quarta-feira, 10 de outubro de 2007

CHIQUE-CHIQUE PRODUZINDO MELANCIA

VER AGULHA EM PALHEIRO - Em meu reconhecimento, presumivelmente bem informado, publicado no REPASSANDO, de frutos suculentos no pomar comunista cubano, parece que pegou mal o adjetivo “ABESTADO”, talvez entendido como xingamento ou ironia. Releitura do texto mostra que não xinguei ninguém. Apenas exerci o direito de opinar, afirmando que Leonardo Boff e Frei Betto “não são abestados” (grafei com minúsculas).. O mundo os considera intelectuais criteriosos e bem informados. De Cuba, ambos falam do que seus olhos viram e seus corações sentiram. O livro-entrevista de Frei Betto FIDEL E A RELIGIÃO foi best-seller internacional. Nos avanços sociais de Cuba, Leonardo avista horizontes utópicos de convivência igualitária; Quanto a mim, em meus esforços pela verdade, não costumo apelar para xingamentos. Ironias fáceis também constituem desrespeito ao diálogo. Meu problema filosófico é ver agulha em palheiro, na montanha e no monturo de tanta complexidade e confusão.

“NÓS SOMOS NÓS E NOSSAS CIRCUNSTÂNCIAS” – Os termos eram outros, mas foi este o sentido do que Sartre pontificou. Começo meu presente pontifical em elefantes, para depois chegar aos gorilas. É conhecida, contada e recontada, a fábula dos cegos que desejavam conhecer o elefante. O primeiro cego agarrou-se às patas do animal e concluiu que o elefante era uma coluna. O segundo cego recostou-se ao corpanzil do paquiderme e concluiu que o elefante era uma parede. O terceiro cego segurou as orelhas da fera e concluiu que o elefante era uma borboleta. O quarto cego alisou a tromba comprida e concluiu que o elefante era uma serpente. O quinto cego puxou a cauda do bicho, o qual devia ser muito paciente, e concluiu que o elefante era um espanador. A verdade equivocada de cada um era, entre outras insuficiências, incapacidade de fazer a soma geral dos pontos de vista particulares.

VERDADES SÃO TAMBÉM FRUTO DE INTERESSES – Das savanas da África, com seus cegos curiosos, pulo para cidade brasileira da qual, por discrição, omito o nome. Nela morava, ao tempo do episódio em pauta, paroquiano muito católico, tido como catolicão, que se passava por anti-comunista de carteirinha. Sutilmente simplório, dava-se fumos de bem informado, quando desancava o ferrabraz Fidel Castro, nas rodas de cerveja. Provinha de modesta pobreza no campo, com sua meia dúzia de vaquinhas. Mas acalentava o sonho de: formar o júnior em medicina. Filho médico seria o enfeite da família, prova de ascensão social e distanciamento definitivo do curral nosso de cada dia. Mas o garoto não era intelectualmente muito bem provido e sobrava nos vestibulares que arriscou. Não passou nas provas e nem chegou perto da matrícula. A angústia paterna recebeu choques de esperança, quando correligionários políticos acenaram-lhe com a possibilidade do júnior estudar medicina em Cuba. Desse momento em diante, a hidrofobia anti-castrista começou a murchar, dando espaço à nova preocupação: encontrar o caminho de Cuba.

APELOU PARA O PADRE LETRADO – Os padrinhos na política local conseguiram-lhe a bolsa. O pai extremoso precisava então preencher formulários e escrever convincentes requerimentos às autoridades consulares da Ilha. Mobralizado em meia dúzia de anos na Escola Pública brasileira, sentiu-se insuficiente para redigir correspondência tão preciosa. Apelou para a sabedoria prestativa do padre. Lá se foi o anti-comunista barulhento bater humildemente à porta da casa paroquial, a fim de solicitar ao padre um obséquio comunista. Passados os instantes de pasmo com a súbita mudança, o servo de Deus dispôs-se diabolicamente a encompridar o papo: -“Você não vive por aí todo dia, descompondo Cuba e Fidel Castro? Como fica então o seu anti-comunismo? Cadê a coerência?” A resposta veio rápida e devota: “Ora, está escrito na Bíblia, “Mateus, primeiro os teus!”

