segunda-feira, 29 de outubro de 2007

MORRENDO DE SEDE NA BEIRA DO RIO

MISSA SEM PADRE CELEBRADA PELA COMUNIDADE - Em setembro, recebi e li, com gosto e empatia, o REPASSANDO sobre dominicanos holandeses, que defendem celebração da Missa pela própria Comunidade, quando não haja padre disponível. O assunto é instigante e premente. Ouve-se por aí afora em rodas internas, da boca de pessoas teologicamente bem informadas e eclesialmente comprometidas, que já existem “comunidades subterrâneas” agindo desta forma, para não se privarem da Eucaristia. Missa como celebrada atualmente, monopólio exclusivo do clérigo, haverá de constituir problema e estofo para a grande discussão intra-eclesial, em futuro próximo. Aos poucos, prevalece a convicção do bom senso: o que importa é ter o alimento servido, para não se desfalecer na fé, pela ausência contornável dos distribuidores da comida.

JORNAL DE MINHA ENGAJADA SIMPATIA – Possivelmente você acessa, na internet, o NATIONAL CATHOLIC REPORTER (www.ncronline.org). Eu o faço toda semana e tomo banho de boa informação. Apesar do nome aparentemente sectário, o jornal não pertence à hierarquia da igreja. É tocado por grupo de cristãos independentes e esclarecidos, entre os quais encontram-se padres, bispos e freiras. Seu correspondente em Roma, John Allen, é informação imperdível. Pois bem, o NCR ocupou-se longamente da proposta holandesa, sobre simplificação do acesso à presidência da Eucaristia. As grandes questões estão no ar e só precisamos de radares sensíveis. Acrescente-se que idéias inovadoras, propostas revolucionárias e até descobertas improváveis nasceram perseguidas por anátemas, desde o berço. O sonho dos literatos franceses, aos tempos do bom Iluminismo, era terem seus livros postos no INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM. Não havia garantia melhor de boas vendas!

NOS PRIMEIROS SÉCULOS JÁ ERA ASSIM – É do NCR (12-10-07) que traduzo a retomada do assunto. Dominicanos holandeses propõem corajosa solução para falta de padres na Holanda: permitir ao laicato escolher suas próprias lideranças na Comunidade e autorizá-las para a presidência da Eucaristia. Apelando para o exemplo da Igreja primitiva, aqueles religiosos propõem que as Comunidades apresentem ao bispo suas lideranças locais e solicitem que elas sejam sacramentalmente reconhecidas. Os líderes escolhidos podem ser homens ou mulheres, homossexuais ou heterossexuais, casados ou solteiros, afirmam os dominicanos, em publicação de 38 páginas, intitulada IGREJA E MINISTÉRIO. O livreto foi amplamente divulgado nas paróquias holandesas, entre as ordens religiosas e até no episcopado. Quanto à escancarada insubmissão das propostas, lembre-se de que estamos falando da libertária Holanda!

QUEM DIRIGE TODOS SEJA ESCOLHIDO POR TODOS – Os religiosos, autores do livreto com subtítulo RUMO A UMA IGREJA DO FUTURO, sustentam: não existe barreiras teológicas mas apenas impasse clerical – a lei do celibato – para a ordenação de clero leigo. Citam a afirmação do Papa Leão Magno, no século V: “O que dirige todos deve ser escolhido por todos”. As questões levantadas não são apenas dos quase cinco milhões de católicos holandeses. Dizem respeito e interessam os fiéis, em muitas partes do mundo católico. Mesmo assim, o primaz da Igreja Católica holandesa imediatamente expressou sua contestação. Um dos frades autores do livreto declarou, em entrevista, que os dominicanos já podiam prever o desprazer oficial, com a distribuição do folheto, sem a permissão da hierarquia. “Sabíamos também que, se a requisitássemos, ela seria denegada; por isso fomos em frente!”

PODER DA HIERARQUIA CONTRA DIREITO DA COMUNIDADE – Boa parte das comunidades católicas, na Holanda, já oferece serviços religiosos presididos por leigos. Tais serviços são frequentemente até chamados de Eucaristia. Geralmente contentam-se com denominação menos abrangente: Liturgia da Palavra, com Distribuição da Comunhão. Conforme o folheto, muitos fiéis não distinguem mais entre a Missa do padre e a Liturgia da Palavra seguida de Comunhão. Acham que as duas têm o mesmo valor. Perante o fechamento doloroso de paróquias e importação de clero estrangeiro para preencher os vazios – juntamente com a rejeição da ordenação de mulheres e de homens casados – muitos católicos holandeses acham que a Igreja oficial optou por conservar a estrutura disciplinar do sacerdócio atual, contra o direito das Comunidades à Eucaristia. Arquivar leis antiquadas, sem fundamento na Igreja primitiva, que reservam a ordenação sacerdotal a homens celibatários, é do maior interesse para o Povo de Deus, que não pode passar sem a Eucaristia.

COMUNIDADES LARGADAS ESCOLHEM O PRÓPRIO CAMINHO – Mais adiante, o livreto holandês observa que muitas Comunidades católicas já seguem seu próprio caminho, substituindo orações, textos e liturgias oficiais, por preces e leituras próprias e por sua forma local de rezar e celebrar. Conforme tradução não-oficial do livreto para o inglês, orações e textos locais são preferidos na Celebração, porque se ligam na mesma sintonia em que estão ligadas as preocupações do povo, em suas vidas diárias. Condenações emocionais e reações contrárias, manifestadas por autoridades da Igreja, são percebidas apenas como obstáculo e retardo à solução do grave e urgente problema. Resultado da lerdeza oficial: “Muitos católicos holandeses são forçados a escolher subrepticiamente seu próprio caminho”, asseveram os dominicanos.

FINGE QUE OBEDECE, EU FINJO QUE NÃO VEJO - O que se percebe hoje na Holanda é uma igreja “underground”, onde as coisas acontecem e os bispos não sabem ou fingem não saber. “Muitas paróquia não ousam falar sobre a situação, porque temem os bispos”, garante um dos freis. Ele observa que os serviços religiosos alternativos não-tradicionais atraem crescentemente jovens e “grisalhos”. “Retornamos às catacumbas; lá em cima, ninguém pode ou quer saber do que sucede aqui embaixo”, assevera o livreto. Seu relato afirma-se baseado em décadas de experiência da Igreja holandesa. Os autores são religiosos mais velhos, enraizados nos escritos do mais famoso teólogo holandês Edward Schillebeeckx, suspeito de heresia pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aos tempos do Cardeal Ratzinger, antes de tornar-se Bento XVI.

RESTAURANTES DE FOGÕES APAGADOS – Frei André Lascaris, um dos autores, observa que muitas paróquias celebram a Liturgia da Palavra e distribuem a Comunhão, com Hóstias previamente consagradas. Ele acha que celebrar a Eucaristia com Hóstia pré-consagrada é como comer o pão da mesa dos outros. “Imagine, diz ele, ir a um restaurante onde você se senta e lhe trazem comida preparada em outros restaurantes, até em outras cidades!” Responsável pelo Centro de Estudos TEOLOGIA E SOCIEDADE, em Nijmegen, Frei Lascaris espera que as recomendações do livrinho gestem frutos pelo menos para a próxima geração!”– Conclui-se com desabafo do próprio Evangelho: é realmente problemático pregar remendo novo em tecido velho. Em todo caso, os audaciosos dominicanos holandeses sentem-se encorajados pelas inúmeras reações favoráveis, até das piedosas freiras. Elas também vêem a proposta como única via de futuro para a Igreja holandesa. Aqui entre nós, no “maior país católico do mundo”, seria diferente? Não sou eu quem fala, é palavra mais autorizada do que a minha: quando os pastores descuram o rebanho, lobos deitam e rolam!

Com a mesma amizade - Luís

Nenhum comentário: