domingo, 30 de setembro de 2007

MATARAM SEUS CORPOS E SUAS ALMAS

CACIQUE PAGÃO PREGA BÍBLIA AO PAPA – Vimos, em documentário da televisão, as imponentes e misteriosas ruínas de Machu-Picchu, nos Andes peruanos. Situada a alguns milhares de metros de altitude, Machu-Picchu era capital sagrada das civilizações pré-colombianas maias, incas e aimaras. À época, mais adiantadas, em vários aspectos ,do que as cidades européias do mesmo porte. Foi tudo devastado e destruído, ao tempo do chamado Descobrimento, por europeus cristãos, à cata de ouro. Conforme o bispo- profeta Bartolomé de Las Casas, os espanhóis transpuseram, no trato com os índios, a mesma ferocidade assassina e fanática das torturas e fogueiras da Inquisição. Em 1985, o Papa João Paulo II visitou o Peru e encontrou-se com remanescentes do genocídio. Um deles, o cacique Ramyro Reinaga, entregou ao Papa uma Bíblia velha e surrada.

“LEVE SUA BÍBLIA DE VOLTA !” – O Santo Padre recebeu o presente e escutou o sermão do cacique aimara: - “Nós, índios dos Andes e da América, decidimos aproveitar a visita do Papa, para devolver-lhe a Bíblia. Porque, em cinco séculos, ela não nos deu amor, nem paz, nem justiça. Por favor, tome de volta sua Bíblia e a devolva aos nossos opressores. Porque eles precisam mais de seus preceitos do que nós. Pois, desde a chegada de Cristóvão Colombo, foram impostas à América, pela força, uma cultura, uma língua, uma religião e valores próprios da Europa. A Bíblia chegou, para nós, como parte de um projeto cultural imposto. Ela foi a arma ideológica deste assalto colonialista. A espada espanhola que, de dia, atacava e assassinava o corpo dos índios, de noite se convertia em cruz, para atacar e devassar suas almas”...

PERSISTE A CASTRAÇÃO DA BÍBLIA – Em livro de socióloga argentina OS DEMÕNIOS DESCEM DO NORTE, afirma-se o seguinte: Nos interiores retrógrados do Texas, terra do atual presidente caipira dos Estados Unidos, milionários protestantes, de linha fundamentalista, assumiram financiar toneladas de Bíblias, a serem distribuídas mundo afora, no combate ao comunismo e às teologias que falam em libertação política e econômica. Milhões de Bíblias foram então contrabandeadas para países socialistas e repassadas a grupos internos, que combatem o socialismo. Muitas dessas Bíblias chegaram também ao Brasil, adredemente pontuadas, seccionadas e preparadas, para leitura de trechos e versículos estanques. A Bíblia, servida em pedacinhos separados, para dificultar a visão de conjunto. Êxodo .libertação à escravidão do Egito? Ora, significa nossa viagem para o céu! Nossos inimigos? A legião invisível de toda espécie de demônios comunistas!

“LUTAS POPULARES SÃO AFASTAMENTO DA FÉ” – Financiadores do marketing bíblico são empresários de extrema direita. Motivação fundamental é o combate aos partidos de esquerda, “perigo máximo para a civilização cristã”. Comunismo ateísta, para eles, são os movimentos populares de organização. Grupos de defesa dos direitos humanos, construção de nova sociedade, transformação social exigida pelo que a Bíblia descreve, tudo não passa de entendimento comunista. Curioso é como eles bancam a produção de um Livro, cujo resumo é a história do povo escravizado, quebrando correntes e conquistando terra e liberdade. É simplesmente blasfemo que milionários dos países predadores venham aos oprimidos, carregados de Bíblias, nelas apontando fundamentos divinos, para os oprimidos não se revoltarem e permanecerem bonzinhos e passivos. Sal desvirtuado, só serve para ser jogado fora e pisado pelos homens.

“LIBERTAR OS QUE NOS EMPOBRECEM” – Dá para imaginar o financiamento dessa gente para libertação daqueles, cujo suor e miséria os enriquecem? Dá para imaginar o “projeto bíblico” deles, sendo tocado por verdadeiro amor à Palavra libertadora? Os beneficiários do mundo injusto não desejam a subversão de situações que os beneficiam. Desfibrando a Bíblia e servindo-a aos pedaços, em versículos bem cortados e bem cozidos, presumem eles secar a fonte, onde se mata a sede e se encoraja a caminhada. Nos últimos tempos, tem havido proliferação das casas de bênção, igrejas dos milagres, templos da cura e toda espécie de picaretagem religiosa pseudo-bíblica. Dentro delas, compondo a assembléia, a típica população socialmente marginal: operários, pais pobres, mães humildes, o proletariado pátrio levando banhos de alienação religiosa. Endoutrinado, em nome de Deus, para descrer na própria força E esperar que a história seja mudada pelas intervenções do alto. Povo catequizado para esquecer o Êxodo e aprender que o Êxodo bíblico nada tem a ver com libertarismos e justiça social.

“PARA CONVERTER PORTUGUESES ENRIQUECIDOS” – Em reunião no Centro de Direitos Humanos de Nova Iguaçu, o palestrante convidado deu a seguinte informação, sobre os proselitismos bíblicos imperialistas: - “ Nestas igrejas, a conquista é planejada da seguinte maneira: um grupo é preparado para converter portugueses enriquecidos no Brasil; outro grupo é preparado tecnicamente para converter os jovens; outros grupos são preparados para converter empresários, operários, universitários. No afã proselitista, são distribuídos milhares de Bíblias. Pois sabem que Bíblias, para as seitas velhas e novas, são a melhor arma para mostrar e o povo descobrir que a Igreja Católica está errada”. Conclusão: os opressores são muito inteligentes. Deturpam a Bíblia, porque a Bíblia é para eles, de fato, ameaça máxima. Como no tempo dos chamados Descobrimentos, matando a alma, fica fácil matar o corpo. E para matar a alma, basta castrar a Bíblia!

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

NO INFERNO TERIA MELHORES COMPANHIAS

PRECISAS CONHECER O BARTOLOMÉ – Era um padre espanhol, no tempo da “descoberta” das Américas. Padrezinho bem pecador, ou melhor, bem inserido no contexto colonial. Disposto a enriquecer no “ministério”, satisfeito com o mundo e suando para nele vencer. Não realizado na rotina paroquial e puxado pela ambição de fazer fortuna, meteu-se no navio com os “descobridores”. Mandou-se para o México, atrás de bocas ricas, no Novo Mundo. Entrou, sem conflito, na mentalidade dos conquistadores espanhóis. Apoderou-se de terras e fez-se senhor de muitos índios cativos. Administrador competente e severo, em suas mãos as searas se multiplicaram, os celeiros ficaram pequenos. Bartolomé conseguia o que sonhara e não precisava mais preocupar-se. Era um vitorioso, a vida estava segura, agora era só aproveitar. “Deus tinha sido generoso”!

O SERMÃO DO FREI ESTRAGOU SEUS PROJETOS – Bartolomé estava presente na missa, que degringolou sua “empresa agrícola”. Na hora do sermão, um frei franciscano, chamado Montesinos, demonstrando que, em qualquer tempo e situação, é possível entender direito o Evangelho, começou a fazer perguntas indiscretas aos “fiéis” presentes: - “Com que direito haveis desencadeado uma guerra atroz contra essas gentes, que viviam pacificamente em seu próprio país? Por que os deixais em semelhante estado de exploração? Vós os matais a exigir que vos tragam diariamente seu ouro! Acaso não são eles seres humanos? Acaso não possuem razão e alma? Acaso não são também filhos de Deus? Não é nossa obrigação amá-los como a nós próprios? Podeis estar certos de que, nessas condições, não tereis maiores possibilidades de salvação do que um mouro ou um turco...”

NÃO ERA SÓ DESERTO AO REDOR DA SEMENTE – Pela primeira vez, na história do Novo Mundo, erguia-se, pública e deliberadamente, uma voz em defesa dos índios. No domingo seguinte, mesmo ameaçado, frei Antônio Montesinos voltou à carga com firmeza. Ao final do sermão, concluiu desiludido: “Sou uma voz que clama no deserto!” Mas estava enganado. Entre os colonos que permaneciam sentados nos rústicos bancos da pequena igreja, estarrecidos e indignados, estava Bartolomé de Las Casas. As palavras ríspidas de Montesinos o chocaram profundamente. Estava começando ali a primeira fase de uma conversão, que iria durar três anos – até 1514, quando Las Casas abriria mão de suas posses e escravos índios, dando a guinada que o transformaria numa das figuras mais polêmicas e importantes do século XVI.

O QUINTO EVANGELHO DE NUESTRA AMERICA – O convertido e transformado em Frei Bartolomé de Las Casas escreveu posteriormente um “livrinho”, que ele mesmo chamou brevíssima relação da destruição das índias, que é, sem exagero, um dos mais importantes livros na literatura universal. Um quinto evangelho de indignação profética, clamor iracundo contra a exploração dos índios, exigência indignada de respeito aos mais fracos. Na Brevíssima Relação, Las Casas descreve a perversidade com a qual os cristãos tratavam os nativos. Crueldade que não dizemos feroz, para não ofender as feras. Afirma Las Casas: “Outra coisa eles não fazem senão matar, trucidar e torturar o povo desses países...”

BREVÍSSIMA RELAÇÃO DA PERVERSIDADE CRISTÃ – Um dos muitos episódios, narrados por Bartolomé na Brevíssima Relação, para nossa indignação e espanto: - “Certo cacique fugia sempre dos espanhóis e se defendia contra eles, toda vez que os encontrava. Por fim, foi preso com toda a sua gente e queimado vivo. Quando estava atado ao tronco, um religioso de São Francisco (homem santo) lhe disse algumas cousas de Deus e de nossa Fé, que lhe pudessem ser úteis, no pequeno espaço de tempo que os carrascos lhe davam. Se ele quisesse crer no que lhe dizia, iria para o céu, onde estão a glória e o repouso eternos. Se não acreditasse, iria para o inferno, a fim de ser perpetuamente atormentado!

“PREFIRO O INFERNO A FICAR COM ESSA GENTE!” – Esse cacique, após ter pensado algum tempo, perguntou ao religioso se os cristãos iriam para o céu. O religioso respondeu que sim, pois eram batizados. Iriam para o céu, por causa do batismo e por causa das boas obras –“ Que boas obras?” – perguntou o cacique. O religioso, talvez com vergonha, talvez sem ter o que responder, preferiu calar-se, pois não tinha mais argumentos. Tudo o que ele pregasse contradiria o que os cristãos praticavam Foi quando o cacique desabafou incontinente, sem mais pensar, que não queria absolutamente ir para o céu. Preferia ir para o inferno, a fim de não ter de ficar no mesmo lugar em que tal gente se encontrasse! No inferno, certamente teria melhores companhias!”

SUÍNOS ENDEMONIADOS REENCARNAM NO BRASIL

MARIZEIRA FRONDOSA AO LADO DO CHIQUEIRO - Em minha infância, ainda não eram cercadas as terras na beira do rio, no lado de cá da ponte, que pertenciam ao Sr. Messias Araújo. Hoje o arame farpado ao redor delas impede Santana de expandir-se para além do Humaitá. O que era várzea aberta, povoada de canafisteiras onde se aninhavam canários, rolinhas e cabeças-de-fita, hoje é só canarana. A meninada devassava com gosto aquele chão, para armar alçapões e tomar banho no rio, sob imponente marizeira, que não sei se ainda existe, se foi perversamente cortada ou se foi lamentavelmente arrastada rio abaixo, na grande enchente. A frondosa árvore alçava-se ao céu, bem no canto de enorme chiqueiro de porcos. Eram bem uns quarenta porcos! Mais da metade do chiqueiro era tomada por lama, que chegava às costelas dos suínos e aos joelhos dos tratadores. Achava-se então que porco gosta de lama, precisa de lama. Então haja lama para eles: carregava-se água do rio em velhas latas de querosene, para deixar no ponto, bem pastoso e abundante, o lamaçal da pocilga.

PORCÕES ALIJAVAM PORQUINHOS NA LAMA - Hoje sabe-se que porcos, como todos os seres vivos, gostam mesmo de água, para refrescar-se do calor. Quanto mais limpa melhor! Por aí afora, longe do Brasil, em viagens que fiz a serviço do ministério presbiteral, observei como os animais, também os porcos, se criam limpinhos. Nunca vêem lama! Vivem forrados por grossa camada de serragem, periodicamente substituída e assim são criados limpos e sem verminose, sadios e felizes. Mas quando meninote, eu gostava de apreciar a criação, perto da marizeira, na barranca do rio Acaraú. Minha curiosidade juvenil coincidia, às vezes, com a chegada do dono trazendo comida. Os sacos de milho despertavam animado fuzuê entre os inquilinos. Na hora de avançar, os porcões alijavam os porquinhos para fora do cocho e muitos destes caíam na lama. Achava divertido aquele jiu-jitsu suíno dos porcos maiores rapinando a refeição dos porcos menores. Os mais fortes levavam vantagens e os mais fracos herdavam a lama, para consolo e compensação. Claro que os maiores eram sempre mais gordos do que os menores!

ATÉ SUÍNOS DÃO LIÇÃO DE ASSEIO - Observando o rio de lama que se derrama dentro de nossas casas a partir da vida política brasileira, pergunto-me se aquelas lembranças da infância não teriam algum valor de parábola. Antes de responder, sou forçado a tirar duas conclusões imediatas, a partir da cascata de sujeiras: 1. “Nosso povo deve gostar de lama!” 2. “A melhor estratégia de convivência e superação é empurrar o mais fraco na lama!”Ora, ninguém gosta de lama e descobriu-se que até suínos dão lição de asseio. Todos preferimos andar limpos e de banho tomado. Somos filhos de Deus, que é limpo e faz tudo limpo. Sujeira e mau cheiro procedem de outras fontes. Geralmente as fontes imundas da cupidez, que não recua diante de nada, a fim de atingir seus objetivos. Para isso, pode ajudar muito um lamaçal ao alcance da mão. É mesmo lamacenta e mal cheirosa a impressão que se tem do atual momento político brasileiro. A lama política salpica na cidadania e adoece a esperança. Como ,acreditar em futuro luminoso, para o país gerido por tais elites?

.NÃO SE FAZ POLÍTICA NA POCILGA - Em exame de consciência, apliquemos a parábola suína à política e às eleições na santa terrinha da Senhora Santana. Passamos a vida escutando que somos criaturas de Deus, que somos filhos de Deus, que somos irmãos uns dos outros. Mas quando chegam as eleições, toda a sublimidade se apaga e nos enclausuramos em pocilgas morais. Vale qualquer sujeira, para atingirmos nossos objetivos, para não perdermos as eleições. Valem cartas anônimas, papeluchos pejados de abjeção, as mais descaridosas e fratricidas difamações. Anonimatos medrosos, ausência completa de caráter e de brios, prazer doentio de esconder-se para atirar. Eis as perfeitas indicações para não votar em quem faz isso! Covardes e traiçoeiros não possuem condições morais para liderar a comunidade.Tal escória quer a política para se aproveitar! É o que, no momento, assistimos, escorrendo de Brasília pela televisão A dor maior é que nosso povo custa a aprender e por isso paga sozinho o preço da corrupção. Mas não adianta discursar. Menos retórico e menos inútil é examinar nossas consciências. Talvez, iluminando-nos por dentro, descubramos que nossa revolta contra o que a mídia reporta é provocada por disfarçada dor-de-cotovelo, porque não somos nós que estamos desfrutando..

INDIGNAÇÃO MORAL OU HIPOCRISIA? Sugiro perguntas para o exame de consciência: 1. Por baixo dos panos, dos paletós e gravatas, não estaria acontecendo aproveitamento semelhante do dinheiro público em nosso Município? 2. Em nosso Município, o dinheiro público é realmente gerido com transparência e participação da população? Ou tem coisa mal cheirosa acontecendo atrás da moita? 3. Nossa presente indignação é gerada pelo amor ao bem comum ou não passa de escândalo farisaico e de rancor, por não sermos nós os beneficiários das facilidades desonestas? 4.Que moral possuem nossa ausência e nossa omissão nas iniciativas comunitárias, nossa incrível e barata capacidade de nos deixarmos corromper? 5. Não seria verdade que os políticos são o retrato moral chagado e chuspido daqueles que os elegem?

DIABO AFOGOU MANADA DE PORCOS - Fundamentando nosso exame de consciência, o evangelho de Mateus narra um dos episódios mais instigantes na vida de Cristo: Jesus chegou à outra margem do Mar da Galiléia e entrou na região dos gadarenos. Dois possessos, que moravam nos túmulos do cemitério, vieram ao seu encontro. Eram tão violentos que ninguém ousava passar por aquele caminho. Jesus expulsou os demônios e livrou os dois da possessão. Antes, porém, de saírem, os demônios suplicaram que Jesus os deixasse entrar na manada de porcos, que por ali pastava. Foi dado o consentimento. Possuídos pelos demônios, os porcos precipitaram-se despenhadeiro abaixo e caíram no mar, morrendo afogados.

DEMÔNIOS NÃO MORREM AFOGADOS - E os demônios? Será que morreram afogados, junto com os porcos? Improvável, pois demônios nadam bem em todas as águas, sobretudo nas turvas e sujas. Para onde então eles se mandaram? Pelo que vemos atualmente no denuncismo hipócrita de muito fariseu e na lama impenitente subindo até ao nó da gravata de não poucas “excelências”, não é improvável que aqueles maus espíritos tenham achado guarida, na parte suína da política brasileira mergulhada em sujeira, como seus antigos locadores gadarenos. O episódio bíblico intrigante se encerra, com os habitantes daquela região solicitando a Jesus que fosse embora dali. Botaram Jesus para correr, pois preferiam a companhia dos seus queridos porcos.

