piedosas. Não só isso, mas exatamente por serem pessoas piedosas. Aterrorizaram porque eram profundamente religiosos. Passa pela sua garganta que bombardeio de inocentes é atitude tipicamente religiosa? Hitler foi o que foi, porque era católico. Isso entra na cabeça de alguém? Antigamente, a filosofia era considerada como serva dócil da teologia e, a esse título, foi usada e desfrutada. Mas, colocando atentados terroristas no rol dos atos religiosos, os “novos sábios” obrigam a filosofia a servi-los, na base da chibata, a fim de carregar seus pedregulhos e lixo intelectual. Já não era sem tempo de descobrirmos que Deus pouco tem a ver com nossas filosofias desfrutáveis e com a conclusão de nossos silogismos. Isso continua sendo discussão inútil de quem ficou lá embaixo, na planície e não atendeu aos convites de escalar a montanha e transferir-se ao oxigênio das alturas.

Com a amizade de sempre: Luís

terça-feira, 13 de novembro de 2007

ESTÓRIAS ANTIGAS DE REINOS E REIS

O TEMPO VOA IRREVOGÁVEL – Em painel de azulejo perto da sacristia, no vetusto convento franciscano de Salvador, dois agricultores empurram o arado, puxado por bois. Os homens parecem cansados e sem esperança, perante o horizonte que se abre infinito à sua frente. Como se dissessem: “Por mais que avancemos, nunca chegaremos lá”. O painel está encimado pelo dístico latino: “Volat irrevocabile tempus”: o tempo voa irrevogável. Na etimologia, irrevogável é o que não pode ser chamado de volta. Como, por exemplo, o Natal do ano passado. Parece que foi ontem e já é Natal de novo! Com tanta rapidez, que o comércio antecipa as vendas. E haja correria, em direção a horizontes que nunca chegam! A fim de amarrar o tempo escorregadio e irrefreável em referência consistente, a Igreja celebra Cristo Rei, na conclusão do ciclo que se foi, na abertura do novo ciclo que começa; Tudo passa, só Deus não passa!

QUEM ACREDITARIA NELE? – Tempos atrás, equipe alemã realizava escavações arqueológicas no Egito, em busca dos mundos antigos. Com esforço, suor e cuidado, arrancava do chão restos do passado, resquícios de faraós onipotentes. Tão poderosos que eram considerados filhos de Deus e o povo não podia fitar suas faces divinas. Certo dia, no calor das escavações, surgiram da terra pedaços de papiro amarelado, que despertaram imensa curiosidade. Após cuidadosamente examinados e decifrados, os sábios constataram que se tratava de fragmentos muito antigos do Evangelho de São João. Por coincidência, justamente as páginas que descrevem o processo de Jesus diante de Pilatos. O representante do Imperador romano pergunta a Jesus se ele era rei. Jesus responde que sim, que para isso viera ao mundo, a fim de implantar o reinado da Verdade. Foi quando o assunto parou de interessar a Pilatos. Discussões filosóficas sobre a verdade interessaram a Jesus menos ainda.

RELIGIÃO, INSTRUMENTO DOS CÉSARES – Para lembrar a brevidade passageira do tempo, a Comunidade cristã celebra Cristo Rei, encerrando o Ano Eclesiástico e abrindo as perspectivas dos novos tempos. Cristo asseverou que era rei, nas circunstâncias mais improváveis: preso, de mãos amarradas, torturado no corpo e na alma, coroado de espinhos e não de ouro. Proclamou-se único rei verdadeiro, perante o representante do real soberano deste mundo. O instrumento que Cristo deixou para anunciar seu reino foi a Igreja. A qual, com seus dolorosos equívocos históricos, tantas vezes retardou o nascer do Sol. Em nome desse Cristo, que jamais desejou exercer poder e dominação, os batizados, e até os que se têm na conta de “reborn in Christ”, cometeram e continuam cometendo as piores atrocidades, as mais cruéis opressões. Era o que normalmente sucedia, toda vez que a Fé identificava-se com o Império. Quando o anúncio evangélico era substituído pelo subjugo e a conversão era imposta, como sujeição das consciências.

AVALISTA DE INTERESSES ANTI-EVANGÉLICOS – Quando não convertida, a Gerente oficial do Evangelho funcionou, frequentemente, como instrumento do poder dos homens e não do poder de Deus. Caiu na tentação e confirmou a sociedade de interesse dos poderosos e não a convivência fraterna igualitária, querida por Deus. Para reflexão, na conclusão do presente Ano Eclesiástico, transcrevo trechos da Segunda Carta de Hernan Cortez, conquistador do México, enviado à recém-descoberta América pelos reis católicos da Espanha, a fim de anexar essa parte do mundo ao Império espanhol e ao universo da Fé verdadeira. O relato completo do conquistador não deixa dúvida: os batizados invadiram e saquearam, destruíram e assassinaram culturas e comunidades indígenas, que viviam, mais do que aqueles cristãos, profundos e numerosos valores naturais do Evangelho. Cristo Rei e sua Firma passam a ser usados anti-evangelicamente, como instrumentos e avalistas de interesses do ter e do poder. Vejamos, em trechos da carta de Hernan Cortez, o que os cristãos fizeram com os índios, em nome da propagação da Fé e do Império.

”COMO CRISTÃOS VALENTES ENFRENTAMOS OS INIMIGOS” – Continua o portador do Evangelho para as terras americanas, em sua Carta ao Rei da Espanha: - “Não havia entre nós quem não estivesse com muito temor, por estarmos tão dentro daquelas terras, entre tanta e tão má gente, e tão sem esperança de socorro de parte alguma. Ainda mais que tínhamos algumas pessoas querendo desistir da tarefa, só não o fazendo porque eu lhes disse que, como cristãos, éramos obrigados a lutar contra os inimigos de nossa Fé e já havíamos conseguido, no outro mundo, a maior glória e honra que, até nossos tempos, nenhuma geração havia ainda conquistado”.

“EM DUAS HORAS MATAMOS MAIS DE TRÊS MIL” – E segue em frente, em sua missiva, o representante dos Reis Católicos: - “Chamei alguns chefes da cidade, dizendo que queria falar-lhes, e tranquei-os em uma sala, com o aviso para que, quando ouvissem um tiro de escopeta, caíssem sobre a maior quantidade de índios possível. E assim foi feito! Em duas horas, matamos mais de três mil índios e prendemos na sala todos os chefes. Depois saímos pela cidade e deparamos com a enorme quantidade de gente de guerra que iria nos atacar. Mas, como eles estavam desprevenidos e sem seus comandantes, os desbaratamos na maior facilidade...”

“JESUS CRISTO E NOSSA SENHORA EM VEZ DOS ÍDOLOS” – Conclui a carta do genocida batizado: “Em lugar dos ídolos, mandei colocar imagens de Cristo, de Nossa Senhora e de outros Santos, apesar da resistência de Montezuma e outros nativos, por entenderem que as comunidades se levantariam contra mim. Eu os fiz entender quão enganados estavam em ter esperança naqueles ídolos e que deveriam saber que existe um só Deus, Senhor universal de todos, o qual havia criado o céu e a terra e todas as coisas e, sendo imortal, é a Ele que deviam adorar”.

APRESENTA-SE MAIS UM REI PODEROSO – Pulamos do século XVI na América colonial para o século II antes de Cristo, na Palestina. Naquele Antigo Testamento, deparamo-nos com um monarca poderoso, retratado no livro bíblico dos Macabeus. “Aconteceu que, naqueles dias, foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de chicote e nervos de boi, quis obrigar a desrespeitar a Lei de Deus. Um deles, tomando a palavra em nome de todos falou assim: - “Estamos prontos a morrer, antes que violar as Leis dos nossos pais!” O segundo jovem, já prestes a dar o último suspiro após muita tortura, falou assim: - “Tu, ó malvado, nos tiras a vida presente. Mas o Rei do Universo nos ressuscitará para a vida eterna, a nós que morremos por suas Leis!”

“PARA TI NÃO HAVERÁ RESSURREIÇÃO”
– O rei e seus esbirros passaram então a supliciar o terceiro rapaz, que falou cheio de confiança: - “Do céu recebi estes membros e por causa de suas leis eu os desprezo, pois do céu espero recebê-los de novo!” Acabada com a vida deste também, submeteram o quarto irmão às mesmas perversidades, desfigurando-o de tanto suplício. Estando quase a expirar, o jovem falou assim: - “Prefiro ser morto pelos homens, tendo em vista a esperança dada por Deus, que um dia nos ressuscitará. Para ti, porém, ó rei, não haverá ressurreição para a vida!” O rei e os que o acompanhavam ficaram impressionados com a coragem daqueles adolescentes, que consideravam o sofrimento como se nada fosse. E assim, os sete irmãos Macabeus, um por um, deixaram ao mundo e à história a imortalidade do seu testemunho;

MORTE CHEGA TAMBÉM PARA OS POLTRÕES – O nome daquele rei teria ficado ignoto na lixeira da história, não tivesse ele pegado carona, com sua perversidade, no heroísmo dos Macabeus. O nome do rei Antíoco Epífanes foi conservado, para sua própria vergonha. E a fragilidade absoluta dos papiros amarelados, desenterrados no Egito no começo do século passado, testemunha a inutilidade das múmias para projetos de imortalidade. Os heróis conquistadores do século das Descobertas são vistos hoje como grandes criminosos. Tudo passa, todos passaram. Volat irrevocabile tempus! A vida humana, dos santos e dos pecadores, é como capim, que nasce no telhado: seca aos primeiros calores do sol. Na voragem incontrolável da brevidade terrena, somos convidados a amarrar o barco em pontilhão que resista às marés.

QUEBRAMOS A LÂMPADA COM NOSSAS PEDRADAS – Todo novembro, a Igreja conclui o Ano Litúrgico, rememorando Cristo Rei, antes de ingressar em novo Advento. O Dono da Festa, diante de Pilatos, afirma ser rei, nas condições mais improváveis. Eis mais um Natal “ante portas”, trazendo ansiedade compulsiva de nos locupletarmos de tudo aquilo que faltou no berço do Homenageado. Como pobretões enricados, possivelmente ressentidos com a pobreza da infância, nos vingamos da pobreza de Cristo, enchendo-nos de badulaques supérfluos. Na inconstância da acumulação amarramos a canoa, com a segurança presunçosa ilusória, com que os faraós se amarraram às pirâmides “eternas”. Elas se revelaram menos duradouras do que o conteúdo dos papiros amarelados. A título de cujos conteúdos e cujas propostas, os batizados do século XVI saíram, mundo afora, matando os índios. Com a insensibilidade e esquizofrenia moral, com que nós, batizados de hoje, garantimos que a miséria e o sofrimento do próximo são fruto do destino e não obra coerente dos nossos pecados.

Com amizade de sempre. – Luis –

sábado, 10 de novembro de 2007

O OUTRO LADO DAS ESTÓRIAS

SOLIDARIEDADE AO PADRE JÚLIO LANCELOTTI – A esse título, o site ADITAL, da internet, publicou o outro lado da campanha que a mídia espetaculosa, ávida de escândalo e lama, vem movendo contra o Padre Júlio Lancelotti. Padre Júlio é conhecido por seu permanente compromisso com os mais pobres, sobretudo o povo das ruas, o lixo humano, produzido pela sociedade asseada e bem sucedida. “Exaudiatur et altera pars!” Em qualquer circunstância, os pecados do Padre Júlio serão menores do que os de seus inveterados apedrejadores . Menos graves certamente do que interesses corporativos escusos, travestidos em defesa da moral. Bom critério de avaliação é observar de que lado social se postou profeticamente o acusado e em que trincheira predatória militam os acusadores. Examinar de onde partem as acusações ajuda a sermos intelectualmente menos míopes, epistemologicamente mais objetivos e midiaticamente menos desfrutáveis. Formatamos a seguir, ao nosso jeito, a matéria do site ADITAL, do jornalista Claudemiro Godoy do Nascimento

VARRER OS POBRES PARA DEIXAR A CIDADE LIMPA – “Há algum tempo, a imprensa destila seu veneno contra o Padre Júlio Lancelotti. Não nos esqueçamos da bizarra matéria da Veja, escrita pela repórter Camila Antunes, intitulada O Pecado da Demagogia. Nesta grotesca reportagem da Veja, Padre Júlio Lancelotti é chamado de líder de uma organização política, criador de uma categoria sociológica “Povo da Rua” e promotor da idéia de que a situação do povo da rua se encontre em estado permanente. Na época, janeiro de 2006, escrevi um artigo, intitulado A Demagogia do Pecado, apontando as reais intenções da reportagem, a serviço da lógica excludente do então prefeito José Serra, que queria retirar todos os moradores de rua do Centro de São Paulo, para “higienizar” os ares e a estética da cidade. Higienizar, para que as elites pudessem ter sossego e não mais ser incomodada com os forasteiros, moradores de rua. Evidentemente que o Padre Júlio e as pastorais sociais da Igreja se colocaram contra tal propósito excludente, do então prefeito e atual governador José Serra.

