terça-feira, 16 de outubro de 2007
ESCRITO NO DÓLAR: "EM DEUS CONFIAMOS"
BÍBLIA RECHEADA DE DÓLARES – Encontra-se trancafiado, nos Estados Unidos, o “casal de bispos” (sic!) Estevam e Sônia Hernandes, líderes da igreja Renascer em Cristo. Foram pegos, pela aduana americana, com a bagagem estufada de dólares contrabandeados, escondidos na Bíblia. O Ministério Público de São Paulo recebeu, do Departamento de Justiça americano, a informação de que, entre 2001 e 2006, dois milhões de dólares saíram clandestinamente do Brasil, por uma conta bancária de Estevam e Sônia, em banco da Flórida. Em determinados meses, o montante de depósitos chegou a 147 mil dólares. Em outro caso, tempos atrás, uma mulher foi detida, também no aeroporto de Miami, com bebê no colo, recheado de cocaína. Profanações hediondas, da Bíblia e do bebê.
AQUILO FOI SÓ O APERITIVO – O ministério Público desconfia que seja só amostra do dinheiro movimentado pelo casal. Levantamento feito pelos promotores revela que o patrimônio da “bispa” (?) Sônia e do “apóstolo” (?) Estevam é de 130 milhões de reais. O cálculo se baseia nos valores de apartamentos, fazendas, um haras, uma mansão em Miami, uma frota de 15 carros e depósitos em outras contas bancárias. É dinheiro bastante, conforme reportagem de VEJA (10-10-07), para colocar os Hernandes vários cifrões acima do mais rico e mais conhecido fiel da Renascer, o jogador Kaká. Craque do Milan, atleta mais bem pago da liga italiana de futebol, Kaká tem um patrimônio estimado em 50 milhões de reais. A diferença é que as jogadas do casal da Renascer acontecem em outro campo – o da sonegação e da fraude.
ÁGUA DO RIO JORDÃO CURA TUDO – A mesma revista reportou, tempos atrás, outras situações em que se vende o Nome de Deus, para enganar os pobres. Esta vez, dizia respeito à Igreja Universal e vai aqui relatado, não como apedrejamento mas como lição, para detectarmos mercenarismos, embrulhados com religião. Contava a revista, em reportagem amarelada em minha gaveta: “José Oliveira chega perto do protótipo do garotão de Wall Street. Na faixa dos 30 anos, é aprumado, boa-pinta, bom de papo e tem faro para finanças. Até a hora em que começa a bradar, em portunhol, os ensinamentos do “bispo” Edir Macedo. O carioca é pastor da pequena filial da Igreja Universal, em Manhattan. Em uma noite de segunda feira, ele assegura aos fiéis que qualquer doença desaparece, se lavarem as mãos em uma certa água do Rio Jordão”.
NO FIM PASSA-SE O CHAPÉU – O pastor ainda faz os fiéis, de origem hispânica e humildes, rasgarem as roupas trazidas para o culto. Assim, eles se livram das dificuldades econômicas. Depois vem a sessão de exorcismos. Por fim, o pastor passa o chapéu para a coleta. Trata-se de uma das 11 igrejas da seita em Nova York. Todas oferecem cultos 3 a 4 vezes por dia. Os espectadores são chamados a “receber” oferendas com sal, água e mel milagroso. De início, não se toca no assunto “dinheiro”. A rápida difusão da seita, nos Estados Unidos, virou assunto para o jornal New York Post, que descreve os cultos como “dramas teatrais”, durante os quais os fiéis acreditam estar tomados pelo demônio, que só pastores da Igreja Universal podem exorcizar.
CURA EM TROCA DE DINHEIRO – A Igreja Universal não faz parte da Assembléia Eclesiástica dos Estados Unidos, nem é afiliada à Associação Nacional dos Evangélicos do país, instituições que congregam igrejas reconhecidamente sérias dos EUA. – “Fiquei horrorizada, ao ver o anúncio deles na televisão, porque eles oferecem cura em troca de dinheiro”, - disse uma das representantes da Associação Nacional dos Evangélicos da Califórnia. Edir Macedo, que se diz “bispo” sem ter sido sagrado por ninguém, trocou o Rio por Nova York em 1987, para fugir das autoridades que o investigavam, por causa da suspeita de falsificação de documentos e sonegação fiscal. A Universal só acertou no alvo, nos EUA, quando mirou os hispânicos: - “O segredo da seita é vender esperança aos pobres”, diz o ex-pastor carioca Mário Justino, expulso da igreja, por ser portador de HIV.
