MISSA SEM PADRE CELEBRADA PELA COMUNIDADE - Em setembro, recebi e li, com gosto e empatia, o REPASSANDO sobre dominicanos holandeses, que defendem celebração da Missa pela própria Comunidade, quando não haja padre disponível. O assunto é instigante e premente. Ouve-se por aí afora em rodas internas, da boca de pessoas teologicamente bem informadas e eclesialmente comprometidas, que já existem “comunidades subterrâneas” agindo desta forma, para não se privarem da Eucaristia. Missa como celebrada atualmente, monopólio exclusivo do clérigo, haverá de constituir problema e estofo para a grande discussão intra-eclesial, em futuro próximo. Aos poucos, prevalece a convicção do bom senso: o que importa é ter o alimento servido, para não se desfalecer na fé, pela ausência contornável dos distribuidores da comida.
JORNAL DE MINHA ENGAJADA SIMPATIA – Possivelmente você acessa, na internet, o NATIONAL CATHOLIC REPORTER (www.ncronline.org). Eu o faço toda semana e tomo banho de boa informação. Apesar do nome aparentemente sectário, o jornal não pertence à hierarquia da igreja. É tocado por grupo de cristãos independentes e esclarecidos, entre os quais encontram-se padres, bispos e freiras. Seu correspondente em Roma, John Allen, é informação imperdível. Pois bem, o NCR ocupou-se longamente da proposta holandesa, sobre simplificação do acesso à presidência da Eucaristia. As grandes questões estão no ar e só precisamos de radares sensíveis. Acrescente-se que idéias inovadoras, propostas revolucionárias e até descobertas improváveis nasceram perseguidas por anátemas, desde o berço. O sonho dos literatos franceses, aos tempos do bom Iluminismo, era terem seus livros postos no INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM. Não havia garantia melhor de boas vendas!
NOS PRIMEIROS SÉCULOS JÁ ERA ASSIM – É do NCR (12-10-07) que traduzo a retomada do assunto. Dominicanos holandeses propõem corajosa solução para falta de padres na Holanda: permitir ao laicato escolher suas próprias lideranças na Comunidade e autorizá-las para a presidência da Eucaristia. Apelando para o exemplo da Igreja primitiva, aqueles religiosos propõem que as Comunidades apresentem ao bispo suas lideranças locais e solicitem que elas sejam sacramentalmente reconhecidas. Os líderes escolhidos podem ser homens ou mulheres, homossexuais ou heterossexuais, casados ou solteiros, afirmam os dominicanos, em publicação de 38 páginas, intitulada IGREJA E MINISTÉRIO. O livreto foi amplamente divulgado nas paróquias holandesas, entre as ordens religiosas e até no episcopado. Quanto à escancarada insubmissão das propostas, lembre-se de que estamos falando da libertária Holanda!
QUEM DIRIGE TODOS SEJA ESCOLHIDO POR TODOS – Os religiosos, autores do livreto com subtítulo RUMO A UMA IGREJA DO FUTURO, sustentam: não existe barreiras teológicas mas apenas impasse clerical – a lei do celibato – para a ordenação de clero leigo. Citam a afirmação do Papa Leão Magno, no século V: “O que dirige todos deve ser escolhido por todos”. As questões levantadas não são apenas dos quase cinco milhões de católicos holandeses. Dizem respeito e interessam os fiéis, em muitas partes do mundo católico. Mesmo assim, o primaz da Igreja Católica holandesa imediatamente expressou sua contestação. Um dos frades autores do livreto declarou, em entrevista, que os dominicanos já podiam prever o desprazer oficial, com a distribuição do folheto, sem a permissão da hierarquia. “Sabíamos também que, se a requisitássemos, ela seria denegada; por isso fomos em frente!”
PODER DA HIERARQUIA CONTRA DIREITO DA COMUNIDADE – Boa parte das comunidades católicas, na Holanda, já oferece serviços religiosos presididos por leigos. Tais serviços são frequentemente até chamados de Eucaristia. Geralmente contentam-se com denominação menos abrangente: Liturgia da Palavra, com Distribuição da Comunhão. Conforme o folheto, muitos fiéis não distinguem mais entre a Missa do padre e a Liturgia da Palavra seguida de Comunhão. Acham que as duas têm o mesmo valor. Perante o fechamento doloroso de paróquias e importação de clero estrangeiro para preencher os vazios – juntamente com a rejeição da ordenação de mulheres e de homens casados – muitos católicos holandeses acham que a Igreja oficial optou por conservar a estrutura disciplinar do sacerdócio atual, contra o direito das Comunidades à Eucaristia. Arquivar leis antiquadas, sem fundamento na Igreja primitiva, que reservam a ordenação sacerdotal a homens celibatários, é do maior interesse para o Povo de Deus, que não pode passar sem a Eucaristia.
COMUNIDADES LARGADAS ESCOLHEM O PRÓPRIO CAMINHO – Mais adiante, o livreto holandês observa que muitas Comunidades católicas já seguem seu próprio caminho, substituindo orações, textos e liturgias oficiais, por preces e leituras próprias e por sua forma local de rezar e celebrar. Conforme tradução não-oficial do livreto para o inglês, orações e textos locais são preferidos na Celebração, porque se ligam na mesma sintonia em que estão ligadas as preocupações do povo, em suas vidas diárias. Condenações emocionais e reações contrárias, manifestadas por autoridades da Igreja, são percebidas apenas como obstáculo e retardo à solução do grave e urgente problema. Resultado da lerdeza oficial: “Muitos católicos holandeses são forçados a escolher subrepticiamente seu próprio caminho”, asseveram os dominicanos.
