sexta-feira, 30 de novembro de 2007

LÁ EMBAIXO A IGREJA ERAM ELES

PORQUINHOS DE MINHA INFÂNCIA – Quando menino em Santana, ainda não eram cercadas as terras na beira do rio, no lado de cá da ponte. Hoje, arame farpado ao redor delas impede a cidade de expandir-se para o nascente. O que era várzea aberta, povoada de canafisteiras, onde se aninhavam canários, rolinhas e cabeças-de-fita, hoje é só canarana, para engorda do gado. A meninada devassava com gosto aquele chão, para armar alçapões e tomar banho no rio, sob imponente marizeira, que não sei se ainda existe, se foi perversamente cortada, se foi lamentavelmente arrastada rio abaixo, na grande enchente. A frondosa árvore alçava-se ao céu, bem no canto de enorme chiqueiro de porcos. Eram bem uns quarenta porcos! Mais da metade do chiqueiro era tomada por lama, que chegava às costelas dos suínos e aos joelhos dos tratadores. Achava-se então que porco gosta de lama, precisa de lama. Então haja lama para eles: carregava-se água do rio em velhas latas de querosene jacaré, para deixar no ponto, bem pastoso e abundante, o lamaçal da pocilga.

PORCÕES RAPINANDO PORQUINHOS – Hoje sabe-se que porcos, como todos os seres vivos, gostam de água, a fim de refrescar-se do calor. Quanto mais limpa melhor! Por aí afora, em viagens a serviço do ministério presbiteral, observei como os animais, também os porcos, se criam limpinhos. Nunca vêem lama! Vivem forrados por grossa camada de serragem, periodicamente substituída. São criados limpos e sem verminose, sadios e felizes. Mas, quando meninote, eu gostava de apreciar a criação, perto da marizeira, na barranca do Rio Acaraú. Minha curiosidade juvenil coincidia, às vezes, com a chegada do tratador, trazendo comida. Os sacos de milho despertavam animado fuzuê entre os inquilinos. Na hora de avançar, os porções alijavam os porquinhos para fora do cocho e muitos destes caíam na lama .Eu achava divertido o jiu-jitsu suíno dos porcos maiores, rapinando a refeição dos porcos menores. Os mais fortes levavam vantagem e os mais fracos herdavam a lama, para consolo e compensação. Naturalmente os maiores eram mais gordos do que os menores.

CAPTURA DE PORCOS SELVAGENS – Talvez servindo café dormido, volto ao safári, descrito com graça e estilo, semanas atrás, pelo nosso Malheiros. Espalha-se milho no chão, os javalis chegam, habituam-se com o milho fácil, perdem o costume de lutar pela comida, armam-se cercas ao redor do milho, os javalis se acostumam com as cercas, pois sentem mais urgência de comer que de fugir. No dia certo, tranca-se a porteira e os javalis perdem a liberdade: são transformados em porcos de chiqueiro. A estória, contada no REPASSANDO, despertou reações iradas. Foi entendida como parábola malévola para a situação do povo brasileiro, seduzido com migalhas por seus capatazes. Guardo, na lembrança, a imagem sensata do nosso Malheiros. Estou convencido de que ele continua incapaz de, pelo prazer da tirada, sair do seu habitual fair-play. Também não vejo proporção entre o aparente susto com as reações indignadas e o propósito desmotivado de afastar-se do REPASSANDO. Prezado Malheiros, leio sempre, com muito gosto, o que você nos escreve. Só insisto que você podia contar mais sobre sua vida aventurosa, andarilha e cosmopolita. Para inveja minha!

MILHO DOS PORCOS E PROGRAMAS SOCIAIS – A parábola suína me dá coceiras no teclado, para tecerem-se ilações venenosas, contra os programas sociais do Governo. Sobretudo contra o Bolsa Família. Em nossas necessidades básicas permanentemente apaziguadas por comida boa e suficiente, em nossos neurônios diuturnamente reciclados e capacitados a funcionar a contento, a tentação é grande. E nela caímos até no meio da noite, quando nos levantamos para matar a sede da ressaca anterior. Confundimos a lâmpada da geladeira com refletores da televisão e desandamos a discursar diatribes contra a calamidade do assistencialismo: - “Nada mais de peixes de graça, arranja o anzol e aprende a pescar!” Nossa “elite branca”, impenitente e contumaz, deblatera deliciada contra “programas paternalistas, que não passam de esmolas ineficazes, continência demagógica com chapéus alheios, milho espalhado na mata, que leva o povo a contentar-se com migalhas, a não querer mais trabalhar, a vender a primogenitura pelo prato de lentilhas!” – Discurso digestivo de quem está bem alimentado. Barriga cheia é mesmo mãe de muitas filosofias, sobretudo da filosofia sobre a fome alheia.

FORMIDÁVEL SELVA DE PEDRAS – Décadas expatriado na Baixada Fluminense, observei o crescimento vertiginoso de Fortaleza, retornando da Praia do Futuro pela Avenida Santos Dumont. No alto da colina, descortinei subitamente a densa floresta de espigões. Nenhum deles existia há trinta anos. Quem compra tanto apartamento? Existe mercado para a pletora de ofertas? Claro que existe, pois a oferta é indissoluvelmente casada com a procura. Mas, chegado da Baixada, eu não estava interessado em leis de mercado. Agente social e pastoral engajado nos imensos bairros proletários na periferia do Rio, lembrei-me do “meu povão”, os operários que constroem os prédios e deles afastam-se, depois de prontos. Multidão incontável dos peões de obra, suando a camisa, carregando tijolos, transportando massa, fazendo paredes subirem, deixando edifícios nascerem. Irracionais inconseqüentes e desfrutáveis certamente não são eles, que fazem o trabalho pesado e ganham migalhas. Caroços de milho espalhados no chão não são isca atraente e graciosa, mas salário perverso da injustiça. Testemunham mais contra os caçadores do que contra os javalis.

ALÉM DA QUEDA O COICE – É notório o desprezo arrogante do opressor pelo oprimido. Igual à aversão pela prostituta, da parte de quem a usa. A libertação dos escravos, no Brasil, foi perpetrada a prestações. Para que a “elite branca” se acostumasse homeopaticamente com o fato inaudito de os negros não serem mais escravos. Persistiremos, muitas décadas ainda, envenenados com os resquícios perversos das relações sociais escravocratas. Ainda demora a constatação do óbvio: quem realmente “construiu os prédios”. Chibata na mão, na língua ou no Código arrenda a presunção de sermos produtores das riquezas. Os “negros” são carregadores de massa e de tijolos, trabalho que, com o tempo, as máquinas realizarão. Cidadão afetivo da Baixada Fluminense, morador por décadas nos subúrbios proletários dos que edificaram o Rio, nunca vacilei na certeza de que vida humana, também a dos pobres, é mais importante do que coberturas milionárias que eles construíram. Fecho a reflexão com poesia do cancioneiro popular, que muito me agrada. Certamente cada um de nós já ouviu isso mais de uma vez:

Tá vendo aquele edifício, moço, ajudei a levantar. Foi um tempo de aflição, eram quatro condução, duas pra ir duas pra voltar. Hoje depois dele pronto, olho pra cima e fico tonto. Mas me vem um cidadão e me diz desconfiado: - “Tu tá aí admirado ou tá querendo roubar?” Meu domingo tá perdido, vou pra casa entristecido, dá vontade de beber. E pra aumentar meu tédio, eu nem posso olhar pro prédio, que eu ajudei a fazer.