A BÍBLIA FALA O QUE ME INTERESSA – Não sei em que Bíblia meu amigo leu aquela citação. Aliás não foi a primeira vez nem a segunda, que eu via a Bíblia caluniada por este versículo justificador dos interesses particulares. Afirmação atribuída logo a quem? A São Mateus, o ex-publicano rico e bem sucedido, cobrador dos impostos, em benefício dos inimigos de seu povo. Pulou na hora, fora do telônio abarrotado de moedas sujas, e deu um chute imediato e radical em tudo aquilo. Da forma mais improvável, aceitou imediatamente o convite de Jesus, para largar tudo e segui-lo. Improbabilidade tão inaudita, como a de alguém que tivesse coragem de pular atrás de Jesus, do vigésimo andar de um prédio, se Jesus pulasse na frente. Eis a definição de fé, despida de palavreado! Em vez de produtora de filosofias reguladoras de interesses particulares, a conversão fez do ex-publicano Mateus um Santo e o Primeiro dos Evangelistas. A esse título, certamente uma das pessoas mais influentes na história e, com seu Evangelho e martírio, patrono das virtudes generosas. Mas voltemos ao fariseu (ou publicano?) da paróquia.

QUEM AMA O FEIO BONITO LHE PARECE – Sociologia do Conhecimento é ramo relativamente recente, na busca humana pela “verdade”. Procura rastrear e confirmar (ou não!) que nossos conhecimentos são, originariamente, resultado da convivência na sociedade e da convergência dos nossos interesses. Não somos nós, com fria racionalidade, que produzimos subjetivamente o conhecimento do mundo, mas é o mundo que objetivamente imprime seu conhecimento em nós. Vejo o mundo através das lentes que meu ambiente cultural colocou em meus olhos. Uma delas, das mais determinantes, é certamente o interesse. Em linguagem da sabedoria popular, “quem ama o feio bonito lhe parece”. Quem encontra seus interesses no “erro”, passa insensivelmente, às vezes convictamente, a vê-lo como verdade. Os colonizadores tinham interesse de provar que índio não possui alma, por isso não é humano e pode ser escravizado. Terminaram acreditando piamente nisso. A “elite branca” (apud Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo), impenitente e perversa, tem todo o interesse de manter-se reacionária. Se muda “sua verdade”, descobrirá que precisa converter-se. Esta é viagem difícil e para poucos.

GORILA É MACACO DEMAIS – Júnior encontra-se em Cuba, lá pelo oitavo semestre de medicina. De vez em quando dá notícias. E recebe, do papai zeloso, missivas recheadas de louvor e gratidão ao “Comandante”. Por aqui, nas mesas de bar, entrou na muda e não discursa mais. Parou de xingar Lula de comunista. Acha até que um Fidel Castro daria jeito no Brasil. À noite, sonha com a formatura do filho e com a justificada vaidade familiar. Os amigos não mais pilheriam, apupando-o de gorila. O que seria exagero, sagüi ideológico já seria suficiente. Mas sagüi vitorioso, próximo de ascender alguns degraus, afastando-se do passado humilde e pobre de seus ancestrais. Não tarda e chegará nosso doutor, formado no estrangeiro! Já que não pôde ser no Brasil nem em Harvard, que viva Cuba, que viva Fidel e viva la revolucíón. Pressente-se a exatidão da verdade, com a qual fecho as presentes considerações: Quem não vive como pensa termina pensando como vive. Em outras palavras, quem não vive de acordo com sua filosofia de vida termina elaborando uma filosofia para justificar sua vida.. - Com a amizade de sempre! Luís.


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