FINGE QUE OBEDECE, EU FINJO QUE NÃO VEJO - O que se percebe hoje na Holanda é uma igreja “underground”, onde as coisas acontecem e os bispos não sabem ou fingem não saber. “Muitas paróquia não ousam falar sobre a situação, porque temem os bispos”, garante um dos freis. Ele observa que os serviços religiosos alternativos não-tradicionais atraem crescentemente jovens e “grisalhos”. “Retornamos às catacumbas; lá em cima, ninguém pode ou quer saber do que sucede aqui embaixo”, assevera o livreto. Seu relato afirma-se baseado em décadas de experiência da Igreja holandesa. Os autores são religiosos mais velhos, enraizados nos escritos do mais famoso teólogo holandês Edward Schillebeeckx, suspeito de heresia pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, aos tempos do Cardeal Ratzinger, antes de tornar-se Bento XVI.
RESTAURANTES DE FOGÕES APAGADOS – Frei André Lascaris, um dos autores, observa que muitas paróquias celebram a Liturgia da Palavra e distribuem a Comunhão, com Hóstias previamente consagradas. Ele acha que celebrar a Eucaristia com Hóstia pré-consagrada é como comer o pão da mesa dos outros. “Imagine, diz ele, ir a um restaurante onde você se senta e lhe trazem comida preparada em outros restaurantes, até em outras cidades!” Responsável pelo Centro de Estudos TEOLOGIA E SOCIEDADE, em Nijmegen, Frei Lascaris espera que as recomendações do livrinho gestem frutos pelo menos para a próxima geração!”– Conclui-se com desabafo do próprio Evangelho: é realmente problemático pregar remendo novo em tecido velho. Em todo caso, os audaciosos dominicanos holandeses sentem-se encorajados pelas inúmeras reações favoráveis, até das piedosas freiras. Elas também vêem a proposta como única via de futuro para a Igreja holandesa. Aqui entre nós, no “maior país católico do mundo”, seria diferente? Não sou eu quem fala, é palavra mais autorizada do que a minha: quando os pastores descuram o rebanho, lobos deitam e rolam!
Com a mesma amizade - Luís
segunda-feira, 29 de outubro de 2007
sexta-feira, 26 de outubro de 2007
TEMPOS DE SECA NOS CAMPOS DO SENHOR
TAPA NA CARA DE NOSSAS CONSCIÊNCIAS - Como tem acontecido em todas as décadas da história nordestina, entramos em mais um período de seca. As televisões noticiam a situação desesperadora dos agricultores sertanejos. As lavouras de milho mal cresceram e o feijão nem chegou a criar rama. O noticiário mostra, em casebres de taipa, numerosas crianças semi-nuas, perninhas de graveto e ventres dilatados pela verminose e pela fome. Vítimas inocentes da injustiça e insensibilidade, batendo na cara de nossas consciências. Ao redor dos casebres, mato seco, chão rachado, terra calcinada. Em todo o Nordeste, são milhões de pessoas passando fome, morrendo de inanição, sobretudo crianças, em país com armazéns abarrotados. O problema não é escassez de alimento. Falta distribuição e sobram indiferença e corrupção política. Seres humanos, irmãos nossos, morrem de fome, simplesmente porque o alimento, que existe em abundância, não é distribuído.
PILATOS LAVAM AS MÃOS – Programas sociais do Governo se dizem presentes, para repasse de bolsas alimentares. O estocado, aguardando repartição, seria suficiente para suprir quaisquer calamidades. Depósitos empilhados esperam por responsáveis municipais, que não comparecem. Jornais noticiam, como exemplos de imperdoável ausência, municípios como Canindé e Madalena. Os agentes municipais arquitetam desculpas de toda ordem, para explicar a omissão. Alegam falhas na comunicação do Governo. Argumentam com a necessidade, ainda não efetivada, de procedimentos burocráticos. Desculpam-se com impossibilidade material de arcar com as despesas do transporte. Pretextam exigências, ainda não preenchidas, de certidões e comprovantes. Acusam os flagelados de inércia e passividade. Numa palavra, lavam as mãos no mar de cobranças impenitentes, que impedem o acesso dos famintos ao Pão de cada dia.
“COM JESUS NA CONTRAMÃO” - Releio, pela enésima vez, jóia preciosa do meu amigo Frei Carlos Mesters, biblista de renome internacional e de minha particular predileção. Grupo de leigos católicos do Sul do Brasil, após ler e refletir, em retiro, o pequeno grande livro, escreveu carta aberta ao Papa Bento XVI, solicitando introdução de novos modelos de sacerdócio na Igreja Católica, implantação do sacerdócio feminino, reintegração no serviço da Igreja dos sacerdotes já casados. A carta foi publicada na FOLHA DE S.PAULO (28-09-07), com introdução assinada por Carlos Alberto Roma, graduado em gestão pública e pós-graduado em controladoria pública, ex-seminarista franciscano. O texto da carta, abaixo em destaque antes de nossas considerações finais, foi transcrito do site EDITAL, na internet. Demos à matéria nossa formatação habitual.
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CRESCE A INSATISFAÇÃO DOS CATÓLICOS – “Cresce a nossa insatisfação, enquanto leigos católicos, com a insensibilidade da hierarquia da nossa Igreja que está no Vaticano. A questão de fundo é a explícita falta de coragem para dar os passos necessários para colocar a Igreja no século XXI, especialmente se abrindo aos leigos. Fazemos um curso de atualização teológica. Somos 110 leigos. Após refletirmos sobre a prática e a coragem de Jesus diante da religião do seu tempo, tendo como texto de aprofundamento o livro COM JESUS NA CONTRAMÃO, de Frei Carlos Mesters, decidimos redigir uma carta ao Papa Bento XVI e a toda a Cúria Romana. Estamos cada vez mais motivados em servir a Deus por meio de nossa Igreja. No entanto, estamos sofrendo muito, pois os sucessivos padres que atuam em nossa paróquia têm enfrentado um problema grave: por mais que motivem, a juventude atual não se sente entusiasmada para entrar no seminário, para servir como sacerdote. Estamos acompanhando também o desenrolar desse problema no Velho Continente e verificamos que a situação é ainda mais grave.