Tá vendo aquele colégio, moço, eu também trabalhei lá. Lá eu quase me arrebento, fiz a massa pus cimento, ajudei a rebocar. Minha filha inocente vem pra mim toda contente: - “Pai, vou me matricular!” Mas me diz um cidadão: - “Criança de pé no chão aqui não pode estudar!” Essa dor doeu mais forte:” Por que é que eu deixei o Norte”, eu me pus a me dizer. Lá a seca castigava, mas o pouco que eu plantava tinha direito de comer.

Tá vendo aquela igreja, moço, onde o padre diz amém. Pus o sino e o badalo, enchi minha mão de calo, lá eu trabalhei também. Lá que valeu a pena, tem quermesse tem novena e o padre me deixa entrar. Foi lá que Cristo me disse: - “Rapaz, deixa de tolice, não se deixe amedrontar! Fui eu quem criou a terra, enchi o rio fiz a serra, não deixei nada faltar. Mas o homem criou asas e na maioria das casas, eu também não posso entrar. Fui eu quem criou a terra, enchi o rio fiz a serra, não deixei nada faltar. Hoje o homem criou asas e, na maioria das casas, eu também não posso entrar!”


A estrofe conclusiva muito me agrada. Não porque eventualmente alimente ingênuos triunfalismos eclesiásticos. Não porque nossa Igreja local sentisse demagogicamente peninha dos pobres. Não porque convivi três décadas com as comunidades eclesiais da classe operária. Não porque a Diocese local se organizasse como dom gratuito maternalista para o povão destituído. Pensando bem, acho que minha satisfação com a última estrofe vem da certeza de que, lá embaixo, a Igreja eram realmente eles!

Com amizade - Luís

sábado, 24 de novembro de 2007

"DESÇA DAÍ QUE PRECISO DEVORÁ-LO!"

A ROUPA NOVA DO REI – Dois espertalhões chegaram ao reino, onde novo monarca seria entronizado. Alegria barulhenta nas ruas, preparativos minuciosos no palácio. O novo rei queria roupa de gala para a coroação. A notícia espalhou-se e dois finórios se apresentaram no palácio como afamados costureiros, oferecendo-se para confeccionar o traje real. Aceita a oferta, o rei autorizou seu ministro das finanças a fornecer aos costureiros todo o apoio necessário. Dinheiro fácil e abundante. Sendo assim, os dois malandros passaram a aparecer constantemente no palácio, a fim de apresentar sempre novas exigências. Em vez de desconfiança, o mistério aumentava o contentamento e a curiosidade. Como vai ser o traje de gala? O rei vai gostar? O povo vai aplaudir?

ESPERTALHÕES EXPLORANDO INGÊNUOS – Não sendo trouxas como seus financiadores, os costureiros espalharam o seguinte boato: “O rei será coroado com uma capa mágica, que só será avistada pelas pessoas de bom coração. Quem for ruim, perverso, ladrão, corrupto, sonegador, desviador das verbas públicas, devorador da merenda escolar das crianças pobres, produtor de listas fictícias nas folhas de pagamento etc. não enxergará nada, apresentando assim a prova de sua falta de caráter. As mulheres adúlteras também não avistarão a capa encantada do rei. Enxergar a capa mágica será o atestado de idoneidade moral. O suspense crescia na proporção dos exames de consciência. Exames necessários, para planejar os disfarces e não perder a pose.

SUOR DO POVO TRANSFORMADO EM CAVIAR – Enquanto isso, os dois costureiros ladinos levavam a vida à tripa forra. Vinhos franceses com tira-gosto de caviar, pois dinheiro farto não parava de escorrer do palácio, na direção da “alfaiataria”. Dinheiro, diga-se de passagem, arrancado a fórceps pelos impostos escorchantes, reformas tributárias de araque e belas promessas de futuro melhor. Se dando bem em meio a tanto abestado, os “artistas da tesoura” não tocaram em pano e mal sabiam enfiar a linha na agulha. Mas a propaganda sobre a roupa nova do rei se espalhara em ondas e o povão, enganado e roubado como sempre, também embarcou, esquecendo que sua função era pagar as contas da festa.

FINALMENTE CHEGOU O GRANDE DIA – Mas, antes, veio o dia das provas e retoques. Os dois falsos costureiros, pisando firme no palácio no meio de uma corja de otários, pulavam de lá para cá, ao redor do real freguês. Puxavam daqui, fingiam dar pregas ali, tomavam distância, repuxavam de lá, acertavam de cá, sem esquecer as interjeições embevecidas de admiração e contentamento. No meio do espalhafato, o pascácio do rei, tão nu como veio ao mundo, avistava deslumbrado a roupa que não existia. Não podia deixar de ostentar idoneidade moral, a fim de tornar-se rei. Era preciso parecer o que não era, para o povo idiotizado coroá-lo como soberano, administrador apto para gerir o bem comum. Numa hora dessas, aparência é tudo. Que importância tem mentir, se mentir ajuda a chegar lá? Mas vamos ao dia da festa!

DESFILE TRIUNFAL DA COROAÇÃO – A passarela de glórias começava no palácio e ia até o palanque, armado na praça principal. A expectativa da massa humana era grande e todo mundo da cidade estava na festa. De repente, após os atrasos regulamentares, abrem-se os portões do palácio e, na procissão de batedores, ministros e puxa-sacos, surge a carruagem real, enfeitada como árvore natalina, com o jovem monarca desfilando de pé, com as pudendas balançando ao vento. A multidão urrou como gol no Maracanã, em domingo de Flamengo, ovacionando a obra de arte, na qual o rei estava envolvido. Ninguém queria passar por desclassificado moral. Traje chiquérrimo! Sobretudo os saduceus empedernidos, de cabelos esbranquiçados de cínica malandragem, teciam, aos brados, comentários elogiosos: - “Majestade, que obra de arte! Quem foram os gênios que a confeccionaram? Queremos que eles costurem roupas tão bonitas, para toda a nossa família! Nunca vimos capa tão linda e como ela sentou bem em Vossa Majestade!”

“MAMÃE, O REI ESTÁ NÚ!” – E a multidão trovejando atrás. Para não passar por infame, todo mundo aderiu às ovações à veste invisível, que deixara o rei com a genitália de fora. Mas era voz unânime, sobretudo dos mais velhos, pois o diabo vira diabo depois de velho, que o reino jamais tivera monarca tão bem vestido. Foi então que, em meio ao alarido, uma criança, nos braços da mãe, começou a gritar. A turba vociferante ao redor fez silêncio, prestando atenção aos brados do menino. Aos poucos, como pedra jogada em açude, o silêncio espalhou-se em ondas e o rugido dos vivas cedeu à cristalina voz infantil que, do colo da mãe, berrava admirado: - “MAMÃE, O REI ESTÁ NÚ!” A gritaria do menino foi tomando conta da praça e, daí a pouco, a turba jogou a máscara fora e passou a bradar também: - “O REI ESTÁ NÚ!” Vendo-se despido de suas aparências, o soberano doidivanas teve que fugir às pressas e desaparecer. Desmascarado em sua nudez pelo testemunho inocente da criança que ainda não sabe mentir, perdeu as condições de governar e precisou passar o poder a outras mãos, dando razão ao provérbio sobre esperteza e burrice: quando grandes demais, viram fera e comem o dono.

ASCENDEU NA CORDA DE PESCOÇOS ALHEIOS – A fábula dos alfaiates espertalhões voltou-me à lembrança no Natal passado, por causa do paroquiano anti-comunista anti-castrista, com filho gloriosamente se formando médico, na Ilha do Diabo, gerida pelo ferrabrás excomungado. Foram-se os tempos de desesperançada pobreza e passaram os dias de chinelos no curral. Devagarzinho profissionalizou-se em “tirar corda do pescoço de enforcado”, através de inventiva agiotagem. Uma joiazinha tradicional das famílias ali, o relógio de ouro de estimação deixado pelo avô amanhã, alianças preciosas do nosso casamento, pendurava tudo em usura desalmada. Os penhores eram avaros, o dinheiro ainda era escasso. Mas o cômputo geral era compensador. De grão em grão a galinha enche o papo. Sofrimento alheio, produzido pela dolorida alienação de patrimônios sagrados das famílias? Problema delas! Não fui eu quem fez o mundo e é nesse mundo que preciso me virar! Não misturo sentimento com livro-caixa!”

NO NATAL SE VESTIA DE PAPAI NOEL – Durante o ano, estava mais para Rei Herodes do que para São José. Assessor graduado em secretaria municipal, corriam estórias cabeludas sobre sangrias vampirescas, nas jugulares do orçamento. A veia mais visada era a verba da merenda escolar, pois criança não vota nem reclama. Em sua fazendola, os moradores passavam a pão que o diabo amassou e água do açude, cercado de arame farpado. – “Vai trabalhar como eu, vagabundo!” era o infalível bordão. na cara de mendigos que lhe pedissem esmolas. Sobre o dízimo paroquial, testemunho autorizado: “Não suei a camisa a vida toda, para dar meu dinheiro a padre!”. Mas, tempo de Natal, nosso Joel vestia-se de Papai Noel e faturava uns cobres. De graça, nem Papai Noel! A esse título, Joel entra na presente crônica. Fantasiado de Bom Velhinho, distribuía paz e amor à criançada, na frente do supermercado. Foi quando um menino já crescidinho, nos braços da mãe, começou a gritar: - MÃÊÊÊ, NÃO É O PAPAI NOEL, É O SEU JOEL DO AÇOUGUE!” Os pezinhos infantis eram insuficientes para percorrer a distância infinita entre o espírito natalino e a longinqua caverna feroz do Seu Joel;

URUBUS FANTASIADOS DE PAVÃO – Termina-se a recontagem da estória, com verdade moral antiga, que virou dogma de fé popular: - “Queres conhecer o vilão, mete-lhe vara ou dinheiro na mão!” Vara ou dinheiro na mão foram historicamente símbolo de poder. Feixe de varas, na cultura antiga, identificava os cônsules e pretores romanos. Dinheiro na mão de alguém funciona como Raio-X que revela, não ossos e tecidos, mas entranhas morais. Poder e dinheiro vestem urubus com penas de pavão. Por trás de aparências colloridas, delatam a nudez repulsiva do caráter. Direito e dever do cidadão é clamar que O REI ESTÁ NU, a inocência não mente. Se você não vai nessa, fica pagando a conta, inchando as mãos de tanto bater palmas.E os dois “costureiros” malandros? Escafederam-se, em busca de outros “reis” sem consciência, dispostos a torrar o dinheiro público em projetos vaidosos e corruptos. E os saduceus bajuladores? Reuniram-se para decidir o próximo saco poderoso a ser puxado. E nós? Convidados a descobrir que o grande inimigo do indivíduo é o Poder. Quem não lhe resiste é britado em pedacinhos. Tem muito crocodilo faminto convencendo macaquinho a descer da palmeira. Seu Joel do Açougue está aí e não me deixa mentir!

Com a amizade de sempre - Luís

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

OS MAUS ODORES AQUI DE BAIXO


CHEGOU A VEZ DELE TAMBÉM – Como todo mundo morre, chegou a vez do inefável Sr. Paul Tibbets. Demorou mas chegou! A mídia americana reportou: aos 92 anos de idade, de falência cardíaca, na cidade de Columbus (Ohio) onde morava, acaba de falecer o homem que despejou a bomba atômica sobre a cidade japonesa de Hiroshima. Matou, na hora, mais de 140 mil pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Dezenas de milhares de famílias iguais às nossas que, às oito e meia daquela manhã de 06 de agosto de 1945, viviam suas amadas rotinas da existência familiar: o café da manhã, a escola das crianças, o expediente profissional de cada dia. Em um segundo infernal, tudo foi desintegrado e virou cinza vulcânica. O monstruoso atentado aconteceu no fim da Segunda Guerra Mundial, de forma desnecessária, quando os Estados Unidos já ganhavam a guerra. Alegaram a necessidade do crime clamoroso para acabar com a teimosia japonesa. Mas historiadores sérios acham que a motivação maior foi a necessidade de testar o artefato que automaticamente delegava aos Estados Unidos a soberania guerreira no mundo.

ACEITOU A MISSÃO COMO PRIVILÉGIO – Aviador militar experimentado, Mr. Paul Tibbets foi escolhido a dedo para desempenhar a missão. Mas empreitada tão transcendental e carregada de responsabilidades precisava depender também da decisão pessoal. Paul Tibbets aceitou a “honraria”. No dia aprazado, subiu no cockpit do seu bombardeiro, com mais treze tripulantes auxiliares. Tomaram-se todas as providências, criaram-se todas as condições materiais, pois naquela “missão” nada podia dar errado. Lá se vão os 14 “heróis americanos” para os céus do Japão. O tempo estava bom e a luminosidade, como o diabo gosta. A missão tinha que ser executada em dia claro, pois era da maior importância observar o resultado lá de cima. Lá embaixo, a metrópole japonesa prosseguia a rotina agitada de todos os dias, cada ser humano com seu projeto pessoal, seus horários, seus pequenos ou maiores objetivos de vida. Eram as condições ideais previstas, para testar os resultados da primeira explosão nuclear na história humana, sobre região habitada. Sinal verde e Paul Tibbets aperta o detonador que, segundos depois, produziu a explosão apocalíptica.

AVIÃO BATIZADO COM O NOME DA MÃE – Exigência formal de Paul Tibbets foi escrever, com letras garrafais, o nome de sua mãe ENOLA GAY, no corpo da aeronave genocida. Em fração de segundos, ao simples acionar de um botão, mais de 140 mil pessoas foram desintegradas. Muitas dezenas de milhares de outras morreram depois, em conseqüência da irradiação nuclear; e outros tantos milhares foram reduzidos à vida vegetativa, pela invalidez permanente e por doenças incuráveis. Paul Tibbets declara, em seu relatório posterior ao lançamento: “A cidade que nós, minutos antes, víramos, lá embaixo, iluminada pelo sol da manhã, havia sido transformada em montão de destroços, cobertos por densa camada de fumaça e chamas”. Do seu papel de disparador da bomba atômica em cima de população inocente, destruindo a vida de tantas centenas de milhares de pessoas, Paul Tibbets nunca se arrependeu abertamente. Alegava, para se explicar, que, através do seu feito, muitas vidas americanas foram poupadas, pois tornou-se então desnecessária a invasão do Japão, pelas tropas nacionais.

“EU ESTAVA CUMPRINDO ORDENS!”
– Foi a desculpa que deram os criminosos nazistas, que também eliminaram centenas de milhares de vidas inocentes. Parece mesmo que o grande inimigo do individuo é a autoridade. Caminho de personalização e humanização passa invariavelmente pela libertação das opressões e obediências cegas. Voltando ao assunto, o militar Paul Tibbets acha que cumpriu tarefa patriótica: - “Não digo que estou orgulhoso de ter matado tanta gente. Mas não fui eu que comecei aquilo, não tomei parte no planejamento, fui designado para a missão, não podia desobedecer ao código militar. Agora só posso constatar que a coisa funciona da forma mais perfeita que os planejadores idealizaram”. Tais declarações, traduzidas de maneira mais ou menos livre, saíram no semanário alemão DER SPIEGEL. Pela bomba atômica ou por tantas outras causas, todos os personagens envolvidos daqueles tempos criminosos já se foram, nem o mais poderoso e bem armado escapou. Em população que adora armas e usar armas, Truman, o presidente americano de então, e Paul Tibbets podem até ser considerados heróis nacionais, em terrível equívoco. A certeza já acontecida de sua finitude coloca questionamentos bem mais sérios do que vitórias eventuais em batalhas militares.

ONZE DE SETEMBRO FOI CAFÉ PEQUENO – Nossas cabeças, inevitavelmente colonizadas pela mídia americana ou dependente, internalizaram, de tanto ouvir, que o 11 de Setembro foi o maior atentado terrorista da história humana. O leitor assuma assento neste júri e ajude a decidir. Comece pelo número de vítimas. Ao que se sabe, os atentados às Torres Gêmeas e ao Pentágono mataram ao redor de cinco mil pessoas. Isso em nada justifica, mas aquelas torres não eram edifícios de habitação. Muito menos o Pentágono, central guerreira dos Estados Unidos. O grande pecado dos terroristas islâmicos foi violar a “sacralidade” do território americano e eliminar “sagradas” vidas americanas, mais preciosas e asseguradas do que a montoeira de ratos e formigas orientais, lá embaixo. Nas declarações posteriores do Sr. Paul Tibbets, ficamos sabendo que tinha de ser escolhida, para o lançamento inaugural, uma cidade grande, situada em planície aberta, com intensa urbanização e densidade populacional. Era importante poder computar os efeitos devastadores. Tais foram as condições ideais, escolhidas para o grande crime, que inaugurou os tempos modernos. Você, do júri, decida qual foi o maior atentado terrorista da história da humanidade.

“RELIGIÃO ENVENENA TUDO” – A esse título ou com a intenção de demonstrar sua veracidade, “ateólogos” faturam rios de dinheiro sujo, com seus livros espetaculosos, e parece que impressionaram participantes do REPASSANDO. Os “finórios” “ateólogos”, em plena vitalidade existencial, no gozo de saúde, prestígio e muitos dólares, garantem que todos os males do mundo foram causados pela religião. Dão, como exemplo, o atentado às Torres novaiorquinas. Perpetrado, segundo os “grandes sábios”, por pessoas profundamente piedosas. Não só isso, mas exatamente por serem pessoas piedosas. Aterrorizaram porque eram profundamente religiosos. Passa pela sua garganta que bombardeio de inocentes é atitude tipicamente religiosa? Hitler foi o que foi, porque era católico. Isso entra na cabeça de alguém? Antigamente, a filosofia era considerada como serva dócil da teologia e, a esse título, foi usada e desfrutada. Mas, colocando atentados terroristas no rol dos atos religiosos, os “novos sábios” obrigam a filosofia a servi-los, na base da chibata, a fim de carregar seus pedregulhos e lixo intelectual. Já não era sem tempo de descobrirmos que Deus pouco tem a ver com nossas filosofias desfrutáveis e com a conclusão de nossos silogismos. Isso continua sendo discussão inútil de quem ficou lá embaixo, na planície e não atendeu aos convites de escalar a montanha e transferir-se ao oxigênio das alturas.

Com a amizade de sempre: Luís

terça-feira, 13 de novembro de 2007

ESTÓRIAS ANTIGAS DE REINOS E REIS

O TEMPO VOA IRREVOGÁVEL – Em painel de azulejo perto da sacristia, no vetusto convento franciscano de Salvador, dois agricultores empurram o arado, puxado por bois. Os homens parecem cansados e sem esperança, perante o horizonte que se abre infinito à sua frente. Como se dissessem: “Por mais que avancemos, nunca chegaremos lá”. O painel está encimado pelo dístico latino: “Volat irrevocabile tempus”: o tempo voa irrevogável. Na etimologia, irrevogável é o que não pode ser chamado de volta. Como, por exemplo, o Natal do ano passado. Parece que foi ontem e já é Natal de novo! Com tanta rapidez, que o comércio antecipa as vendas. E haja correria, em direção a horizontes que nunca chegam! A fim de amarrar o tempo escorregadio e irrefreável em referência consistente, a Igreja celebra Cristo Rei, na conclusão do ciclo que se foi, na abertura do novo ciclo que começa; Tudo passa, só Deus não passa!

QUEM ACREDITARIA NELE? – Tempos atrás, equipe alemã realizava escavações arqueológicas no Egito, em busca dos mundos antigos. Com esforço, suor e cuidado, arrancava do chão restos do passado, resquícios de faraós onipotentes. Tão poderosos que eram considerados filhos de Deus e o povo não podia fitar suas faces divinas. Certo dia, no calor das escavações, surgiram da terra pedaços de papiro amarelado, que despertaram imensa curiosidade. Após cuidadosamente examinados e decifrados, os sábios constataram que se tratava de fragmentos muito antigos do Evangelho de São João. Por coincidência, justamente as páginas que descrevem o processo de Jesus diante de Pilatos. O representante do Imperador romano pergunta a Jesus se ele era rei. Jesus responde que sim, que para isso viera ao mundo, a fim de implantar o reinado da Verdade. Foi quando o assunto parou de interessar a Pilatos. Discussões filosóficas sobre a verdade interessaram a Jesus menos ainda.

RELIGIÃO, INSTRUMENTO DOS CÉSARES – Para lembrar a brevidade passageira do tempo, a Comunidade cristã celebra Cristo Rei, encerrando o Ano Eclesiástico e abrindo as perspectivas dos novos tempos. Cristo asseverou que era rei, nas circunstâncias mais improváveis: preso, de mãos amarradas, torturado no corpo e na alma, coroado de espinhos e não de ouro. Proclamou-se único rei verdadeiro, perante o representante do real soberano deste mundo. O instrumento que Cristo deixou para anunciar seu reino foi a Igreja. A qual, com seus dolorosos equívocos históricos, tantas vezes retardou o nascer do Sol. Em nome desse Cristo, que jamais desejou exercer poder e dominação, os batizados, e até os que se têm na conta de “reborn in Christ”, cometeram e continuam cometendo as piores atrocidades, as mais cruéis opressões. Era o que normalmente sucedia, toda vez que a Fé identificava-se com o Império. Quando o anúncio evangélico era substituído pelo subjugo e a conversão era imposta, como sujeição das consciências.

AVALISTA DE INTERESSES ANTI-EVANGÉLICOS – Quando não convertida, a Gerente oficial do Evangelho funcionou, frequentemente, como instrumento do poder dos homens e não do poder de Deus. Caiu na tentação e confirmou a sociedade de interesse dos poderosos e não a convivência fraterna igualitária, querida por Deus. Para reflexão, na conclusão do presente Ano Eclesiástico, transcrevo trechos da Segunda Carta de Hernan Cortez, conquistador do México, enviado à recém-descoberta América pelos reis católicos da Espanha, a fim de anexar essa parte do mundo ao Império espanhol e ao universo da Fé verdadeira. O relato completo do conquistador não deixa dúvida: os batizados invadiram e saquearam, destruíram e assassinaram culturas e comunidades indígenas, que viviam, mais do que aqueles cristãos, profundos e numerosos valores naturais do Evangelho. Cristo Rei e sua Firma passam a ser usados anti-evangelicamente, como instrumentos e avalistas de interesses do ter e do poder. Vejamos, em trechos da carta de Hernan Cortez, o que os cristãos fizeram com os índios, em nome da propagação da Fé e do Império.

”COMO CRISTÃOS VALENTES ENFRENTAMOS OS INIMIGOS” – Continua o portador do Evangelho para as terras americanas, em sua Carta ao Rei da Espanha: - “Não havia entre nós quem não estivesse com muito temor, por estarmos tão dentro daquelas terras, entre tanta e tão má gente, e tão sem esperança de socorro de parte alguma. Ainda mais que tínhamos algumas pessoas querendo desistir da tarefa, só não o fazendo porque eu lhes disse que, como cristãos, éramos obrigados a lutar contra os inimigos de nossa Fé e já havíamos conseguido, no outro mundo, a maior glória e honra que, até nossos tempos, nenhuma geração havia ainda conquistado”.

“EM DUAS HORAS MATAMOS MAIS DE TRÊS MIL” – E segue em frente, em sua missiva, o representante dos Reis Católicos: - “Chamei alguns chefes da cidade, dizendo que queria falar-lhes, e tranquei-os em uma sala, com o aviso para que, quando ouvissem um tiro de escopeta, caíssem sobre a maior quantidade de índios possível. E assim foi feito! Em duas horas, matamos mais de três mil índios e prendemos na sala todos os chefes. Depois saímos pela cidade e deparamos com a enorme quantidade de gente de guerra que iria nos atacar. Mas, como eles estavam desprevenidos e sem seus comandantes, os desbaratamos na maior facilidade...”

“JESUS CRISTO E NOSSA SENHORA EM VEZ DOS ÍDOLOS” – Conclui a carta do genocida batizado: “Em lugar dos ídolos, mandei colocar imagens de Cristo, de Nossa Senhora e de outros Santos, apesar da resistência de Montezuma e outros nativos, por entenderem que as comunidades se levantariam contra mim. Eu os fiz entender quão enganados estavam em ter esperança naqueles ídolos e que deveriam saber que existe um só Deus, Senhor universal de todos, o qual havia criado o céu e a terra e todas as coisas e, sendo imortal, é a Ele que deviam adorar”.

APRESENTA-SE MAIS UM REI PODEROSO – Pulamos do século XVI na América colonial para o século II antes de Cristo, na Palestina. Naquele Antigo Testamento, deparamo-nos com um monarca poderoso, retratado no livro bíblico dos Macabeus. “Aconteceu que, naqueles dias, foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe, aos quais o rei, por meio de golpes de chicote e nervos de boi, quis obrigar a desrespeitar a Lei de Deus. Um deles, tomando a palavra em nome de todos falou assim: - “Estamos prontos a morrer, antes que violar as Leis dos nossos pais!” O segundo jovem, já prestes a dar o último suspiro após muita tortura, falou assim: - “Tu, ó malvado, nos tiras a vida presente. Mas o Rei do Universo nos ressuscitará para a vida eterna, a nós que morremos por suas Leis!”

“PARA TI NÃO HAVERÁ RESSURREIÇÃO”
– O rei e seus esbirros passaram então a supliciar o terceiro rapaz, que falou cheio de confiança: - “Do céu recebi estes membros e por causa de suas leis eu os desprezo, pois do céu espero recebê-los de novo!” Acabada com a vida deste também, submeteram o quarto irmão às mesmas perversidades, desfigurando-o de tanto suplício. Estando quase a expirar, o jovem falou assim: - “Prefiro ser morto pelos homens, tendo em vista a esperança dada por Deus, que um dia nos ressuscitará. Para ti, porém, ó rei, não haverá ressurreição para a vida!” O rei e os que o acompanhavam ficaram impressionados com a coragem daqueles adolescentes, que consideravam o sofrimento como se nada fosse. E assim, os sete irmãos Macabeus, um por um, deixaram ao mundo e à história a imortalidade do seu testemunho;

MORTE CHEGA TAMBÉM PARA OS POLTRÕES – O nome daquele rei teria ficado ignoto na lixeira da história, não tivesse ele pegado carona, com sua perversidade, no heroísmo dos Macabeus. O nome do rei Antíoco Epífanes foi conservado, para sua própria vergonha. E a fragilidade absoluta dos papiros amarelados, desenterrados no Egito no começo do século passado, testemunha a inutilidade das múmias para projetos de imortalidade. Os heróis conquistadores do século das Descobertas são vistos hoje como grandes criminosos. Tudo passa, todos passaram. Volat irrevocabile tempus! A vida humana, dos santos e dos pecadores, é como capim, que nasce no telhado: seca aos primeiros calores do sol. Na voragem incontrolável da brevidade terrena, somos convidados a amarrar o barco em pontilhão que resista às marés.