A REZA DOS TRÊS FRADES MALUQUINHOS

DEUS TANGIDO PARA A ESTRATOSFERA – Nos primeiros séculos de nossa era, o mundo conhecido formava grande unidade, centralizada no Império Romano. Com a invasão das tribos bárbaras do Norte da Europa, o Ocidente do Império perdeu importância. O centro político-administrativo transferiu-se para Constantinopla. Os bárbaros se aculturaram, formando então os reinos da Europa Central. Roma cresceu novamente de importância, agora como Centro do Cristianismo. Aí quem apagou-se foi o Império Bizantino, empurrado para as margens da vida política e envolvido em discussões teológicas, desligadas da realidade. Lado simpático e emocionante da religiosidade oriental era a profunda devoção à Santíssima Trindade. A reverente adoração da Trindade marcou a Igreja Ortodoxa até os dias de hoje e deixou-nos os mais belos e sublimes ícones.

“NÓS SOMOS TRÊS, VÓS SOIS TRÊS!” – As brigas políticas e as discussões teológicas levaram muitos cristãos a fugir das cidades e das paróquias conflagradas. Buscaram o deserto, a fim de fazer penitência e adorar, no silêncio e na oração. Motivação máxima do retiro permanente era a Santíssima Trindade, Deus Uno e Trino! O Mistério e a vontade de adorá-Lo atraíram também três camponeses sem letras, retornados das Cruzadas com a alma destroçada. Largaram as enxadas e se recolheram a uma ilha deserta, perdida no Mar Egeu, nas costas da Ásia Menor. Camponeses profundamente religiosos, mas sem condição de ler as orações oficiais da Igreja, pois eram analfabetos. A reza deles era uma só: -“Nós somos três, Vós sois Três, tende piedade de nós!”

MILAGRES SEM LICENÇA DO BISPO – A fama de piedade e dos milagres dos três eremitas, perdidos no oco do mundo, aos poucos espalhou-se na região. E chegou aos ouvidos do bispo, preocupado com as romarias fora de controle; e com multidões cada vez mais numerosas, esvaziando a catedral e embarcando para a ilha dos frades rezadores. Irritado com tal descentralização pastoral não decidida por seu magistério, o bispo resolveu embarcar. Cercearia com rigor o movimento, que não partira do Plano Pastoral, e enquadraria severamente os monges agitadores. Já na canoa, sem saber nadar, forçado à aventura marítima, o bispo prometeu, a si e a Deus, que os desordeiros experimentariam o peso de sua autoridade, legitimamente constituída. .É preciso cortar o mal pela raiz, senão as ovelhas param de obedecer!

TEÓLOGO ENSINA ANALFAS A REZAR – A travessia era longa e perigosa. O bispo não nadava nem gostava de mar. Quanto menos onda, melhor para todos! No desembarque apavorado, o Senhor Bispo foi recebido com a pompa dedicada às visitas insignes .Após palmas, vivas e beija-mãos, dirigiu-se à cabana dos monges, para as aulas de reza correta.. Ao entrar na capela, escutou a jaculatória cansativa: -“Nós somos três, Vós sois Três, tende piedade de nós!” E a litania não parava nem mudava . O bispo interrompeu a oração monótona e iniciou a catequese, tentando ensinar aos monges o Símbolo Apostólico Atanasiano, transbordante das mais profundas e elevadas afirmações doutrinais. Os três eram mesmo tapados e custaram a aprender a lição, apesar das constantes repetições. Quando finalmente decoraram, uma semana depois, o bispo marcou viagem de volta, o medo de mar acordando-lhe temerosas premonições.

ESQUECEU DE CONSULTAR A METEOROLOGIA – Com o pequeno porto apinhado de fiéis, as mulheres mais velhas com fitas coloridas no pescoço, o bispo abençoou o rebanho e subiu, de pernas trêmulas, na canoa engalanada. Por entre palmas, vivas e foguetes (será que então já existia a praga dos foguetes?), nosso antístite meteu a cara no Mar Egeu, suplicando ao Todo-Poderoso que as horas de travessia passassem ligeiro. No entanto, a nuvenzinha do horizonte não demorou em transmudar-se em tempestade ameaçadora. O barco jogava de um lado para o outro e o pavor episcopal assumiu-se, com a devolução aos peixes do monástico café da manhã. A palidez do bispo se acentuava, na proporção do tamanho das ondas. –“Meu Deus, vou morrer afogado, por causa de três carolas estúpidos! Por que não fiquei no palácio, administrando a Diocese? Santíssima Trindade, se arrependimento matasse, eu não precisaria de naufrágio!” E as ondas crescendo, na proa do barco à deriva.

FANTASMAS CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS – Olhando em volta apavorado, na busca do socorro impossível, o bispo avistou três vultos caminhando sobre as águas, em direção ao barco. Mais perto reconheceu: eram os monges malucos. O bispo criou alma nova:. – “Graças à Santíssima Trindade, que escutou minhas preces e não deixou Seu representante soçobrar nestas ondas!” Mas os monges queriam apenas se lembrar de uma frase do Símbolo Apostólico, ensinado pelo bispo. Eles haviam esquecido: a parte que professa fé na ressurreição dos mortos e na vida eterna. Perplexo e suando frio, o bispo recapitulou a lição. Os três agradeceram, deram meia volta e retornaram à ilha, caminhando sobre as águas, na maior leveza. Eram tão broncos que não perceberam o apavoramento do bispo, nem mesmo a prudente desconfiança episcopal na Providência divina.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

PAVORES RELIGIOSOS NA SANTANA DE OUTRORA

“NA VOLTA EU TE PEGO DE JEITO!” – Na Santana dos velhos tempos, pai catolicão, conhecido pela severidade doméstica e pelo medo que os filhos tinham dele, mandou o de oito anos, após o café da manhã, comprar um quilo de carne para o almoço. No caminho do Mercado, à sombra de um benjamim da Praça da Avenida, o caminhão do Filipe estava no prego e os mecânicos faziam a festa. O menino curioso e interessado esqueceu o mandado paterno e refestelou-se no meio fio, envolvido no festival de chaves, porcas e arruelas. O caminhão enguiçara justamente no caminho implacável do pai para o trabalho. Ele avistou seu moleque embebido nas mecânicas azeitadas com palavrões e discretamente ciciou-lhe aos ouvidos apavorados: - “Volte já para casa e ao meio dia, na hora do almoço, verás a surra que te darei!”A alma do menino passou a manhã no vestíbulo do inferno, aguardando o meio-dia. Em tais circunstâncias, o tempo passa ligeiro e logo chegou a hora dos seis bolos pesos pesados em cada uma das mãozinhas tenras. Pai que se preza cumpre o que diz, para educar os filhos! Psicologia, melhor que catequeses simplórias, sabe que nossa imagem de Deus é formada pela imagem que temos de nossos pais, sobretudo do nosso pai!

PAVORES RELIGIOSOS NA SANTANA DE OUTRORA - Badaladas pungentes dobram em finados, no calor vespertino daquele domingo, inundando de macabros clangores a tristeza permanente da cidadezinha sertaneja. O cortejo fúnebre de gente do Alto da Liberdade desponta no beco do Sobrado, em direção à matriz. O pai de família morrera tuberculoso. A existência de mais um santanense acabara de preencher os objetivos de sua vinda ao mundo: levar vida escassa, driblar a presença ameaçadora de Deus, morrer e apresentar-se sem advogado ao temível Juiz. Na igreja, rescendendo a flores murchas e suores mal lavados, Padre Arakém, enrolado na capa lúgubre dos enterros, procedeu à encomendação, engrolando latinório que ele mesmo não entendia. Respingos finais de água benta e a procissão funerária, encardida e mal cheirosa, arrastou o esquife para o buraco no distante cemitério. Naquela tarde, o silêncio absoluto e sem esperança do cemitério só era quebrado pelo mau humor dos coveiros e pelo farfalhar do vento, na palha das carnaubeiras. Na cena católica, nada parecido com ressurreição e vida eterna, só rostos crestados e olhos mortiços. Naquele domingo de enterro, as portas se trancaram ainda mais cedo. Medo de alma, medo de Deus!

APERITIVOS DE FOGO ETERNO – Mas era domingo na paróquia e à encomendação do falecido seguiu-se a Bênção do Santíssimo, com muitas velas acesas, turíbulo fumegante e Padre Arakém agora envolvido na capa magna da cor de ouro. Bancadas cheias de fiéis piedosos e de cidadãos e cidadãs carentes de vida social. Senhores católicos e mulheres pias largavam as rotinas caseiras e encheram os bancos, para escutar o sermão e receber a bênção divina. A pregação mal costurada discorreu sobre a presença ameaçante de Deus e sobre a certeza inescapável de seus castigos. Medo era o sentimento diuturnamente inoculado nas almas. Era preciso enterrar fundo o “temor do Senhor”, pois só com medo as pessoas procedem direito e se salvam. Ou você cai de quatro ou sua alma estará destinada às chamas que não se apagam. Pavor dava a impressão de ser o Grande Mandamento da Lei de Deus. As brasas ardentes do turíbulo serviam aperitivos de fogo eterno. Como posto vende gasolina, a igreja abastecia a comunidade de intimidações. Era preciso aterrorizar, para as almas não se perderem. Santanenses mais velhos passaram por isso. Os mais espertos dobraram a esquina.

DEUS ESCONDIDO ATRÁS DAS PORTAS - Na tardinha mormacenta daquele domingo paroquial, o garoto curioso das porcas e arruelas abriu, a cotoveladas e mãos inchadas, espaço entre a meninada; e sentou-se também, no batente de mármore branco da capela-mor. De lá acompanhou e Bênção do Santíssimo no meio do empurra-empurra. Viu antes o enterro da janela de casa; a seguir cumpriu a imposição paterna da Bênção do Santíssimo, recapitulando os sagrados medos no sermão do padre. Finalmente partiu para o cuscuz nosso de todas as noites. Do enterro, do sermão e da Bênção, levou para casa a confusa impressão do Deus invisível, escondido atrás das portas, na escuridão da noite, lápis e papel na mão, tomando nota de nossos malfeitos, para a ameaçadora palmatória incandescente. Os tempos eram assim e muito resultado saiu pela culatra dos planejamentos. Filhos criados no pavor religioso foram os primeiros a saltar fora da canoa, quando conquistaram autonomia. Filhos de pais liberais cresceram psiquicamente sadios e tiveram reencontros com a religião de forma não mórbida e deprimente.

MEDO ENDURECE A CASCA DO CAROÇO – Casca endurecida dificulta o surgimento da folhinha que depois será mangueira frondosa. Medo impede a folhinha de botar a cabeça de fora. Medo endurece a casca de todos nós, criados por Deus como sementes de personalidades sadias e felizes. Tudo o que é vivo cresce de dentro para fora. Tudo o que é morto cresce de fora para dentro. Pedagogias equivocadas pretendem construir a personalidade de filhos e paroquianos de fora para dentro: injetando medo e endurecendo a casca da semente. Acham imbecilmente que prestam bom serviço. O que o medo consegue é produzir refinados mentirosos. Pois medo é pai da mentira e mentira é, muitas vezes, mecanismo de defesa do oprimido contra opressores. Pessoas mentirosas são filhas de pais ameaçadores. Como no MÁGICO DE OZ, somos amedrontados por forças ocultas, movidas por espertalhões profissionais do autoritarismo. Eles faturam em cima de temores e covardias. Composta de pecadores, a Igreja meteu, com freqüência, os pés pelas mãos. Achou mais fácil encher vasos com rosas de plástico inanimadas, passivas e inodoras do que, com a graça de Deus, empapar o chão e deixar o mundo florir.