PERDÔE-NOS A FRANQUEZA – Nós leigos pedimos desculpas pelo atrevimento de enviar esta correspondência diretamente para Sua Santidade, sem passar pelas instâncias competentes. Este assunto é muito delicado e as instâncias locais não estão autorizadas a debatê-lo. Solicitamos que abra esse debate. Em nossas celebrações dominicais, temos consultado irmãs e irmãos paroquianos e constatamos que mais de 95% entendem que a nossa igreja precisa dar passos novos.
COMUNIDADES MAIS MAL SERVIDAS DO MUNDIO - O Brasil tem a menor proporção de padres católicos do mundo, de acordo com o Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais. Enquanto há no Brasil 18.685 padres (1 para cada 10.000 habitantes), na Itália há 1 para cada 1.000 habitantes. Na América Latina, o problema enfrentado pelo Brasil fica evidente. A Argentina tem 1 sacerdote para cada 6.800 habitantes, e a Colômbia, 1 para cada 5.600 habitantes. A média do México, o segundo maior país católico do mundo, é a que mais se aproxima do Brasil: 1 sacerdote para cada 9.700 habitantes.
POR QUE O ANÁTEMA AO SACRAMENTO DO MATRIMÔNIO? Com a grande falta de padres, confirmada em pesquisas realizadas em todos os paises do mundo, nos perguntamos: por que não reconhecer o sacerdócio casado, o sacerdócio feminino e reconduzir os padres casados ao serviço da igreja? Sabemos que, ao longo da história, 39 papas foram casados. O primeiro foi o apóstolo Pedro (Lucas 4, 38-39). Segundo pesquisas do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais, publicadas em 31/01/06, existem, no Brasil, cerca de 5.000 padres casados, sem o direito de exercer seu sacerdócio. A maioria sente pulsar fortemente no seu coração a vocação para o sacerdócio. Isso não é um ato violento com o Senhor da Vinha, que enviou aqueles missionários para a messe?
LEIS HUMANAS BLOQUEANDO A LEI MAIOR – Os padres católicos tinham permissão para se casar, no primeiro milênio da era cristã. Foram os dois primeiros Concílios de Latrão, em 1.123 e 1.139, que instituíram o celibato sacerdotal obrigatório e aboliram o casamento de sacerdotes. Os tempos atuais conclamam a que façamos corajosa revisão e mudemos nossos paradigmas. Solicitamos que Sua Santidade crie uma comissão, composta também por leigas e leigos, para aprofundar e solucionar urgentemente quatro questões: 1) implantação de dois modelos de sacerdócio: a) celibatário e b) casado, com normas canônicas específicas para cada estado. 2) Implantação de sacerdócio feminino, com duas modalidades: a) celibatária e b) casada, com normas canônicas específicas para cada estado. 3) Reintegração, no serviço da igreja, dos sacerdotes já casados, ainda vocacionados. 4) Rever a situação dos cristãos casados em segunda união e sua participação na Eucaristia. Diante das reflexões acima, nos sentimos interpeladas e impelidos à participação igualitária, na caminhada e na vida eclesial; sobretudo preocupados com seu futuro. Desejamos expressar nossos pensamentos e expectativas, afirmando ser fundamental que a hierarquia da igreja ouça nosso clamor.
CONVITE PARA ENTRAR NO DEBATE – A hierarquia de nossa Igreja Católica vai continuar indiferente? Ou vai abrir-se ao Espírito Santo e dar um passo à frente? Não podemos adiar ainda mais esse debate. Falta-nos, quem sabe, ‘vontade eclesial’ ou ‘decisão política’? Propomos a todos os cardeais, bispos, sacerdotes, leigas e leigos que trabalham nos movimentos e pastorais, para que abram o debate em seus espaços e façam uma discussão, bem aprofundada, sobre os temas acima .Nosso grupo de leigos e leigas estamos lançando o site www.softline.com.br/leigoscatolicosna contramao - Convidamos todos os leigos e leigas que sentem o vigor profético a entrar nesse debate!”.
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COMIDA FARTA, DISTRIBUIÇÃO TRAVADA – A situação clamorosa dos nordestinos na seca, desnutridos e famintos ao lado de armazéns abarrotados, funciona como parábola malévola para o que sucede com os sacramentos da Igreja. Fé solenemente professada que Jesus depositou, na Igreja, imensa e necessária riqueza sacramental, para servir de alimento e ser repassado. Alimento que não chega ao Povo de Deus, por variados e humanos motivos. Faltam distribuidores suficientes; responsáveis cercam a distribuição de complicações exageradas; condições para a distribuição são alçadas a prioridade maior do que a fome do povo. Eventual arrogância de rubricas impede enxergarmos que fundamental é a vida e não as convenções. Trancamento da comida em nossos armazéns empresta-nos a presunção de sermos proprietários dela e senhores do povo. Em tal clima, impõem-se condições, que talvez interessem mais à manutenção monopolista de poderes. O Povo morre à mingua mas não vai “invadir”, pois o Alimento está bem resguardado!
CARTA DOS CATÓLICOS AO PAPA – Prega-se enfaticamente que os Sacramentos são indispensáveis à vida do mundo e à salvação eterna das pessoas. Para que o Povo de Deus tenha este alcance possibilitado, a Carta dos Católicos solicita que se reveja a disciplina eclesiástica, que dificulta o acesso ao ministério sacerdotal. Vê, no na lei imposta do celibato obrigatório, a imensa pedra no caminho. Esta lei produz as clamorosas desproporções estatísticas, que contradizem afirmações retóricas sobre a importância dos Sacramentos. O bom senso bate com a cara nas estatísticas inaceitáveis e nas vexaminosas desproporções. De um lado, anúncio solene sobre a necessidade fundamental da Eucaristia para a vida do mundo. Do outro, dificultação avara, condicionada por imposições formais, historicamente contestáveis.
NÃO EXISTE CARISMA OBRIGATÓRIO – Celibato pessoal, dedicação radical a Deus e transferência das mais íntimas esperanças para o Universo religioso permanecem como testemunho supremo de Fé. Opção preciosa que, para resguardar a espontaneidade, não precisa entrincheirar-se em acautelamentos burocráticos. O carisma de completa doação a Deus e ao Reino é convite divino, que se realiza em nível da liberdade individual. Não existe carisma imposto. Quero servir ao Povo de Deus como sacerdote e ter minha família, por que não? O desejo encontra explícitos fundamentos, na primitiva história da Igreja e no “sensus fidelium”, o sentir dos fiéis, a Tradição antiga da Igreja, retomada na presente Carta ao Papa.
ENGAJAMENTO NA DISTRIBUIÇÃO DOS PÃES - Hoje percebem-se melhor os anacronismos inaceitáveis entre Evangelho e prepotência, entre Acontecimento querigmático e instituição burocrática, entre Magnanimidade evangélica e dominação arbitrária, entre Reino de Deus e ordem unida, entre o que promove a Vida e o que a esteriliza. Democrática e participante, a Carta dos Católicos aponta novos tempos. O alargamento da consciência há de mostrar que instâncias burocráticas não devem arrogar-se o direito de se intrometer em opções fundamentais das pessoas, na escolha do seu estado civil. Menos ainda, quando a opção é pelo ministério essencial de matar a Fome do Povo de Deus, assumindo a função de repassadores autorizados da Multiplicação dos Pães.
MALES DA SECA NA VINHA DO SENHOR - Nas secas nordestinas, tornou-se proverbial a insensibilidade dos burocratas perante os sofrimentos do povo. Na Igreja, está em jogo realidade ainda mais contundente: Profissão de Fé no Alimento indispensável à Vida. Pregado como necessidade e direito de todos, permanece no resguardo, como privilégio de poucos. Tocam-se os sinos conclamando para a refeição e os refeitórios permanecem trancafiados.
Com a amizade de sempre - Luís
sábado, 20 de outubro de 2007
SINTA-SE PROMOVIDO A GENERAL!
DRAMALHÃO DE TERCEIRA ÀS NOSSAS CUSTAS – Pela fluidez da cena, mostrada na televisão, não deu para computar. Mas confirmava o ditado de nossas briguinhas de garotos, nas ruas da infância: -“Muita pabulagem é sinal de pouca coragem!” Meia dúzia de camburões enlouquecidos ziguezagueou na rua estreita, de cirenes ligadas, cantando pneus. Das sinistras viaturas, saltaram excitados numerosos policiais, em traje de guerra, com metralhadoras apontadas, espalhando justificado terror. Foi no Iraque? na Faixa de Gaza? Ou teria começado a guerra contra a Argentina, fora dos campos de futebol? Nada disso, a patuscada belicosa sucedeu em frente a pacífica igreja evangélica, em subúrbio paulista. Objetivo da operação era prender perigoso celerado, de idade provecta, ameaçadoramente protegido por senhora grisalha, sua esposa, e pela filha adolescente. O indigitado criminoso encontrava-se perversamente municiado, com uma Bíblia debaixo do braço. Pneus queimando no asfalto, uniformes guerreiros, gasolina à tripa forra, soldos polpudos, tudo pago por você e por mim. Com que grandioso objetivo? Prender o Sr. Edir Macedo, pastor da Igreja Universal. Aquele mesmo que, por conta própria, promoveu-se de pastor evangélico a bispo.
APAGANDO INCÊNDIO COM ÀLCOOL – A ruidosa operação militar fora cuidadosamente elaborada, em nome do combate aos crimes de curandeirismo, charlatanismo e exploração da credulidade popular. O “bispo” e seu empreendimento religioso devem agradecer diariamente a violência gratuita e desnecessária. É axioma antigo, desde o começo do Cristianismo: “O sangue dos perseguidos é sementeira de novos adeptos”. Do momento da ação espetaculosa em diante, a Igreja Universal, acusada dos mencionados crimes, só fez crescer. Consequentemente devem ter crescido junto os alegados curandeirismos, as charlatanices e embromações da crendice ingênua. Através da TV Record, passou a ameaçar o monopólio da Rede Globo, pecado gravíssimo! A pândega policial vexaminosa serviu para criar os ares de martírio. O temor, nas altas esferas da mídia, é que Edir Macedo se transforme em novo Roberto Marinho. Já se notam sinais. Entre eles, o prazer sabujo que jornalistas da Record descobriram, de levantar a bola para o “bispo” cortar. O ser humano não falha!