QUEBRAMOS A LÂMPADA COM NOSSAS PEDRADAS – Todo novembro, a Igreja conclui o Ano Litúrgico, rememorando Cristo Rei, antes de ingressar em novo Advento. O Dono da Festa, diante de Pilatos, afirma ser rei, nas condições mais improváveis. Eis mais um Natal “ante portas”, trazendo ansiedade compulsiva de nos locupletarmos de tudo aquilo que faltou no berço do Homenageado. Como pobretões enricados, possivelmente ressentidos com a pobreza da infância, nos vingamos da pobreza de Cristo, enchendo-nos de badulaques supérfluos. Na inconstância da acumulação amarramos a canoa, com a segurança presunçosa ilusória, com que os faraós se amarraram às pirâmides “eternas”. Elas se revelaram menos duradouras do que o conteúdo dos papiros amarelados. A título de cujos conteúdos e cujas propostas, os batizados do século XVI saíram, mundo afora, matando os índios. Com a insensibilidade e esquizofrenia moral, com que nós, batizados de hoje, garantimos que a miséria e o sofrimento do próximo são fruto do destino e não obra coerente dos nossos pecados.

Com amizade de sempre. – Luis –

sábado, 10 de novembro de 2007

O OUTRO LADO DAS ESTÓRIAS

SOLIDARIEDADE AO PADRE JÚLIO LANCELOTTI – A esse título, o site ADITAL, da internet, publicou o outro lado da campanha que a mídia espetaculosa, ávida de escândalo e lama, vem movendo contra o Padre Júlio Lancelotti. Padre Júlio é conhecido por seu permanente compromisso com os mais pobres, sobretudo o povo das ruas, o lixo humano, produzido pela sociedade asseada e bem sucedida. “Exaudiatur et altera pars!” Em qualquer circunstância, os pecados do Padre Júlio serão menores do que os de seus inveterados apedrejadores . Menos graves certamente do que interesses corporativos escusos, travestidos em defesa da moral. Bom critério de avaliação é observar de que lado social se postou profeticamente o acusado e em que trincheira predatória militam os acusadores. Examinar de onde partem as acusações ajuda a sermos intelectualmente menos míopes, epistemologicamente mais objetivos e midiaticamente menos desfrutáveis. Formatamos a seguir, ao nosso jeito, a matéria do site ADITAL, do jornalista Claudemiro Godoy do Nascimento

VARRER OS POBRES PARA DEIXAR A CIDADE LIMPA – “Há algum tempo, a imprensa destila seu veneno contra o Padre Júlio Lancelotti. Não nos esqueçamos da bizarra matéria da Veja, escrita pela repórter Camila Antunes, intitulada O Pecado da Demagogia. Nesta grotesca reportagem da Veja, Padre Júlio Lancelotti é chamado de líder de uma organização política, criador de uma categoria sociológica “Povo da Rua” e promotor da idéia de que a situação do povo da rua se encontre em estado permanente. Na época, janeiro de 2006, escrevi um artigo, intitulado A Demagogia do Pecado, apontando as reais intenções da reportagem, a serviço da lógica excludente do então prefeito José Serra, que queria retirar todos os moradores de rua do Centro de São Paulo, para “higienizar” os ares e a estética da cidade. Higienizar, para que as elites pudessem ter sossego e não mais ser incomodada com os forasteiros, moradores de rua. Evidentemente que o Padre Júlio e as pastorais sociais da Igreja se colocaram contra tal propósito excludente, do então prefeito e atual governador José Serra.

PAGANDO O PREÇO DAS OPÇÕES RADICAIS – Hoje, estamos assistindo a uma verdadeira novela que ronda a pessoa humana do Padre Júlio, que sempre agiu segundo o espírito do Evangelho. Nós, que conhecemos há anos sua pessoa e seu trabalho junto aos excluídos, seja o povo de rua, sejam as crianças e adolescentes vítimas do abandono ou do vírus HIV, somos testemunhas de sua coragem e profecia. Não tenho dúvidas de que Padre Júlio “caminha nas estradas de Jesus”. Exatamente por romper com tudo aquilo que seja anti-Reino é que Padre Júlio vem sendo alvo de intensas reportagens ambíguas e maldosas.

CULPADO POR ESPETAR AS CONSCIÊNCIAS – Padre Júlio, ao denunciar a extorsão que vinha recebendo aos poucos, por meio das especulações dessa mídia elitista, vem passando da condição de vítima à condição de culpado. Culpado por amar tanto os pobres, os moradores de rua, as crianças. Culpado por ser pai de muitos e muitas. Culpado por seguir fielmente o Evangelho de Jesus. Sim, culpado por colocar-se a serviço daqueles e daquelas, considerados os últimos pelas classes dominantes, e os primeiros aos olhos de Deus. Essa é sua culpa!

PEQUENO BURGUÊS A SERVIÇO DE POBRES INTERESSE – Mas, para a imprensa a para muitos setores do poder dominante, a culpa é outra. Até mesmo de homossexual está sendo chamado. O próprio advogado do grupo que extorquia Padre Júlio demonstra uma imensa incapacidade - condição própria de um pequeno-burguês a serviço das elites – e que viu, nesta defesa, uma boa oportunidade para aparecer, para estar na mídia, anunciando falsas acusações contra uma pessoa humana que, independentemente de ser ou não o Padre Júlio, ninguém deveria passar.

ACUSAÇÕES ESPETACULOSAS EM VEZ DE AVERIGUAÇÃO – A mídia deita e rola com as reportagens, com as especulações, com as hipóteses que, em nada, apresentam o conceito científico da investigação. Preocupa-me a formação dessa imprensa. Não possuem nenhuma condição científica, para ali estarem cobrindo uma matéria que deveriam, antes de tudo, averiguar. Mas não, já lançam as hipóteses e especulações que acabam deteriorando os sentimentos e a subjetividade das pessoas. Culpar Padre Júlio de práticas homossexuais é realmente algo bizarro, nojento e bárbaro.