PAGANDO O PREÇO DAS OPÇÕES RADICAIS – Hoje, estamos assistindo a uma verdadeira novela que ronda a pessoa humana do Padre Júlio, que sempre agiu segundo o espírito do Evangelho. Nós, que conhecemos há anos sua pessoa e seu trabalho junto aos excluídos, seja o povo de rua, sejam as crianças e adolescentes vítimas do abandono ou do vírus HIV, somos testemunhas de sua coragem e profecia. Não tenho dúvidas de que Padre Júlio “caminha nas estradas de Jesus”. Exatamente por romper com tudo aquilo que seja anti-Reino é que Padre Júlio vem sendo alvo de intensas reportagens ambíguas e maldosas.

CULPADO POR ESPETAR AS CONSCIÊNCIAS – Padre Júlio, ao denunciar a extorsão que vinha recebendo aos poucos, por meio das especulações dessa mídia elitista, vem passando da condição de vítima à condição de culpado. Culpado por amar tanto os pobres, os moradores de rua, as crianças. Culpado por ser pai de muitos e muitas. Culpado por seguir fielmente o Evangelho de Jesus. Sim, culpado por colocar-se a serviço daqueles e daquelas, considerados os últimos pelas classes dominantes, e os primeiros aos olhos de Deus. Essa é sua culpa!

PEQUENO BURGUÊS A SERVIÇO DE POBRES INTERESSE – Mas, para a imprensa a para muitos setores do poder dominante, a culpa é outra. Até mesmo de homossexual está sendo chamado. O próprio advogado do grupo que extorquia Padre Júlio demonstra uma imensa incapacidade - condição própria de um pequeno-burguês a serviço das elites – e que viu, nesta defesa, uma boa oportunidade para aparecer, para estar na mídia, anunciando falsas acusações contra uma pessoa humana que, independentemente de ser ou não o Padre Júlio, ninguém deveria passar.

ACUSAÇÕES ESPETACULOSAS EM VEZ DE AVERIGUAÇÃO – A mídia deita e rola com as reportagens, com as especulações, com as hipóteses que, em nada, apresentam o conceito científico da investigação. Preocupa-me a formação dessa imprensa. Não possuem nenhuma condição científica, para ali estarem cobrindo uma matéria que deveriam, antes de tudo, averiguar. Mas não, já lançam as hipóteses e especulações que acabam deteriorando os sentimentos e a subjetividade das pessoas. Culpar Padre Júlio de práticas homossexuais é realmente algo bizarro, nojento e bárbaro.

COMO CRISTO CULPADO NAS MÃOS DOS BANDIDOS – Por isso, acredito que a vítima – Padre Júlio Lancelotti – nas mãos da imprensa e do poder dominante se tornou, há muito tempo, culpado. Para a lógica dos defensores do capital e da burguesia, realmente ele é culpado como já disse acima. Mas, para Deus, ele sempre será um presente. Um homem hominizado pelo amor, pelo serviço, pelo testemunho e pela solidariedade, que se tornaram, ao longo desses anos, sua própria regra de vida, que podemos resumir na seguinte afirmação: doar-se sempre aos mais pobres e excluídos. Esse foi, é e será sempre o nosso companheiro da caminhada, Padre Júlio Lancelotti”.

UM DALAI LAMA NO CLERO NO BRASIL – Quem conhece o monge beneditino Dom Marcelo Barros, que leva vida monasterial contemplativa, é orientador freqüente nos retiros espirituais de boa parte do clero brasileiro, homem de intensa e conhecida austeridade e união com Deus, sabe o valor do seu testemunho sobre o Padre Júlio Lancelotti. O depoimento de Dom Marcelo Barros vai aqui, como apêndice da matéria do jornalista, para nos ajudar, no REPESSANDO, a não embarcarmos em ondas podres e não sermos associados, pela mídia mercantilista, aos atiradores de lama. Coteje o projeto de vida de cristãos como Dom Marcelo e Padre Júlio, com o que sorrateiramente oculta-se por baixo de acusações maldosas. Reflita, evangelicamente, mais uma vez e decida quem tem autoridade moral para atirar a primeira pedra! Com a palavra, o teólogo e místico] beneditino Dom Marcelo Barros,um dos gurus do presbitério brasileiro.