MUITA MERCANCIA E POUCA TEOLOGIA – Na espichada entrevista do Sr. Edir Macedo ao seu funcionário da TV Record, o miolo foi mais ou menos o seguinte: - “Jesus não foi pobre, ele era rei e um rei nunca é pobre! Deus é pai e pai não vai permitir que seu filho caia em desgraça.. O pai sempre há de garantir a prosperidade dos filhos. O Pai do céu tem mais a dar para você do que você tem a dar para Ele. Mas você recebe de Deus, na proporção do tanto que você entrega. Se você dá pouco, recebe pouco; se dá mais, recebe mais; se dá muito, recebe muito!” Em frases alinhavadas e citações não literais, eis o resumo da Teologia da Prosperidade, como a entendi, na entrevista do “bispo”. O Projeto de Deus é que sejamos prósperos! Sucesso material e êxito nesta vida constituem sinais de bênção divina. Pobrezas, desgraças e doenças são produzidas por maus espíritos, que precisam ser exorcizados pelos pastores da Igreja Universal. Em sociedade de destituídos, onde são escassas e íngremes as chances de ascensão, a identificação de Deus com garantia de sucesso nos empreendimentos materiais é sopa no mel, para moscas desesperadas.
PAI DE UNS, PADRASTRO DE OUTROS – Não longe daqui, vive um frade paraplégico, conhecido, a vida toda, por sua piedade pessoal, amor a Deus e serventia aos irmãos, desde a juventude. Como franciscano servidor, dedicou-se aos romeiros pobres do sertão nordestino, em Canindé. Apaixonado por Deus e querido pelo povo, a prosperidade que recebeu foi um AVC e permanente cadeira-de-rodas. A imensa humanidade, que não ganha visibilidade na mídia, está repleta de casos semelhantes. Superlotados deles estavam os vários hospitais que penosamente freqüentei, nos últimos anos. O mundo encontra-se abarrotado de hospitais, com filhos queridos de Deus, carregando a cruz do sofrimento. Traumaticamente inesquecível a ala pediátrica do Hospital do Câncer, em São Paulo, com muitas dezenas de crianças cancerosas. Nas alas do SUS, filas enormes de brasileiros pobres e socialmente desamparados. Agressivamente desafiadores da Fé, em termos de insucesso, os presídios brasileiros, superlotados de jovem marginais, em sociedade que não lhes deu chances na vida. Metade da população mundial vive no aperto ou na penúria. Nossas favelas são habitadas, contra a vontade, por comunidades apavoradas, pelo banditismo e pela polícia. Mais longe de nós, no citado Iraque, milhares de pessoas inocentes: velhos, mulheres e crianças, são bombardeados e estilhaçados, por ordem do “renascido em Cristo” George Bush. É difícil justificar uma Teologia da Prosperidade, botando Jesus no lado dos bem sucedidos, em meio a tanta desigualdade e tanta injustiça.
JÁ TIVERAM TUDO EM VIDA – Ninguém melhor para descrever sua Teologia do que o próprio Filho de Deus. Conta ele: “Havia um homem rico, muito bem sucedido, que possuía tudo o que se possa almejar. Vivia luxuosamente, na transbordante prosperidade dos desejos mais caros. Na calçada, perto da sua porta, deitava-se um. pobre Lázaro fracassado. Miserável, doente, cheio de chagas, aguardava faminto que lhe caíssem as migalhas da mesa do rico. Como não existe prosperidade que nos livre da morte, ambos morreram. O pobre foi levado para o Seio de Abraão e o rico, para as profundezas de seu anátema. Em meio ao infortúnio, o rico viu, de longe, a felicidade celeste e clamou, no desespero: - “Pai Abraão, manda que Lázaro molhe a ponta do dedo e me traga um pingo de água, pois não suporto mais tanta sede, neste lugar de tormento!” Detalhe agourento o condenado chama Abraão de pai e Abraão responde, chamando-o de filho: - “Filho, já tiveste tudo em vida e Lázaro só teve males. Por isso ele agora encontra aqui consolo e tu és atormentado”. O original da parábola encontra-se no capítulo 16 do Evangelho de Lucas.
“SE DESFAÇA DE TUDO O QUE POSSUI!” – O jovem rico e próspero aproximou-se de Jesus, para perguntar-lhe: - “O que devo fazer para conseguir a vida eterna?” Jesus e o jovem recapitularam então os Mandamentos da Lei de Deus. O jovem asseverou que cumpria todos eles, desde a infância. Jesus olhou nos olhos daquele ser humano bem intencionado e o amou, abrindo-lhe os umbrais da grande chance de sua vida: - “Se queres ser perfeito, vai, desfaze-te de tudo o que possuis e dá de esmola aos pobres. Depois, quando não tiveres mais nada de teu, vem e segue-me!” O sorriso morreu nos olhos do rapaz. Ele ficou pensativo e afastou-se entristecido. Desapareceu de vez e para sempre. Podia ter sido um dos Doze Apóstolos, no seguimento de Jesus, com importância garantida na história humana. Preferiu sua prosperidade material efêmera e não o Chamado para o Infinito. Dele a história não guardou nem o nome. Jesus concluiu o episódio, com o pungente desabafo: - “Como é difícil, para os que possuem riquezas, entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” O original da citação encontra-se no capítulo 18 do Evangelho de Lucas.
“JESUS NÃO ERA POBRE” - Aos que, eventualmente mais envolvidos no montante da Coleta do que no Evangelho, afirmam que Jesus não era pobre, Ele mesmo oferece a inequívoca resposta, que deu a quem lhe perguntou onde morava: - “As raposas têm suas tocas e os pássaros do céu têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. A passagem encontra-se no capítulo 9 do Evangelho de Lucas, citado três vezes na presente crônica. No mês do Dia dos Médicos, o Dr. Lucas Evangelista está aqui no lugar certo. Em seu diagnóstico sobre a vida de Jesus, mostrou que o buraco do Mistério é bem mais profundo que a sacola das coletas. Na vida real, preferiu abdicar da prosperidade material, garantida pela profissão. Aceitou o convite, renunciou às vantagens pessoais e aboletou-se despojadamente na incômoda desinstalação, exigida pelo Evangelho. Que ele primeiro viveu e depois escreveu! – Juntando pé com cabeça, concluo bem humorado: se alguém se nomeia bispo por conta própria, eu me nomeio coronel e te promovo, leitor, a general. Continência, então, meu general!