domingo, 23 de setembro de 2007

LOBOS MAUS FANTASIADOS DE VOVOZINHAS





LOBOS SE FANTASIAM DE VOVÓS - Embora entre nós não haja mais lobos na natureza, Lobo Mau é das primeiras fantasias de nossa infância, lembra-se ? Na estória, o Lobo Mau sai desabalado, em direção à floresta, com assassinas intenções. Chegando à cabana, devora a Vovozinha, veste as roupas dela e deita-se, com sangue na boca, aguardando a chegada de Chapeuzinho Vermelho. Você conhece a estória e sabe que as fábulas costumam tirar lições de moral. Quais seriam, no presente caso ? – “Lobos costumam vestir-se com pele de ovelha”. “Lobos se fantasiam de Vovozinha para cercar suas presas”. – “Diante de ingênuos e desavisados cordeiros, os lobos sempre têm razão”. - “Em negócios entre lobos e cordeiros, os lobos sempre levam vantagem”. E outras!

CAMPANHAS ELEITORAIS, APERITIVOS DA ESBÓRNIA - Não escrevo novidade, observando o que sabemos: a política brasileira não raro tem sido brumosa floresta, povoada de Lobos Maus. Resultados de sua proximidade e de nossa credulidade, têm sido o atraso e as injustiças na sociedade construída em nosso país. Já se culpou o povo brasileiro pelo atraso. Já se culparam os pobres, acusados de indolentes e passivos. Mas explicam melhor os problemas clamorosos de nossa convivência nacional as chamadas “elites pátrias”, nossas lideranças políticas aventureiras, despreparadas e impenitentes. Aperitivos amargos disso tudo você experimenta em campanhas eleitorais insolentes e desrespeitosas, nos palavreados vazios e nas promessas irresponsáveis: barulho e mais barulho ao redor do nada.

CIDADANIA É FRUTO DE FORRÓ E FOGUETÓRIO? - Pergunta indiscreta: em função das eleições e da escolha dos candidatos: Quantas vezes você participou de barulheiras e foguetórios, de forrós e bebedeiras ? E quantas vezes participou em reuniões da Comunidade, do seu Grupo, do seu Sindicato, do seu Movimento, para dar sua força ao avanço da democracia ? Você viu, esses dias, como existem cidadãos simpáticos, quanta carranca orgulhosa se abre então em sorrisos lupinos, atrás do seu voto! Como tem gente simpática, prestimosa e acolhedora, abraçando todo mundo, pegando na mão de todo mundo, beijando criancinhas, em manifestações de amor fraterno que não acaba mais! Pois é aí que mora o perigo. Eleições, entre nós, têm sido ocasião de favores mal intencionados e de suborno da cidadania.Tempo de Lobo Mau!

ACARNEIRADO SERÁS DEVORADO -.O que você conclui, observando o horário eleitoral da TV ? Uma conclusão eu tiro: como é difícil deduzir, de caricaturas, que Política é a função mais nobre da Comunidade e da Cidadania! Infelizmente a Política tem andado de mãos juntas com facilidades escusas, com dinheiro desonesto, com enganação dos ingênuos, com aproveitamento dos cínicos. Você deve ter assistido, estes dias, ao desfile de muito Lobo Mau travestido de Vovozinha. Devorar cordeiros é a natureza dos lobos. Se você se acarneira, será devorado. Os enganadores têm interesse de manter o povo desinformado. Pois povo desinformado é povo desfrutável, manipulável através dos discursos mentirosos e das promessas irresponsáveis. Política é a construção do bem comum; mas lobos a usam para buscar vantagens. Lobo Mau não tem sensibilidade pelo bem comum!

.MILAGRES GERINDO HONESTAMENTE SALÁRIOS MÍNIMOS - Após o registro das candidaturas, badalou-se a necessidade de vestibular para os candidatos. Discutiu-se e propôs-se, ao fim, um ditado escolar, para descobrir quem é e quem não é analfabeto. Mas letras podem não ser tudo em política: pais e mães modestos governam suas casas e fazem milagres, administrando salários mínimos. Porém não é má sugestão o vestibular para quem pleiteia cargos públicos. Não é demais exigir que saiba ler, escrever e fazer contas quem se apresenta para administrar o bem comum. No ditado escolar, provavelmente passarão quase todos. Mas existem outros vestibulares que deviam ser obrigatórios para os políticos brasileiros.

VESTIBULAR DE ÉTICA PARA OS POLÍTICOS - O que você acha de um vestibular obrigatório sobre ética ? A prova de ética teria, como um dos ítens, escarafunchar a vida de quem quer ser prefeito ou vereador. Que tal um vestibular obrigatório sobre os objetivos de vida dos nossos políticos, para ver se tais objetivos coincidem com os reais objetivos do bem comum ? Acho até que nem seria carola um vestibular obrigatório sobre os princípios religiosos e morais. Pois somos povo religioso e moral, apesar dos nossos defeitos. E se, em vez de vestibulares obrigatórios, nossos políticos fizessem sério exame de suas consciências? Concorda também com o exame de sua própria consciência ? Nossos políticos estão lá, porque nós lá os colocamos com o voto. A fábula acima termina com Chapeuzinho Vermelho perguntando ao Lobo Mau: “Para que essa bocarra imensa e essas presas escancaradas?” - “Para devorar a cidadania de vocês e me dar bem na vida”, respondem nossos lobos eleitorais.

PECADOR QUE NÃO TEVE MEDO DA MORTE

A OUTRA ZONA DO CARTEIRO – Meu amigo Audifax Rios, artista e poeta querido de todos os santanenses, em uma de suas irreverentes e humanas historietas, relembra o seguinte: - “O velho DCT (Departamento de Correios e Telégrafos) ao tempo do Morse, era um monstruoso cabide de empregos petebistas, fomentador de cachaceiros juramentados: os carteiros que, via de regra, extraviavam correspondências e afanavam os cartões e selos estrangeiros para os filhos colecionadores. No interior, havia outra nação de biriteiros que não os estafetas, os guarda-fios, chamados a trabalhar apenas quando rompiam as linhas de transmissão no meio da mata. Matavam o resto do tempo nos pés de balcão, onde relatavam repetidas e inverossímeis façanhas; pedaços da vida, perambulados em agências de remotas comunidades sertanejas”.