PAGO A DEUS E DEUS ME PAGA – Fala o ex-pastor anatematizado: - “As quantias que os pastores exigem, para assegurar que Deus atenda aos pedidos dos fiéis, chegam a salários inteiros”. Os pastores tanto podem apelar para meros cinco dólares, como pedir dois mil. O dinheiro vai para o cofre de cada igreja e depois é enviado para a sede, no Brooklin. Em seguida, diz, segue para países da África, para financiar a proliferação da seita pelo Continente, para o Brasil ou para as empresas da Igreja Universal, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Hoje a igreja forma pastores nas próprias comunidades. São rapazes de poucos recursos, com baixa escolaridade. Curso prolongado de teologia nem pensar! Após três meses de treinamento em cultos, ganham o título de pastor. Recebem, como salário, 5% do que conseguem mensalmente arrecadar.
RELIGIÃO, DIMENSÃO PERIGOSA – Os piores venenos e as maiores sujeiras podem chegar a nós, embrulhadas em nobre papel celofane. Conceitos ricos e densos como Deus, religião, sentido da vida, vontade de viver, busca da alegria, podem ser preenchidos de conteúdos psiquicamente mortíferos. O dinamismo pessoal e social é “religiosamente” transubstanciado em dependência e passividade. A ordem divina da luta contra as servidões e construção da convivência fraterna são substituídas pela transferência das esperanças e pela expectativa, amorfa e sem fundamento, que outras instâncias resolvam nossos problemas. Em sociedade perversamente dissimétrica, dividida entre opulentos e destituídos, aos destituídos se passa, em nome de Deus, que só milagres e interferências divinas podem mudar seu destino e resolver seus problemas. Cidadania, em todos os seus aspectos, deixa de ser direito social e passa a ser privilégio milagroso.
USOS VENENOSOS DA RELIGIÃO – Afinal, o que é religião? A questão daria para escrever tratados, tudo apenas teoria. Existe, porém, pergunta simples de responder, árvore fácil de identificar pelos frutos. Religião seria refúgio seguro e alienado contra as inseguranças essenciais da vida humana? Sublimação suprema do individualismo salvacionista interesseiro? Identificação servil e idolátrica do poder do “chefe” com o poder de Deus? Conformação mentirosa e sabuja dos “interesses” de Deus com os interesses do “chefe”? Projeção, para cima e para depois, de esperanças terrenas essenciais que se frustraram? Adiamento, para a outra vida, da dignidade não alcançada na vida presente? Universo vago e misterioso de nossas inseguranças, devassado, perpassado e desfrutado pelos finórios? Igual ao patriotismo retórico, refúgio preferencial e bem sucedido dos velhacos? Preocupação exclusiva com a outra vida, em vez de união e luta organizada pela dignidade humana nesta vida? É a tudo isso que dedicam corações e mentes, sobretudo bolsos, tantos aventureiros religiosos. Será que, por tais enganações, o Filho de Deus teria dado a vida?
JOELHOS DESLIGADOS DOS CORAÇÕES – Como vês, motivações não-divinas podem esconder-se atrás das águas que o padre derramou na cabeça do bebê. Veja agora em qual daquelas direções a água batismal empurrou com mais força: Para a compra de proteção divina, como favelados desamparados fazem com os chefões do morro? Para o varejo com Deus, a quem pago a prestações, com missas dominicais? Para a consciência, catequeticamente iludida, sobre o pretenso desvalor das coisas materiais, quando a carência deles atinge os outros e por eles é cobrada? Para a certeza gulosa de que Deus garantirá você, porque você está quites com Ele? Para a preocupação vaga de salvação pessoal na outra vida, vacinada contra a solidariedade fraterna, na vida presente? É bom lembrar: se não houver paixão, posso morrer queimado, que não resolvi o problema religioso. Tudo o que faço para Deus não é para Ele, mas para demonstrar e alimentar amor a Ele. Se não houver real apaixonamento, melhor ficar em casa do que incomodar-me com missas. Casamento sem amor, amizade sem amor, relacionamento sem amor não resolvem o problema da afetividade e esterilizam a realização dos seres humanos. Não são missas e sacrifícios que agradam a Deus, mas nossos corações apaixonados por Ele. Isso apesar de nossas imperfeições! Deve ter acontecido a troca de lugar, nos termos da célebre e malsinada inscrição. Coerente com a realidade, a frase devia ser: “Está escrito em Deus: “No dólar nós confiamos!”
Com a amizade de sempre! - Luís
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário