DRAMALHÃO DE TERCEIRA ÀS NOSSAS CUSTAS – Pela fluidez da cena, mostrada na televisão, não deu para computar. Mas confirmava o ditado de nossas briguinhas de garotos, nas ruas da infância: -“Muita pabulagem é sinal de pouca coragem!” Meia dúzia de camburões enlouquecidos ziguezagueou na rua estreita, de cirenes ligadas, cantando pneus. Das sinistras viaturas, saltaram excitados numerosos policiais, em traje de guerra, com metralhadoras apontadas, espalhando justificado terror. Foi no Iraque? na Faixa de Gaza? Ou teria começado a guerra contra a Argentina, fora dos campos de futebol? Nada disso, a patuscada belicosa sucedeu em frente a pacífica igreja evangélica, em subúrbio paulista. Objetivo da operação era prender perigoso celerado, de idade provecta, ameaçadoramente protegido por senhora grisalha, sua esposa, e pela filha adolescente. O indigitado criminoso encontrava-se perversamente municiado, com uma Bíblia debaixo do braço. Pneus queimando no asfalto, uniformes guerreiros, gasolina à tripa forra, soldos polpudos, tudo pago por você e por mim. Com que grandioso objetivo? Prender o Sr. Edir Macedo, pastor da Igreja Universal. Aquele mesmo que, por conta própria, promoveu-se de pastor evangélico a bispo.
APAGANDO INCÊNDIO COM ÀLCOOL – A ruidosa operação militar fora cuidadosamente elaborada, em nome do combate aos crimes de curandeirismo, charlatanismo e exploração da credulidade popular. O “bispo” e seu empreendimento religioso devem agradecer diariamente a violência gratuita e desnecessária. É axioma antigo, desde o começo do Cristianismo: “O sangue dos perseguidos é sementeira de novos adeptos”. Do momento da ação espetaculosa em diante, a Igreja Universal, acusada dos mencionados crimes, só fez crescer. Consequentemente devem ter crescido junto os alegados curandeirismos, as charlatanices e embromações da crendice ingênua. Através da TV Record, passou a ameaçar o monopólio da Rede Globo, pecado gravíssimo! A pândega policial vexaminosa serviu para criar os ares de martírio. O temor, nas altas esferas da mídia, é que Edir Macedo se transforme em novo Roberto Marinho. Já se notam sinais. Entre eles, o prazer sabujo que jornalistas da Record descobriram, de levantar a bola para o “bispo” cortar. O ser humano não falha!
MUITA MERCANCIA E POUCA TEOLOGIA – Na espichada entrevista do Sr. Edir Macedo ao seu funcionário da TV Record, o miolo foi mais ou menos o seguinte: - “Jesus não foi pobre, ele era rei e um rei nunca é pobre! Deus é pai e pai não vai permitir que seu filho caia em desgraça.. O pai sempre há de garantir a prosperidade dos filhos. O Pai do céu tem mais a dar para você do que você tem a dar para Ele. Mas você recebe de Deus, na proporção do tanto que você entrega. Se você dá pouco, recebe pouco; se dá mais, recebe mais; se dá muito, recebe muito!” Em frases alinhavadas e citações não literais, eis o resumo da Teologia da Prosperidade, como a entendi, na entrevista do “bispo”. O Projeto de Deus é que sejamos prósperos! Sucesso material e êxito nesta vida constituem sinais de bênção divina. Pobrezas, desgraças e doenças são produzidas por maus espíritos, que precisam ser exorcizados pelos pastores da Igreja Universal. Em sociedade de destituídos, onde são escassas e íngremes as chances de ascensão, a identificação de Deus com garantia de sucesso nos empreendimentos materiais é sopa no mel, para moscas desesperadas.