Com a amizade de sempre. – Luis
APAGANDO INCÊNDIO COM ÀLCOOL – A ruidosa operação militar fora cuidadosamente elaborada, em nome do combate aos crimes de curandeirismo, charlatanismo e exploração da credulidade popular. O “bispo” e seu empreendimento religioso devem agradecer diariamente a violência gratuita e desnecessária. É axioma antigo, desde o começo do Cristianismo: “O sangue dos perseguidos é sementeira de novos adeptos”. Do momento da ação espetaculosa em diante, a Igreja Universal, acusada dos mencionados crimes, só fez crescer. Consequentemente devem ter crescido junto os alegados curandeirismos, as charlatanices e embromações da crendice ingênua. Através da TV Record, passou a ameaçar o monopólio da Rede Globo, pecado gravíssimo! A pândega policial vexaminosa serviu para criar os ares de martírio. O temor, nas altas esferas da mídia, é que Edir Macedo se transforme em novo Roberto Marinho. Já se notam sinais. Entre eles, o prazer sabujo que jornalistas da Record descobriram, de levantar a bola para o “bispo” cortar. O ser humano não falha!
MUITA MERCANCIA E POUCA TEOLOGIA – Na espichada entrevista do Sr. Edir Macedo ao seu funcionário da TV Record, o miolo foi mais ou menos o seguinte: - “Jesus não foi pobre, ele era rei e um rei nunca é pobre! Deus é pai e pai não vai permitir que seu filho caia em desgraça.. O pai sempre há de garantir a prosperidade dos filhos. O Pai do céu tem mais a dar para você do que você tem a dar para Ele. Mas você recebe de Deus, na proporção do tanto que você entrega. Se você dá pouco, recebe pouco; se dá mais, recebe mais; se dá muito, recebe muito!” Em frases alinhavadas e citações não literais, eis o resumo da Teologia da Prosperidade, como a entendi, na entrevista do “bispo”. O Projeto de Deus é que sejamos prósperos! Sucesso material e êxito nesta vida constituem sinais de bênção divina. Pobrezas, desgraças e doenças são produzidas por maus espíritos, que precisam ser exorcizados pelos pastores da Igreja Universal. Em sociedade de destituídos, onde são escassas e íngremes as chances de ascensão, a identificação de Deus com garantia de sucesso nos empreendimentos materiais é sopa no mel, para moscas desesperadas.
PAI DE UNS, PADRASTRO DE OUTROS – Não longe daqui, vive um frade paraplégico, conhecido, a vida toda, por sua piedade pessoal, amor a Deus e serventia aos irmãos, desde a juventude. Como franciscano servidor, dedicou-se aos romeiros pobres do sertão nordestino, em Canindé. Apaixonado por Deus e querido pelo povo, a prosperidade que recebeu foi um AVC e permanente cadeira-de-rodas. A imensa humanidade, que não ganha visibilidade na mídia, está repleta de casos semelhantes. Superlotados deles estavam os vários hospitais que penosamente freqüentei, nos últimos anos. O mundo encontra-se abarrotado de hospitais, com filhos queridos de Deus, carregando a cruz do sofrimento. Traumaticamente inesquecível a ala pediátrica do Hospital do Câncer, em São Paulo, com muitas dezenas de crianças cancerosas. Nas alas do SUS, filas enormes de brasileiros pobres e socialmente desamparados. Agressivamente desafiadores da Fé, em termos de insucesso, os presídios brasileiros, superlotados de jovem marginais, em sociedade que não lhes deu chances na vida. Metade da população mundial vive no aperto ou na penúria. Nossas favelas são habitadas, contra a vontade, por comunidades apavoradas, pelo banditismo e pela polícia. Mais longe de nós, no citado Iraque, milhares de pessoas inocentes: velhos, mulheres e crianças, são bombardeados e estilhaçados, por ordem do “renascido em Cristo” George Bush. É difícil justificar uma Teologia da Prosperidade, botando Jesus no lado dos bem sucedidos, em meio a tanta desigualdade e tanta injustiça.
JÁ TIVERAM TUDO EM VIDA – Ninguém melhor para descrever sua Teologia do que o próprio Filho de Deus. Conta ele: “Havia um homem rico, muito bem sucedido, que possuía tudo o que se possa almejar. Vivia luxuosamente, na transbordante prosperidade dos desejos mais caros. Na calçada, perto da sua porta, deitava-se um. pobre Lázaro fracassado. Miserável, doente, cheio de chagas, aguardava faminto que lhe caíssem as migalhas da mesa do rico. Como não existe prosperidade que nos livre da morte, ambos morreram. O pobre foi levado para o Seio de Abraão e o rico, para as profundezas de seu anátema. Em meio ao infortúnio, o rico viu, de longe, a felicidade celeste e clamou, no desespero: - “Pai Abraão, manda que Lázaro molhe a ponta do dedo e me traga um pingo de água, pois não suporto mais tanta sede, neste lugar de tormento!” Detalhe agourento o condenado chama Abraão de pai e Abraão responde, chamando-o de filho: - “Filho, já tiveste tudo em vida e Lázaro só teve males. Por isso ele agora encontra aqui consolo e tu és atormentado”. O original da parábola encontra-se no capítulo 16 do Evangelho de Lucas.
“SE DESFAÇA DE TUDO O QUE POSSUI!” – O jovem rico e próspero aproximou-se de Jesus, para perguntar-lhe: - “O que devo fazer para conseguir a vida eterna?” Jesus e o jovem recapitularam então os Mandamentos da Lei de Deus. O jovem asseverou que cumpria todos eles, desde a infância. Jesus olhou nos olhos daquele ser humano bem intencionado e o amou, abrindo-lhe os umbrais da grande chance de sua vida: - “Se queres ser perfeito, vai, desfaze-te de tudo o que possuis e dá de esmola aos pobres. Depois, quando não tiveres mais nada de teu, vem e segue-me!” O sorriso morreu nos olhos do rapaz. Ele ficou pensativo e afastou-se entristecido. Desapareceu de vez e para sempre. Podia ter sido um dos Doze Apóstolos, no seguimento de Jesus, com importância garantida na história humana. Preferiu sua prosperidade material efêmera e não o Chamado para o Infinito. Dele a história não guardou nem o nome. Jesus concluiu o episódio, com o pungente desabafo: - “Como é difícil, para os que possuem riquezas, entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” O original da citação encontra-se no capítulo 18 do Evangelho de Lucas.
“JESUS NÃO ERA POBRE” - Aos que, eventualmente mais envolvidos no montante da Coleta do que no Evangelho, afirmam que Jesus não era pobre, Ele mesmo oferece a inequívoca resposta, que deu a quem lhe perguntou onde morava: - “As raposas têm suas tocas e os pássaros do céu têm seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. A passagem encontra-se no capítulo 9 do Evangelho de Lucas, citado três vezes na presente crônica. No mês do Dia dos Médicos, o Dr. Lucas Evangelista está aqui no lugar certo. Em seu diagnóstico sobre a vida de Jesus, mostrou que o buraco do Mistério é bem mais profundo que a sacola das coletas. Na vida real, preferiu abdicar da prosperidade material, garantida pela profissão. Aceitou o convite, renunciou às vantagens pessoais e aboletou-se despojadamente na incômoda desinstalação, exigida pelo Evangelho. Que ele primeiro viveu e depois escreveu! – Juntando pé com cabeça, concluo bem humorado: se alguém se nomeia bispo por conta própria, eu me nomeio coronel e te promovo, leitor, a general. Continência, então, meu general!
Com a amizade de sempre. – Luis
terça-feira, 16 de outubro de 2007
ESCRITO NO DÓLAR: "EM DEUS CONFIAMOS"
BÍBLIA RECHEADA DE DÓLARES – Encontra-se trancafiado, nos Estados Unidos, o “casal de bispos” (sic!) Estevam e Sônia Hernandes, líderes da igreja Renascer em Cristo. Foram pegos, pela aduana americana, com a bagagem estufada de dólares contrabandeados, escondidos na Bíblia. O Ministério Público de São Paulo recebeu, do Departamento de Justiça americano, a informação de que, entre 2001 e 2006, dois milhões de dólares saíram clandestinamente do Brasil, por uma conta bancária de Estevam e Sônia, em banco da Flórida. Em determinados meses, o montante de depósitos chegou a 147 mil dólares. Em outro caso, tempos atrás, uma mulher foi detida, também no aeroporto de Miami, com bebê no colo, recheado de cocaína. Profanações hediondas, da Bíblia e do bebê.
AQUILO FOI SÓ O APERITIVO – O ministério Público desconfia que seja só amostra do dinheiro movimentado pelo casal. Levantamento feito pelos promotores revela que o patrimônio da “bispa” (?) Sônia e do “apóstolo” (?) Estevam é de 130 milhões de reais. O cálculo se baseia nos valores de apartamentos, fazendas, um haras, uma mansão em Miami, uma frota de 15 carros e depósitos em outras contas bancárias. É dinheiro bastante, conforme reportagem de VEJA (10-10-07), para colocar os Hernandes vários cifrões acima do mais rico e mais conhecido fiel da Renascer, o jogador Kaká. Craque do Milan, atleta mais bem pago da liga italiana de futebol, Kaká tem um patrimônio estimado em 50 milhões de reais. A diferença é que as jogadas do casal da Renascer acontecem em outro campo – o da sonegação e da fraude.
ÁGUA DO RIO JORDÃO CURA TUDO – A mesma revista reportou, tempos atrás, outras situações em que se vende o Nome de Deus, para enganar os pobres. Esta vez, dizia respeito à Igreja Universal e vai aqui relatado, não como apedrejamento mas como lição, para detectarmos mercenarismos, embrulhados com religião. Contava a revista, em reportagem amarelada em minha gaveta: “José Oliveira chega perto do protótipo do garotão de Wall Street. Na faixa dos 30 anos, é aprumado, boa-pinta, bom de papo e tem faro para finanças. Até a hora em que começa a bradar, em portunhol, os ensinamentos do “bispo” Edir Macedo. O carioca é pastor da pequena filial da Igreja Universal, em Manhattan. Em uma noite de segunda feira, ele assegura aos fiéis que qualquer doença desaparece, se lavarem as mãos em uma certa água do Rio Jordão”.
NO FIM PASSA-SE O CHAPÉU – O pastor ainda faz os fiéis, de origem hispânica e humildes, rasgarem as roupas trazidas para o culto. Assim, eles se livram das dificuldades econômicas. Depois vem a sessão de exorcismos. Por fim, o pastor passa o chapéu para a coleta. Trata-se de uma das 11 igrejas da seita em Nova York. Todas oferecem cultos 3 a 4 vezes por dia. Os espectadores são chamados a “receber” oferendas com sal, água e mel milagroso. De início, não se toca no assunto “dinheiro”. A rápida difusão da seita, nos Estados Unidos, virou assunto para o jornal New York Post, que descreve os cultos como “dramas teatrais”, durante os quais os fiéis acreditam estar tomados pelo demônio, que só pastores da Igreja Universal podem exorcizar.