TRANSFERIDO DA ZONA POSTAL PARA A ZONA DE MERETRÍCIO - “Quando a autarquia virou empresa regida pela CLT, foi um deus-nos-acuda. Aposentaram, encostaram, transferiram funcionários ociosos e as cartas agora eram entregues por guapos jovens, de bom tutano nas pernas. Que fazer então com os antigos carteiros, que tinham direito à estabilidade? Lotaram-nos em comunidades da periferia, de pouca freqüência, sem correspondência urgente. Possidônio, aí pelo quarto de século a entregar cartas de amor, cobranças e notícias de parentes distantes, teve sorteada, como zona postal de sua responsabilidade, outra zona de sua bem-querença: o Farol do Mucuripe. Saía do velho prédio central às nove horas com as cartas no sovaco; quando dava dez, estava de volta na Praça do Ferreira, já com umas tantas na cabeça, para continuar o calvário, ali pelo Peixe Frito, até as duas da tarde, quando encerrava o expediente. Na maioria dos dias, nem marcava presença no Farol. Inquirido pelos amigos por que não tinha ido trabalhar, vinha sempre com a mesma resposta: - “E tu já viu puta receber carta?”

ARRAIA MIÚDA AO REDOR DA LIXEIRA - Até aqui Audifax, agora eu. Acrescida sem parar pelo descarrego permanente das caçambas, a lixeira se alastrava. A sub-humanidade freqüentadora também não parava de crescer, composta de seres maltrapilhos que, no lixo, catavam redenção. O centro da cidade e a lixeira formavam os dois pólos da população. Ao redor da igreja-matriz, estabeleceu-se historicamente a classe abastada, a pequena proporção dos proprietários das terras, do gado e do comércio. Nas trevas exteriores formigava a arraia miúda, enfiada em seus casebres. De lá acorriam os mineradores da lixeira, para concorrer, com porcos e urubus, pelo que do lixo se podia aproveitar. A matriz ao longe apontava para o céu, na indiferença rotineira que lhe dedicavam em redor os satisfeitos consigo mesmos. – “Tudo é passageiro e sem importância”, escutavam indiferentes os abastados na missa dominical. – “Tudo é passageiro e sem importância”, ecoava ao longe a pregação fatalista, em cima dos esmolambados.

O DIA EM QUE A LIXEIRA PEGOU FOGO – Antes desse dia, a lixeira cresceu, virou pequena montanha mal cheirosa, atraindo mais garimpeiros. Aumentou também a quantidade de porcos e urubus, para concorrer pelos restos apodrecidos. Crianças encardidas se ajuntavam em roda barulhenta, quando se desentocava alguma boneca estripada. O que, porém, fazia os olhos brilhar eram as sobras ensacadas de restos de comida, oferecendo-se como hóstia para a eucaristia da miséria. Evitavam-se incinerações, para não torrar os mineradores. Por isso a lixeira se espichava sobre o cascalho da capoeira. Mas, certa ocasião, o lixo pegou fogo e ardeu dias seguidos, afugentando os convivas da dieta. Semanas após o incêndio, quem parasse no asseado patamar da igreja avistava, ao longe, a coluna de fumaça negra, chegando mais perto do céu do que as torres da matriz. Da porta de seus casebres,. os pobres contemplavam o céu esfumaçado e indiferente às retóricas misseiras.

DEBAIXO DA CINZA UMA GOLDA AMARELADA - Na vida tudo passa, também as coisas ruins. O fogo que começa é também o fogo que se apaga. O mesmo sucedeu com a coivara da lixeira santanense. A fumaça diminuiu e o chão esfriou. A horda encardida e magricela retornou para ver os estragos. Os refugos calcinados da cidade pareciam agora superfície lunar coberta de cinza. Sem nada melhor a fazer, a turma enfrentou a raspagem sistemática do imenso cinzeiro. Foi quando a parábola se realizou. Sob os detritos ardentes, o pedregulho do tabuleiro se derretera em grossa camada de ouro. O pretenso proprietário, claro, logo apareceu para cercar o terreno, com muitas carreiras de arame farpado.. Mas isto é outra parábola; a nossa refere-se a riquezas escondidas em chão de lixeira. É preciso o lixo incendiar, para o fogo separar o ouro do barro.

MEU IRMÃO SÃO POSSIDÔNIO –Conheci o Possidônio de perto. Nunca lhe deram muito valor em vida. Era do tipo a quem quase todo mundo se acha superior. Visível nele era mesmo o lixo da superfície. Viveu a vida toda, enclausurado em adolescência inconclusa. Meninão de cabelos brancos! No começo da vida, saiu da casa paterna e meteu a cara no mundo. Em minha parábola, o Pai mandou buscá-lo à força. Possidônio regressou ao lar em cadeira-de-rodas. Após tanta birita na Praça do Ferreira e tanta carta bem ou mal entregue no Farol, eis agora Possidônio retornado às origens, crucificado, como o bom ladrão, por câncer terminal. Seu lixo pegou fogo e o que se ocultava sob a cinza era ouro dos bons. No ouro de Possidônio, escondia-se jóia preciosa e rara: tranqüilo destemor diante da morte. Como se anjos travessos o convidassem a “botar rabo” em jumentos falecidos, nos prados do purgatório, tal qual ele gostava de aprontar, nos prados da Canafista. A conclusão da parábola todos hão de aprovar: não há valentia maior nesta vida do que aceitar morrer sem apavoramento. Houve papas, bispos e padres que morreram aos prantos. Descobriram alarmados que a vida eterna, que tão bem pregaram aos outros, era para eles também.