COMO CRISTO CULPADO NAS MÃOS DOS BANDIDOS – Por isso, acredito que a vítima – Padre Júlio Lancelotti – nas mãos da imprensa e do poder dominante se tornou, há muito tempo, culpado. Para a lógica dos defensores do capital e da burguesia, realmente ele é culpado como já disse acima. Mas, para Deus, ele sempre será um presente. Um homem hominizado pelo amor, pelo serviço, pelo testemunho e pela solidariedade, que se tornaram, ao longo desses anos, sua própria regra de vida, que podemos resumir na seguinte afirmação: doar-se sempre aos mais pobres e excluídos. Esse foi, é e será sempre o nosso companheiro da caminhada, Padre Júlio Lancelotti”.

UM DALAI LAMA NO CLERO NO BRASIL – Quem conhece o monge beneditino Dom Marcelo Barros, que leva vida monasterial contemplativa, é orientador freqüente nos retiros espirituais de boa parte do clero brasileiro, homem de intensa e conhecida austeridade e união com Deus, sabe o valor do seu testemunho sobre o Padre Júlio Lancelotti. O depoimento de Dom Marcelo Barros vai aqui, como apêndice da matéria do jornalista, para nos ajudar, no REPESSANDO, a não embarcarmos em ondas podres e não sermos associados, pela mídia mercantilista, aos atiradores de lama. Coteje o projeto de vida de cristãos como Dom Marcelo e Padre Júlio, com o que sorrateiramente oculta-se por baixo de acusações maldosas. Reflita, evangelicamente, mais uma vez e decida quem tem autoridade moral para atirar a primeira pedra! Com a palavra, o teólogo e místico] beneditino Dom Marcelo Barros,um dos gurus do presbitério brasileiro.

“NO MUNDO SEMPRE TEREIS AFLIÇÕES” Júlio, meu irmão, escute Jesus dizendo a você também: “Filhinhos, no mundo sempre tereis aflições. Tende coragem. Eu venci o mundo” (Jo 16,33) Que a paz de Deus, em meio a todas as tribulações da vida, esteja em você, como estrela em um céu transparente. Se pudesse, lhe faria, nestes dias, uma visita de comunhão e amizade, para celebrar com você, na Ceia de Jesus, este momento difícil e doloroso, pelo qual você e todos os que o estimam estão passando. Sei que você sofre isso, como conseqüência de sua consagração aos pequeninos de Deus.

COMPANHEIRO NA AFLIÇÃO E NO TESTEMUNHO – Outra vez, consegui estar com você em São Paulo. Desta vez, voltei, há dois dias, do interior da Itália e caí na coordenação de um exercício espiritual para missionários de vários países do mundo, que estão aqui no mosteiro para serem ajudados em um retiro. Entretanto, meu coração está aí junto de você, para confirmá-lo “como nosso irmão e companheiro, nas aflições e no testemunho de Jesus” (Apoc 1,9). Um profeta como você não pode mesmo ter outro destino. É este e não apenas o do sofrimento “limpo” e belo, que todos admiramos e com o qual todos nos solidarizamos, mas também estes problemas, nos quais somos expostos, como dizia Paulo aos Coríntios, como espetáculo de gozação e desprezo, aos olhos do mundo.

OPÇÃO PROFÉTICA EXPOSTA A TODOS OS RISCOS – E como somos frágeis, a loucura é tal que o risco é que nós mesmos fraquejemos e nos sintamos em conflito interior; porque, no fundo, qual a fronteira entre as acusações mentirosas e injustas, que fazem a você, e a insegurança e incertezas loucas, que nós mesmos vivemos, no cotidiano de uma vida solitária e sempre expostas a todo tipo de riscos?
O que posso lhe dizer é que é justamente quando você vive mais esta fragilidade (como pregado na cruz) que a força divina se revela em você como luz e testemunho para todos nós. que devemos seguir o mesmo caminho seu.

JESUS SE REVELA NA FRAGILIDADE DOS DISCÍPULOS – Todos que o conhecem sabem da verdade e profundidade de sua humanidade; têm em você uma confiança inabalável de como você doa sua fragilidade, para que Jesus alimente a multidão, com os poucos e pobres cinco pães e dois peixes, que você, eu e todos somos. Por favor, fique firme na paz, certo de que o Senhor o acompanha neste momento de cruz. “Não vos preocupeis com o que ireis falar. O próprio Espírito falará em vós”.
O que dizer? Conte comigo em tudo e para tudo. Se eu puder concretamente ser de alguma ajuda, não hesite. E sem preocupação nenhuma, use meu ombro para se apoiar e poder chorar a dor de ser profeta frágil, em um mundo desumano.
Um abraço de paz e um beijo no coração. Seu irmão Marcelo Barros.

Meu abraço e minha amizade - Luís

domingo, 4 de novembro de 2007

SEQUÊNCIA DO ESPÍRITO SANTO




Vinde, Santo Espírito, e mandai lá do céu
um raio de vossa Luz!
Vinde Pai dos pobres, vinde Doador das graças
vinde Luz dos corações!
Nosso bom Consolador, doce Hóspede de nossa alma,
nosso doce Alívio vinde!
Nosso descanso na luta, nossa calma na labuta,
nosso consolo no pranto.
Ó Luz da felicidade, cumulai de caridade
aqueles que vos desejam!
Sem vossa força celeste, nada há em nós que
preste, nada que seja inocente.
Removei o que está sujo, aguai o que está seco,
curai o que está ferido!
Amolecei o que é rígido, aquecei o que está
frígido, tirai-nos de nossos desvios!
Pr’aqueles que vos procuram, pr’aqueles que em
vós confiam, daí os vossos sete Dons!
Daí o premio da virtude, daí a graça da saúde,
Daí a alegria sem fim!
AMÉM!

PERDENDO O JOGO PARA TIME ORDINÁRIO?

DESCANSEM EM PAZ - Comovente a delicadeza de repassar o necrológio dos nossos falecidos. Preso em casa no meu silêncio, foi útil meditação do Dois de Novembro dar uma viajada por aqueles nomes todos; ressuscitar alguns que já tinham falecido na memória; constatar que boa parte do nosso mundo e dos companheiros de juventude e adolescência já cumpriu seus prazos; já se transferiu para os mistérios inalcançáveis das esperanças cristãs. Alguém na lista, Frei Benício (Eudes Cristino, irmão de Frei Leônidas) provocou-me provavelmente o primeiro grande choque com a morte, sem anestesia. Éramos teólogos, na Bahia, quando o pai do Eudes adoeceu para morrer. Eudes tomou o avião para Fortaleza e caiu em Campina Grande. Despedimo-nos à noite desejando boa viagem e fomos acordados, de manhã cedo, pela notícia do sinistro. É daqueles momentos que se gravam indelevelmente na sensibilidade. Que nos empurram, goela abaixo, a indesejada certeza de nossa fragilidade. Outros da lista eram também de minha turma, como o Carlos Wellington e o Manuel Canuto, colega desde Tianguá. Todos estejam lá, aonde nós queremos chegar um dia!

VALENTIA DIANTE DOS PEQUENOS - Achei surpreendente e “bene trovata” sua observação sobre o John Allen, correspondente vaticano do NCR: “meio bobão, com aquela mania de querer fazer-se familiar à cúria e ao papa”. Eu não tinha percebido, mas concordo. Pode ser também que personalidades curiais fizessem questão de parecer próximas e familiares do John Allen, jornalista do Império, financiador e avalista infraestrutural do Vaticano, terra do Peter’s Pence! O complexo de Édipo não me deixa esquecer o dedo em riste de João Paulo II na cara do Ernesto Cardenal, Ministro da Educação da frágil Nicarágua ou, como a chama o amigão Casaldáliga, “minha pequena Nica”. A vantagem de ser ianque deve ter servido de gazua para John Allen abrir as portas da clausura. Eu gostaria de ver a mesma valentia pontifícia diante de ministros WASP (White-Anglo-Saxon-Protestants) e a mesma solicitude com jornalistas de mídias mais humildes.

"NÃO FALAMOS MAL DE NOSSA IGREJA" - Em meus tempos de Rio, Dom Eugênio Salles promovia debates contra “maledicências” na Igreja Católica, para atingir “maledicentes” como Leonardo Boff e Carlos Mesters. Convidou, certa vez, conferencista russa ortodoxa de extrema direita, que por lá passava, em circuito de palestras para a “elite branca” católica anti-comunista. A distinta senhora assumiu o bordão: “Lá em casa, não falamos mal de nossa Igreja”. Sabia-se que a Igreja Ortodoxa Russa, após a perestroika, passara a ser praticamente sustentada pelo Estado, em nome da tradição e preservação da alma da Mãe Rússia. Resultado inevitável: nenhuma palavra de crítica ao sistema, bocca chiusa ante a corrupção desenfreada, nada de contestação aos interesses anti-populares, fora com profetismos! Releio Carlos Mesters sobre Jeremias e percebo que “falar mal” talvez seja outro nome para profetismo. Tendo o convite à palestrante partido de quem partiu e revelando-se ela o que realmente representava, não retiro a observação sobre identidade freqüente entre “maledicência” e “profecia”

ENTRE VOCÊS NÃO SEJA ASSIM! - “É realmente custoso acreditar ser possível comandar uma agremiação de l,2 bilhão de pessoas nos cinco continentes, sem um comando doutrinal, litúrgico e outros que tais...” Sinto refluxo, quando tenho de engolir a palavra “comando”, no universo cristão. “Entre vós não seja assim como entre eles!” Em termos de moral pública, a evangelização mais convincente vem do comportamento pessoal. Em minha modesta e lírica opinião, João XXIII “comandou” os seus mais de um bilhão de fiéis, com a despretensão evangélica e a bondade humana. Com qualidades e atitudes semelhantes, Mahatma Gandhi despertou, levantou e pôs em marcha, em direção à dignidade nacional, o seu bilhão de indianos. Acho que Maximilian Kolbe, profanado e destruído nos fundos escuros de uma cela, em Auschwitz, fez mais pelo “comando” dos cristãos, na marcha para o Reino, do que mitras e tiaras colabôs. Será que minhas inquietações aproximam-se mais de maledicência que de profetismo?

EUCARISTIA CELEBRADA PELA COMUNIDADE - A celebração da Eucaristia, liberta do exclusivismo presbiteral, é questão que muito me envolve. Estou certo de que o Sacramento não foi dado como prêmio, presente ou monopólio a nenhum dos Apóstolos individualmente. Significou a Primeira Reunião da Comunidade, com o objetivo mesmo de reunir a Comunidade e encorajá-la. A Unidade confirma, oficializa e alimenta a Fé de todos e de cada um. Incentivador da coragem e da fé, mais do que sermões e ritos, é o próprio Encontro em si. Pessoas se encontrando e se dando força. O mundo descobre que Jesus veio de Deus, não porque Ele avisou, não em primeiro lugar porque os Apóstolos espalharam, mas porque os cristãos se amam uns aos outros. Mas o assunto produziria tratados! E aponta como, em minha opinião, nossa Igreja está bobeando, perdendo tempo e fiéis, a barca devagar quase parando, carregada de bizantinismos e gongorismos teológicos, inúteis e prejudiciais, que há muito deviam ter sido jogados aos peixes.

PREGAÇÃO CRISTÃ É AMOR FRATERNO - Acabei de participar espiritualmente, pela Rede Vida, na grande celebração de Finados, no Autódromo de Interlagos, presidida pelo bispo franciscano Dom Fernando Figueiredo e pelo Padre Marcelo Rossi o qual, nos últimos tempos, veste-se com o hábito franciscano. O grande encontro da esperança, com lema SAUDADE SIM TRISTEZA NÃO, reuniu dois milhões de fiéis ao redor da Eucaristia. Na conclusão, momento dos avisos finais, ressaltou-se a importância fundamental da Unidade dos Cristãos, união de todos, para sustentar a própria fé e para testemunhar esta fé. Em mundo pagão, desvairado pelas ganâncias materiais e pelas cegueiras espirituais, a Unidade dos Cristãos é a condição para que Jesus seja reconhecido como Enviado do Pai. “O mundo acreditará que eu vim do Pai, se vocês se amarem uns aos outros!” A Unidade dos Cristãos é nossa resistência contra a grande onda, que arrasta, para dentro do mundo, toda espécie de iniqüidade e sofrimento.

EVANGELISMO MERCENÁRIO PARA FATURAMENTO - Em correspondência anterior, noticiei o que saiu, em comentários do NY Times, sobre a presença da Igreja Universal, nos subúrbios latinos das grandes cidades americanas. Nestes subúrbios pobres, de pessoas perdidas em sociedade de concorrência feroz e superação desalmada, pregadores mercenários usam a Bíblia e o Nome de Deus, para “fazer a festa” e encher a sacola. O presente comentário, porém, nada tem a ver com proselitismos ridículos e concorrências sectárias; entra aqui para completar a notícia do jornal americano: os “bispos” da Igreja Universal recusam-se terminantemente a fazer parte da Associação das Igrejas Cristãs. Rejeitam indignadamente pertencer ao conjunto das outras Denominações. Em vez de unidade e congraçamento, na frente única dos cristãos contra o espírito de porco deste mundo, “evangelismo” aventureiro por conta própria e isolamento fanático, frente às outras confissões religiosas. Mais do que as justificadas acusações de charlatanice, curandeirismo e desfrute da credulidade popular, desligamento explícito do conjunto e rejeição da unidade constituem a prova mais eloqüente do desencontro com a recomendação explícita do próprio Jesus.

PERDENDO O JOGO PARA TIME RUIM - Como é que nossa Igreja aparenta estar perdendo o jogo para time tão bisonho? A resposta é evidente: falta de jogadores e complicações desnecessárias na contratação. As arquibancadas estão cheias de gente vestindo a camisa, mas ninguém os convoca! Mas paro por aqui, com nossos abraços. - Luís - www.sluisthomaz.blogspot.com