sexta-feira, 26 de outubro de 2007
TEMPOS DE SECA NOS CAMPOS DO SENHOR
TAPA NA CARA DE NOSSAS CONSCIÊNCIAS - Como tem acontecido em todas as décadas da história nordestina, entramos em mais um período de seca. As televisões noticiam a situação desesperadora dos agricultores sertanejos. As lavouras de milho mal cresceram e o feijão nem chegou a criar rama. O noticiário mostra, em casebres de taipa, numerosas crianças semi-nuas, perninhas de graveto e ventres dilatados pela verminose e pela fome. Vítimas inocentes da injustiça e insensibilidade, batendo na cara de nossas consciências. Ao redor dos casebres, mato seco, chão rachado, terra calcinada. Em todo o Nordeste, são milhões de pessoas passando fome, morrendo de inanição, sobretudo crianças, em país com armazéns abarrotados. O problema não é escassez de alimento. Falta distribuição e sobram indiferença e corrupção política. Seres humanos, irmãos nossos, morrem de fome, simplesmente porque o alimento, que existe em abundância, não é distribuído.
PILATOS LAVAM AS MÃOS – Programas sociais do Governo se dizem presentes, para repasse de bolsas alimentares. O estocado, aguardando repartição, seria suficiente para suprir quaisquer calamidades. Depósitos empilhados esperam por responsáveis municipais, que não comparecem. Jornais noticiam, como exemplos de imperdoável ausência, municípios como Canindé e Madalena. Os agentes municipais arquitetam desculpas de toda ordem, para explicar a omissão. Alegam falhas na comunicação do Governo. Argumentam com a necessidade, ainda não efetivada, de procedimentos burocráticos. Desculpam-se com impossibilidade material de arcar com as despesas do transporte. Pretextam exigências, ainda não preenchidas, de certidões e comprovantes. Acusam os flagelados de inércia e passividade. Numa palavra, lavam as mãos no mar de cobranças impenitentes, que impedem o acesso dos famintos ao Pão de cada dia.
“COM JESUS NA CONTRAMÃO” - Releio, pela enésima vez, jóia preciosa do meu amigo Frei Carlos Mesters, biblista de renome internacional e de minha particular predileção. Grupo de leigos católicos do Sul do Brasil, após ler e refletir, em retiro, o pequeno grande livro, escreveu carta aberta ao Papa Bento XVI, solicitando introdução de novos modelos de sacerdócio na Igreja Católica, implantação do sacerdócio feminino, reintegração no serviço da Igreja dos sacerdotes já casados. A carta foi publicada na FOLHA DE S.PAULO (28-09-07), com introdução assinada por Carlos Alberto Roma, graduado em gestão pública e pós-graduado em controladoria pública, ex-seminarista franciscano. O texto da carta, abaixo em destaque antes de nossas considerações finais, foi transcrito do site EDITAL, na internet. Demos à matéria nossa formatação habitual.
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CRESCE A INSATISFAÇÃO DOS CATÓLICOS – “Cresce a nossa insatisfação, enquanto leigos católicos, com a insensibilidade da hierarquia da nossa Igreja que está no Vaticano. A questão de fundo é a explícita falta de coragem para dar os passos necessários para colocar a Igreja no século XXI, especialmente se abrindo aos leigos. Fazemos um curso de atualização teológica. Somos 110 leigos. Após refletirmos sobre a prática e a coragem de Jesus diante da religião do seu tempo, tendo como texto de aprofundamento o livro COM JESUS NA CONTRAMÃO, de Frei Carlos Mesters, decidimos redigir uma carta ao Papa Bento XVI e a toda a Cúria Romana. Estamos cada vez mais motivados em servir a Deus por meio de nossa Igreja. No entanto, estamos sofrendo muito, pois os sucessivos padres que atuam em nossa paróquia têm enfrentado um problema grave: por mais que motivem, a juventude atual não se sente entusiasmada para entrar no seminário, para servir como sacerdote. Estamos acompanhando também o desenrolar desse problema no Velho Continente e verificamos que a situação é ainda mais grave.
PERDÔE-NOS A FRANQUEZA – Nós leigos pedimos desculpas pelo atrevimento de enviar esta correspondência diretamente para Sua Santidade, sem passar pelas instâncias competentes. Este assunto é muito delicado e as instâncias locais não estão autorizadas a debatê-lo. Solicitamos que abra esse debate. Em nossas celebrações dominicais, temos consultado irmãs e irmãos paroquianos e constatamos que mais de 95% entendem que a nossa igreja precisa dar passos novos.
COMUNIDADES MAIS MAL SERVIDAS DO MUNDIO - O Brasil tem a menor proporção de padres católicos do mundo, de acordo com o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais. Enquanto há no Brasil 18.685 padres (1 para cada 10.000 habitantes), na Itália há 1 para cada 1.000 habitantes. Na América Latina, o problema enfrentado pelo Brasil fica evidente. A Argentina tem 1 sacerdote para cada 6.800 habitantes, e a Colômbia, 1 para cada 5.600 habitantes. A média do México, o segundo maior país católico do mundo, é a que mais se aproxima do Brasil: 1 sacerdote para cada 9.700 habitantes.
POR QUE O ANÁTEMA AO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO? Com a grande falta de padres, confirmada em pesquisas realizadas em todos os paises do mundo, nos perguntamos: por que não reconhecer o sacerdócio casado, o sacerdócio feminino e reconduzir os padres casados ao serviço da igreja? Sabemos que, ao longo da história, 39 papas foram casados. O primeiro foi o apóstolo Pedro (Lucas 4, 38-39). Segundo pesquisas do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, publicadas em 31/01/06, existem, no Brasil, cerca de 5.000 padres casados, sem o direito de exercer seu sacerdócio. A maioria sente pulsar fortemente no seu coração a vocação para o sacerdócio. Isso não é um ato violento com o Senhor da Vinha, que enviou aqueles missionários para a messe?
LEIS HUMANAS BLOQUEANDO A LEI MAIOR – Os padres católicos tinham permissão para se casar, no primeiro milênio da era cristã. Foram os dois primeiros Concílios de Latrão, em 1.123 e 1.139, que instituíram o celibato sacerdotal obrigatório e aboliram o casamento de sacerdotes. Os tempos atuais conclamam a que façamos corajosa revisão e mudemos nossos paradigmas. Solicitamos que Sua Santidade crie uma comissão, composta também por leigas e leigos, para aprofundar e solucionar urgentemente quatro questões: 1) implantação de dois modelos de sacerdócio: a) celibatário e b) casado, com normas canônicas específicas para cada estado. 2) Implantação de sacerdócio feminino, com duas modalidades: a) celibatária e b) casada, com normas canônicas específicas para cada estado. 3) Reintegração, no serviço da igreja, dos sacerdotes já casados, ainda vocacionados. 4) Rever a situação dos cristãos casados em segunda união e sua participação na Eucaristia. Diante das reflexões acima, nos sentimos interpeladas e impelidos à participação igualitária, na caminhada e na vida eclesial; sobretudo preocupados com seu futuro. Desejamos expressar nossos pensamentos e expectativas, afirmando ser fundamental que a hierarquia da igreja ouça nosso clamor.
CONVITE PARA ENTRAR NO DEBATE – A hierarquia de nossa Igreja Católica vai continuar indiferente? Ou vai abrir-se ao Espírito Santo e dar um passo à frente? Não podemos adiar ainda mais esse debate. Falta-nos, quem sabe, ‘vontade eclesial’ ou ‘decisão política’? Propomos a todos os cardeais, bispos, sacerdotes, leigas e leigos que trabalham nos movimentos e pastorais, para que abram o debate em seus espaços e façam uma discussão, bem aprofundada, sobre os temas acima .Nosso grupo de leigos e leigas estamos lançando o site www.softline.com.br/leigoscatolicosna contramao - Convidamos todos os leigos e leigas que sentem o vigor profético a entrar nesse debate!”.
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COMIDA FARTA, DISTRIBUIÇÃO TRAVADA – A situação clamorosa dos nordestinos na seca, desnutridos e famintos ao lado de armazéns abarrotados, funciona como parábola malévola para o que sucede com os sacramentos da Igreja. Fé solenemente professada que Jesus depositou, na Igreja, imensa e necessária riqueza sacramental, para servir de alimento e ser repassado. Alimento que não chega ao Povo de Deus, por variados e humanos motivos. Faltam distribuidores suficientes; responsáveis cercam a distribuição de complicações exageradas; condições para a distribuição são alçadas a prioridade maior do que a fome do povo. Eventual arrogância de rubricas impede enxergarmos que fundamental é a vida e não as convenções. Trancamento da comida em nossos armazéns empresta-nos a presunção de sermos proprietários dela e senhores do povo. Em tal clima, impõem-se condições, que talvez interessem mais à manutenção monopolista de poderes. O Povo morre à mingua mas não vai “invadir”, pois o Alimento está bem resguardado!
CARTA DOS CATÓLICOS AO PAPA – Prega-se enfaticamente que os Sacramentos são indispensáveis à vida do mundo e à salvação eterna das pessoas. Para que o Povo de Deus tenha este alcance possibilitado, a Carta dos Católicos solicita que se reveja a disciplina eclesiástica, que dificulta o acesso ao ministério sacerdotal. Vê, no na lei imposta do celibato obrigatório, a imensa pedra no caminho. Esta lei produz as clamorosas desproporções estatísticas, que contradizem afirmações retóricas sobre a importância dos Sacramentos. O bom senso bate com a cara nas estatísticas inaceitáveis e nas vexaminosas desproporções. De um lado, anúncio solene sobre a necessidade fundamental da Eucaristia para a vida do mundo. Do outro, dificultação avara, condicionada por imposições formais, historicamente contestáveis.
NÃO EXISTE CARISMA OBRIGATÓRIO – Celibato pessoal, dedicação radical a Deus e transferência das mais íntimas esperanças para o Universo religioso permanecem como testemunho supremo de Fé. Opção preciosa que, para resguardar a espontaneidade, não precisa entrincheirar-se em acautelamentos burocráticos. O carisma de completa doação a Deus e ao Reino é convite divino, que se realiza em nível da liberdade individual. Não existe carisma imposto. Quero servir ao Povo de Deus como sacerdote e ter minha família, por que não? O desejo encontra explícitos fundamentos, na primitiva história da Igreja e no “sensus fidelium”, o sentir dos fiéis, a Tradição antiga da Igreja, retomada na presente Carta ao Papa.
ENGAJAMENTO NA DISTRIBUIÇÃO DOS PÃES - Hoje percebem-se melhor os anacronismos inaceitáveis entre Evangelho e prepotência, entre Acontecimento querigmático e instituição burocrática, entre Magnanimidade evangélica e dominação arbitrária, entre Reino de Deus e ordem unida, entre o que promove a Vida e o que a esteriliza. Democrática e participante, a Carta dos Católicos aponta novos tempos. O alargamento da consciência há de mostrar que instâncias burocráticas não devem arrogar-se o direito de se intrometer em opções fundamentais das pessoas, na escolha do seu estado civil. Menos ainda, quando a opção é pelo ministério essencial de matar a Fome do Povo de Deus, assumindo a função de repassadores autorizados da Multiplicação dos Pães.
MALES DA SECA NA VINHA DO SENHOR - Nas secas nordestinas, tornou-se proverbial a insensibilidade dos burocratas perante os sofrimentos do povo. Na Igreja, está em jogo realidade ainda mais contundente: Profissão de Fé no Alimento indispensável à Vida. Pregado como necessidade e direito de todos, permanece no resguardo, como privilégio de poucos. Tocam-se os sinos conclamando para a refeição e os refeitórios permanecem trancafiados.
Com a amizade de sempre - Luís
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