PAI DE UNS, PADRASTRO DE OUTROS – Não longe daqui, vive um frade paraplégico, conhecido, a vida toda, por sua piedade pessoal, amor a Deus e serventia aos irmãos, desde a juventude. Como franciscano servidor, dedicou-se aos romeiros pobres do sertão nordestino, em Canindé. Apaixonado por Deus e querido pelo povo, a prosperidade que recebeu foi um AVC e permanente cadeira-de-rodas. A imensa humanidade, que não ganha visibilidade na mídia, está repleta de casos semelhantes. Superlotados deles estavam os vários hospitais que penosamente freqüentei, nos últimos anos. O mundo encontra-se abarrotado de hospitais, com filhos queridos de Deus, carregando a cruz do sofrimento. Traumaticamente inesquecível a ala pediátrica do Hospital do Câncer, em São Paulo, com muitas dezenas de crianças cancerosas. Nas alas do SUS, filas enormes de brasileiros pobres e socialmente desamparados. Agressivamente desafiadores da Fé, em termos de insucesso, os presídios brasileiros, superlotados de jovem marginais, em sociedade que não lhes deu chances na vida. Metade da população mundial vive no aperto ou na penúria. Nossas favelas são habitadas, contra a vontade, por comunidades apavoradas, pelo banditismo e pela polícia. Mais longe de nós, no citado Iraque, milhares de pessoas inocentes: velhos, mulheres e crianças, são bombardeados e estilhaçados, por ordem do “renascido em Cristo” George Bush. É difícil justificar uma Teologia da Prosperidade, botando Jesus no lado dos bem sucedidos, em meio a tanta desigualdade e tanta injustiça.
JÁ TIVERAM TUDO EM VIDA – Ninguém melhor para descrever sua Teologia do que o próprio Filho de Deus. Conta ele: “Havia um homem rico, muito bem sucedido, que possuía tudo o que se possa almejar. Vivia luxuosamente, na transbordante prosperidade dos desejos mais caros. Na calçada, perto da sua porta, deitava-se um. pobre Lázaro fracassado. Miserável, doente, cheio de chagas, aguardava faminto que lhe caíssem as migalhas da mesa do rico. Como não existe prosperidade que nos livre da morte, ambos morreram. O pobre foi levado para o Seio de Abraão e o rico, para as profundezas de seu anátema. Em meio ao infortúnio, o rico viu, de longe, a felicidade celeste e clamou, no desespero: - “Pai Abraão, manda que Lázaro molhe a ponta do dedo e me traga um pingo de água, pois não suporto mais tanta sede, neste lugar de tormento!” Detalhe agourento o condenado chama Abraão de pai e Abraão responde, chamando-o de filho: - “Filho, já tiveste tudo em vida e Lázaro só teve males. Por isso ele agora encontra aqui consolo e tu és atormentado”. O original da parábola encontra-se no capítulo 16 do Evangelho de Lucas.
“SE DESFAÇA DE TUDO O QUE POSSUI!” – O jovem rico e próspero aproximou-se de Jesus, para perguntar-lhe: - “O que devo fazer para conseguir a vida eterna?” Jesus e o jovem recapitularam então os Mandamentos da Lei de Deus. O jovem asseverou que cumpria todos eles, desde a infância. Jesus olhou nos olhos daquele ser humano bem intencionado e o amou, abrindo-lhe os umbrais da grande chance de sua vida: - “Se queres ser perfeito, vai, desfaze-te de tudo o que possuis e dá de esmola aos pobres. Depois, quando não tiveres mais nada de teu, vem e segue-me!” O sorriso morreu nos olhos do rapaz. Ele ficou pensativo e afastou-se entristecido. Desapareceu de vez e para sempre. Podia ter sido um dos Doze Apóstolos, no seguimento de Jesus, com importância garantida na história humana. Preferiu sua prosperidade material efêmera e não o Chamado para o Infinito. Dele a história não guardou nem o nome. Jesus concluiu o episódio, com o pungente desabafo: - “Como é difícil, para os que possuem riquezas, entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” O original da citação encontra-se no capítulo 18 do Evangelho de Lucas.
“JESUS NÃO ERA POBRE” - Aos que, eventualmente mais envolvidos no montante da Coleta do que no Evangelho, afirmam que Jesus não era pobre, Ele mesmo oferece a inequívoca resposta, que deu a quem lhe perguntou onde morava: - “As raposas têm suas tocas e os pássaros do céu têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. A passagem encontra-se no capítulo 9 do Evangelho de Lucas, citado três vezes na presente crônica. No mês do Dia dos Médicos, o Dr. Lucas Evangelista está aqui no lugar certo. Em seu diagnóstico sobre a vida de Jesus, mostrou que o buraco do Mistério é bem mais profundo que a sacola das coletas. Na vida real, preferiu abdicar da prosperidade material, garantida pela profissão. Aceitou o convite, renunciou às vantagens pessoais e aboletou-se despojadamente na incômoda desinstalação, exigida pelo Evangelho. Que ele primeiro viveu e depois escreveu! – Juntando pé com cabeça, concluo bem humorado: se alguém se nomeia bispo por conta própria, eu me nomeio coronel e te promovo, leitor, a general. Continência, então, meu general!
Com a amizade de sempre. – Luis
sábado, 20 de outubro de 2007
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