“NO MUNDO SEMPRE TEREIS AFLIÇÕES” Júlio, meu irmão, escute Jesus dizendo a você também: “Filhinhos, no mundo sempre tereis aflições. Tende coragem. Eu venci o mundo” (Jo 16,33) Que a paz de Deus, em meio a todas as tribulações da vida, esteja em você, como estrela em um céu transparente. Se pudesse, lhe faria, nestes dias, uma visita de comunhão e amizade, para celebrar com você, na Ceia de Jesus, este momento difícil e doloroso, pelo qual você e todos os que o estimam estão passando. Sei que você sofre isso, como conseqüência de sua consagração aos pequeninos de Deus.

COMPANHEIRO NA AFLIÇÃO E NO TESTEMUNHO – Outra vez, consegui estar com você em São Paulo. Desta vez, voltei, há dois dias, do interior da Itália e caí na coordenação de um exercício espiritual para missionários de vários países do mundo, que estão aqui no mosteiro para serem ajudados em um retiro. Entretanto, meu coração está aí junto de você, para confirmá-lo “como nosso irmão e companheiro, nas aflições e no testemunho de Jesus” (Apoc 1,9). Um profeta como você não pode mesmo ter outro destino. É este e não apenas o do sofrimento “limpo” e belo, que todos admiramos e com o qual todos nos solidarizamos, mas também estes problemas, nos quais somos expostos, como dizia Paulo aos Coríntios, como espetáculo de gozação e desprezo, aos olhos do mundo.

OPÇÃO PROFÉTICA EXPOSTA A TODOS OS RISCOS – E como somos frágeis, a loucura é tal que o risco é que nós mesmos fraquejemos e nos sintamos em conflito interior; porque, no fundo, qual a fronteira entre as acusações mentirosas e injustas, que fazem a você, e a insegurança e incertezas loucas, que nós mesmos vivemos, no cotidiano de uma vida solitária e sempre expostas a todo tipo de riscos?
O que posso lhe dizer é que é justamente quando você vive mais esta fragilidade (como pregado na cruz) que a força divina se revela em você como luz e testemunho para todos nós. que devemos seguir o mesmo caminho seu.

JESUS SE REVELA NA FRAGILIDADE DOS DISCÍPULOS – Todos que o conhecem sabem da verdade e profundidade de sua humanidade; têm em você uma confiança inabalável de como você doa sua fragilidade, para que Jesus alimente a multidão, com os poucos e pobres cinco pães e dois peixes, que você, eu e todos somos. Por favor, fique firme na paz, certo de que o Senhor o acompanha neste momento de cruz. “Não vos preocupeis com o que ireis falar. O próprio Espírito falará em vós”.
O que dizer? Conte comigo em tudo e para tudo. Se eu puder concretamente ser de alguma ajuda, não hesite. E sem preocupação nenhuma, use meu ombro para se apoiar e poder chorar a dor de ser profeta frágil, em um mundo desumano.
Um abraço de paz e um beijo no coração. Seu irmão Marcelo Barros.

Meu abraço e minha amizade - Luís

domingo, 4 de novembro de 2007

SEQUÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO




Vinde, Santo Espírito, e mandai lá do céu
um raio de vossa Luz!
Vinde Pai dos pobres, vinde Doador das graças
vinde Luz dos corações!
Nosso bom Consolador, doce Hóspede de nossa alma,
nosso doce Alívio vinde!
Nosso descanso na luta, nossa calma na labuta,
nosso consolo no pranto.
Ó Luz da felicidade, cumulai de caridade
aqueles que vos desejam!
Sem vossa força celeste, nada há em nós que
preste, nada que seja inocente.
Removei o que está sujo, aguai o que está seco,
curai o que está ferido!
Amolecei o que é rígido, aquecei o que está
frígido, tirai-nos de nossos desvios!
Pr’aqueles que vos procuram, pr’aqueles que em
vós confiam, daí os vossos sete Dons!
Daí o premio da virtude, daí a graça da saúde,
Daí a alegria sem fim!
AMÉM!

PERDENDO O JOGO PARA TIME ORDINÁRIO?

DESCANSEM EM PAZ - Comovente a delicadeza de repassar o necrológio dos nossos falecidos. Preso em casa no meu silêncio, foi útil meditação do Dois de Novembro dar uma viajada por aqueles nomes todos; ressuscitar alguns que já tinham falecido na memória; constatar que boa parte do nosso mundo e dos companheiros de juventude e adolescência já cumpriu seus prazos; já se transferiu para os mistérios inalcançáveis das esperanças cristãs. Alguém na lista, Frei Benício (Eudes Cristino, irmão de Frei Leônidas) provocou-me provavelmente o primeiro grande choque com a morte, sem anestesia. Éramos teólogos, na Bahia, quando o pai do Eudes adoeceu para morrer. Eudes tomou o avião para Fortaleza e caiu em Campina Grande. Despedimo-nos à noite desejando boa viagem e fomos acordados, de manhã cedo, pela notícia do sinistro. É daqueles momentos que se gravam indelevelmente na sensibilidade. Que nos empurram, goela abaixo, a indesejada certeza de nossa fragilidade. Outros da lista eram também de minha turma, como o Carlos Wellington e o Manuel Canuto, colega desde Tianguá. Todos estejam lá, aonde nós queremos chegar um dia!

VALENTIA DIANTE DOS PEQUENOS - Achei surpreendente e “bene trovata” sua observação sobre o John Allen, correspondente vaticano do NCR: “meio bobão, com aquela mania de querer fazer-se familiar à cúria e ao papa”. Eu não tinha percebido, mas concordo. Pode ser também que personalidades curiais fizessem questão de parecer próximas e familiares do John Allen, jornalista do Império, financiador e avalista infraestrutural do Vaticano, terra do Peter’s Pence! O complexo de Édipo não me deixa esquecer o dedo em riste de João Paulo II na cara do Ernesto Cardenal, Ministro da Educação da frágil Nicarágua ou, como a chama o amigão Casaldáliga, “minha pequena Nica”. A vantagem de ser ianque deve ter servido de gazua para John Allen abrir as portas da clausura. Eu gostaria de ver a mesma valentia pontifícia diante de ministros WASP (White-Anglo-Saxon-Protestants) e a mesma solicitude com jornalistas de mídias mais humildes.

"NÃO FALAMOS MAL DE NOSSA IGREJA" - Em meus tempos de Rio, Dom Eugênio Salles promovia debates contra “maledicências” na Igreja Católica, para atingir “maledicentes” como Leonardo Boff e Carlos Mesters. Convidou, certa vez, conferencista russa ortodoxa de extrema direita, que por lá passava, em circuito de palestras para a “elite branca” católica anti-comunista. A distinta senhora assumiu o bordão: “Lá em casa, não falamos mal de nossa Igreja”. Sabia-se que a Igreja Ortodoxa Russa, após a perestroika, passara a ser praticamente sustentada pelo Estado, em nome da tradição e preservação da alma da Mãe Rússia. Resultado inevitável: nenhuma palavra de crítica ao sistema, bocca chiusa ante a corrupção desenfreada, nada de contestação aos interesses anti-populares, fora com profetismos! Releio Carlos Mesters sobre Jeremias e percebo que “falar mal” talvez seja outro nome para profetismo. Tendo o convite à palestrante partido de quem partiu e revelando-se ela o que realmente representava, não retiro a observação sobre identidade freqüente entre “maledicência” e “profecia”

ENTRE VOCÊS NÃO SEJA ASSIM! - “É realmente custoso acreditar ser possível comandar uma agremiação de l,2 bilhão de pessoas nos cinco continentes, sem um comando doutrinal, litúrgico e outros que tais...” Sinto refluxo, quando tenho de engolir a palavra “comando”, no universo cristão. “Entre vós não seja assim como entre eles!” Em termos de moral pública, a evangelização mais convincente vem do comportamento pessoal. Em minha modesta e lírica opinião, João XXIII “comandou” os seus mais de um bilhão de fiéis, com a despretensão evangélica e a bondade humana. Com qualidades e atitudes semelhantes, Mahatma Gandhi despertou, levantou e pôs em marcha, em direção à dignidade nacional, o seu bilhão de indianos. Acho que Maximilian Kolbe, profanado e destruído nos fundos escuros de uma cela, em Auschwitz, fez mais pelo “comando” dos cristãos, na marcha para o Reino, do que mitras e tiaras colabôs. Será que minhas inquietações aproximam-se mais de maledicência que de profetismo?

EUCARISTIA CELEBRADA PELA COMUNIDADE - A celebração da Eucaristia, liberta do exclusivismo presbiteral, é questão que muito me envolve. Estou certo de que o Sacramento não foi dado como prêmio, presente ou monopólio a nenhum dos Apóstolos individualmente. Significou a Primeira Reunião da Comunidade, com o objetivo mesmo de reunir a Comunidade e encorajá-la. A Unidade confirma, oficializa e alimenta a Fé de todos e de cada um. Incentivador da coragem e da fé, mais do que sermões e ritos, é o próprio Encontro em si. Pessoas se encontrando e se dando força. O mundo descobre que Jesus veio de Deus, não porque Ele avisou, não em primeiro lugar porque os Apóstolos espalharam, mas porque os cristãos se amam uns aos outros. Mas o assunto produziria tratados! E aponta como, em minha opinião, nossa Igreja está bobeando, perdendo tempo e fiéis, a barca devagar quase parando, carregada de bizantinismos e gongorismos teológicos, inúteis e prejudiciais, que há muito deviam ter sido jogados aos peixes.

PREGAÇÃO CRISTÃ É AMOR FRATERNO - Acabei de participar espiritualmente, pela Rede Vida, na grande celebração de Finados, no Autódromo de Interlagos, presidida pelo bispo franciscano Dom Fernando Figueiredo e pelo Padre Marcelo Rossi o qual, nos últimos tempos, veste-se com o hábito franciscano. O grande encontro da esperança, com lema SAUDADE SIM TRISTEZA NÃO, reuniu dois milhões de fiéis ao redor da Eucaristia. Na conclusão, momento dos avisos finais, ressaltou-se a importância fundamental da Unidade dos Cristãos, união de todos, para sustentar a própria fé e para testemunhar esta fé. Em mundo pagão, desvairado pelas ganâncias materiais e pelas cegueiras espirituais, a Unidade dos Cristãos é a condição para que Jesus seja reconhecido como Enviado do Pai. “O mundo acreditará que eu vim do Pai, se vocês se amarem uns aos outros!” A Unidade dos Cristãos é nossa resistência contra a grande onda, que arrasta, para dentro do mundo, toda espécie de iniqüidade e sofrimento.

EVANGELISMO MERCENÁRIO PARA FATURAMENTO - Em correspondência anterior, noticiei o que saiu, em comentários do NY Times, sobre a presença da Igreja Universal, nos subúrbios latinos das grandes cidades americanas. Nestes subúrbios pobres, de pessoas perdidas em sociedade de concorrência feroz e superação desalmada, pregadores mercenários usam a Bíblia e o Nome de Deus, para “fazer a festa” e encher a sacola. O presente comentário, porém, nada tem a ver com proselitismos ridículos e concorrências sectárias; entra aqui para completar a notícia do jornal americano: os “bispos” da Igreja Universal recusam-se terminantemente a fazer parte da Associação das Igrejas Cristãs. Rejeitam indignadamente pertencer ao conjunto das outras Denominações. Em vez de unidade e congraçamento, na frente única dos cristãos contra o espírito de porco deste mundo, “evangelismo” aventureiro por conta própria e isolamento fanático, frente às outras confissões religiosas. Mais do que as justificadas acusações de charlatanice, curandeirismo e desfrute da credulidade popular, desligamento explícito do conjunto e rejeição da unidade constituem a prova mais eloqüente do desencontro com a recomendação explícita do próprio Jesus.

PERDENDO O JOGO PARA TIME RUIM - Como é que nossa Igreja aparenta estar perdendo o jogo para time tão bisonho? A resposta é evidente: falta de jogadores e complicações desnecessárias na contratação. As arquibancadas estão cheias de gente vestindo a camisa, mas ninguém os convoca! Mas paro por aqui, com nossos abraços. - Luís - www.sluisthomaz.blogspot.com