OLHOS MAREJADOS DE EMOÇÃO

– Agradeço cordialmente seu investimento em nossa correspondência. Escrevo a resposta, após assistir à empolgante abertura dos Jogos Panamericanos pela televisão.. Eis à minha frente, concentrado e imediato, tudo o que idealmente desejamos: juventude, saúde, beleza, perfeição e superação. Eis aí, tornados possíveis, os ideais de fraternização e igualdade. Brancos e negros, arianos e africanos, asiáticos e mestiços, todos juntos constituindo símbolo e sonho de unidade da família humana. Emocionantes, acima de todos, os sorrisos escancarados e felizes, com todos os dentes, dos representantes da raça negra, historicamente humilhada pela escravidão. Em tais ocasiões especiais, aflora simbolicamente o que de melhor se esconde, nos desvãos defensivos de nossas trincheiras.

ESPORTE SUBSTITUINDO A RELIGIÃO – Na solene abertura, o presidente do Comitê Olímpico definiu o “Esporte como o fator mais importante na construção da unidade entre as pessoas e os povos”. O insigne senhor teria produzido, em pequena frase, a concentração dos desejos cristãos, se houvesse trocado a palavra “Esporte” pela palavra “Evangelho”. A frase ficaria assim: “O Evangelho constitui o fator mais importante na construção da unidade entre as pessoas e os povos”. .Mas seria verdade? Infelizmente não! Ao contrário, religião tem servido como motivação desestabilizadora da unidade. Em nome do Pai comum, criamos as mais profundas, dolorosas e incuráveis rachaduras, na família dos filhos de Deus. A história da humanidade é a história das guerras religiosas. Não demorou muito, para aparecerem provas da deprimente constatação.

“SOMOS A ÚNICA IGREJA VERDADEIRA” – Em meio aos nossos devaneios utópicos de união e igualdade, despertados pela conjunção panamericana dos jogos, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé acaba de promulgar documento oficial, que trata da legitimidade (ou não!) das igrejas cristãs. O documento assegura que o Catolicismo Romano constitui a única real Igreja de Cristo. As outras denominações sofrem da incurável ferida de não submeter-se ao primado do Papa. Por isso não podem se arrogar o direito de considerar-se igrejas de Cristo em plenitude.

PÁSSARO MAIOR QUE SUAS GAIOLAS - A reação no mundo todo foi imediata e indignada. Como é possível que presumam monopolizar o Cristianismo denominações religiosas com a história de tantos equívocos, cruzadas e inquisições? O que significa, na realidade e não na teoria, nos procedimentos e não nas abstrações teológicas, nos testemunhos martiriais e não em imposições autocráticas, ser verdadeira Igreja de Cristo? O Cristianismo foi mais Igreja de Cristo nas catacumbas das perseguições ou nas fogueiras da Inquisição? O Jesus dos Evangelhos estaria mais presente na pessoa do Inquisidor do que na pobre camponesa, analfabeta e sem defesa, queimada viva como feiticeira? Exclusões presunçosas não ajudam na construção da unidade. Ao contrário, acordam e exacerbam sementes da discórdia.

DESAUTORIZANDO SUORES CONSTRUTIVOS – Foi o que se viu mundo afora, em reações iradas. As plantinhas tenras dos esforços ecumênicos de aproximação foram atropeladas. Sensíveis e delicadas iniciativas de superação dos obstáculos, na construção do caminho comum, sentiram-se desautorizadas. Virtude fundamental da Igreja de Cristo – UNIDADE - foi posta de lado e substituída por polêmica sobre filigranas teológicas, que pouco ou nada têm a ver com o que gera a vida do mundo. Desmotiva a esperança o que tem a missão de animá-la! O Evangelho não deixa dúvidas: “Todos sejam um, a fim de que o mundo reconheça que tu, ó Pai, me enviaste!” A prova da salvação trazida por Jesus não é fornecida por teólogos, em seus arrazoados, nem por hierarcas em suas declarações, mas pela unidade fraterna dos filhos de Deus .O mundo dividido reconhece que foi o Pai quem enviou Jesus, se convivermos como irmãos, e não através de guerras religiosas ou da proclamação de princípios abstratos.

UNIDADE NÃO É FRUTO DE IMPOSIÇÃO - O que é vivo nasce e cresce de dentro para fora. O que é inanimado monta-se de fora para dentro; Não existe unidade evangélica imposta de fora para dentro. Unidade imposta através de hierarquia e disciplina é coisa de quartel. Jesus certamente não planejou, para sua Igreja, uma convivência de quartel. Quando a unidade, dentro da família, é conseguida através de autoritarismos e ameaças, cria-se uma geração de neuróticos. Se a Igreja trabalha com imposições e ameaças, usa o Nome de Deus em vão e tem de criar inquisições. Eliminação da dissidência e imposição do pensamento único constituem o contrário do que Jesus viveu e ensinou. Se o caminho do inferno é calçado de boas intenções, as pedras do calçamento talvez sejam argamassadas com as variadas e controversas teologias, que se encarregam de animar as chamas, com suas acaloradas discussões. Como Deus é infinito e a eternidade nunca termina, elas terão assunto e tempo para discutir por toda a eternidade.

NO MEIO DA FESTA O FIM DA ALEGRIA – A jovem senhora aguarda desolada, no saguão de Congonhas, a chegada dos três filhos, que passaram férias em Porto Alegre .A jovem mãe e dezenas de outras mães, pais, irmãos, parentes, amigos, dos outros passageiros do avião sinistrado. Muita aflição, tristeza infinita e inconsolável! Os entes queridos retornaram a São Paulo na forma de corpos carbonizados. O saguão de Congonhas era o contrário do Maracanã panamericano. Em meio ao desfile glorioso de beleza física, saúde corporal, superação de limites, consagração de vitórias, caiu de repente, no meio da humanidade bem sucedida, a realidade ineludível da fragilidade e da finitude.. Perante o indizível sofrimento, picuinhas sectárias perdem qualquer sentido. Colaboram com as divisões, se deixam de investir, na misericórdia e na compaixão, tempo e esforços, empregados na inutilidade das teologias estéreis.