CURA EM TROCA DE DINHEIRO – A Igreja Universal não faz parte da Assembléia Eclesiástica dos Estados Unidos, nem é afiliada à Associação Nacional dos Evangélicos do país, instituições que congregam igrejas reconhecidamente sérias dos EUA. – “Fiquei horrorizada, ao ver o anúncio deles na televisão, porque eles oferecem cura em troca de dinheiro”, - disse uma das representantes da Associação Nacional dos Evangélicos da Califórnia. Edir Macedo, que se diz “bispo” sem ter sido sagrado por ninguém, trocou o Rio por Nova York em 1987, para fugir das autoridades que o investigavam, por causa da suspeita de falsificação de documentos e sonegação fiscal. A Universal só acertou no alvo, nos EUA, quando mirou os hispânicos: - “O segredo da seita é vender esperança aos pobres”, diz o ex-pastor carioca Mário Justino, expulso da igreja, por ser portador de HIV.
PAGO A DEUS E DEUS ME PAGA – Fala o ex-pastor anatematizado: - “As quantias que os pastores exigem, para assegurar que Deus atenda aos pedidos dos fiéis, chegam a salários inteiros”. Os pastores tanto podem apelar para meros cinco dólares, como pedir dois mil. O dinheiro vai para o cofre de cada igreja e depois é enviado para a sede, no Brooklin. Em seguida, diz, segue para países da África, para financiar a proliferação da seita pelo Continente, para o Brasil ou para as empresas da Igreja Universal, com sede no paraíso fiscal das Ilhas Cayman. Hoje a igreja forma pastores nas próprias comunidades. São rapazes de poucos recursos, com baixa escolaridade. Curso prolongado de teologia nem pensar! Após três meses de treinamento em cultos, ganham o título de pastor. Recebem, como salário, 5% do que conseguem mensalmente arrecadar.
RELIGIÃO, DIMENSÃO PERIGOSA – Os piores venenos e as maiores sujeiras podem chegar a nós, embrulhadas em nobre papel celofane. Conceitos ricos e densos como Deus, religião, sentido da vida, vontade de viver, busca da alegria, podem ser preenchidos de conteúdos psiquicamente mortíferos. O dinamismo pessoal e social é “religiosamente” transubstanciado em dependência e passividade. A ordem divina da luta contra as servidões e construção da convivência fraterna são substituídas pela transferência das esperanças e pela expectativa, amorfa e sem fundamento, que outras instâncias resolvam nossos problemas. Em sociedade perversamente dissimétrica, dividida entre opulentos e destituídos, aos destituídos se passa, em nome de Deus, que só milagres e interferências divinas podem mudar seu destino e resolver seus problemas. Cidadania, em todos os seus aspectos, deixa de ser direito social e passa a ser privilégio milagroso.
USOS VENENOSOS DA RELIGIÃO – Afinal, o que é religião? A questão daria para escrever tratados, tudo apenas teoria. Existe, porém, pergunta simples de responder, árvore fácil de identificar pelos frutos. Religião seria refúgio seguro e alienado contra as inseguranças essenciais da vida humana? Sublimação suprema do individualismo salvacionista interesseiro? Identificação servil e idolátrica do poder do “chefe” com o poder de Deus? Conformação mentirosa e sabuja dos “interesses” de Deus com os interesses do “chefe”? Projeção, para cima e para depois, de esperanças terrenas essenciais que se frustraram? Adiamento, para a outra vida, da dignidade não alcançada na vida presente? Universo vago e misterioso de nossas inseguranças, devassado, perpassado e desfrutado pelos finórios? Igual ao patriotismo retórico, refúgio preferencial e bem sucedido dos velhacos? Preocupação exclusiva com a outra vida, em vez de união e luta organizada pela dignidade humana nesta vida? É a tudo isso que dedicam corações e mentes, sobretudo bolsos, tantos aventureiros religiosos. Será que, por tais enganações, o Filho de Deus teria dado a vida?
JOELHOS DESLIGADOS DOS CORAÇÕES – Como vês, motivações não-divinas podem esconder-se atrás das águas que o padre derramou na cabeça do bebê. Veja agora em qual daquelas direções a água batismal empurrou com mais força: Para a compra de proteção divina, como favelados desamparados fazem com os chefões do morro? Para o varejo com Deus, a quem pago a prestações, com missas dominicais? Para a consciência, catequeticamente iludida, sobre o pretenso desvalor das coisas materiais, quando a carência deles atinge os outros e por eles é cobrada? Para a certeza gulosa de que Deus garantirá você, porque você está quites com Ele? Para a preocupação vaga de salvação pessoal na outra vida, vacinada contra a solidariedade fraterna, na vida presente? É bom lembrar: se não houver paixão, posso morrer queimado, que não resolvi o problema religioso. Tudo o que faço para Deus não é para Ele, mas para demonstrar e alimentar amor a Ele. Se não houver real apaixonamento, melhor ficar em casa do que incomodar-me com missas. Casamento sem amor, amizade sem amor, relacionamento sem amor não resolvem o problema da afetividade e esterilizam a realização dos seres humanos. Não são missas e sacrifícios que agradam a Deus, mas nossos corações apaixonados por Ele. Isso apesar de nossas imperfeições! Deve ter acontecido a troca de lugar, nos termos da célebre e malsinada inscrição. Coerente com a realidade, a frase devia ser: “Está escrito em Deus: “No dólar nós confiamos!”
Com a amizade de sempre! - Luís
domingo, 14 de outubro de 2007
O FILHO PRÓDIGO
A PARÁBOLA DA VIDA DE CADA UM DE NÓS
Uma das parábolas mais conhecidas de Jesus é a do Filho Pródigo (Lucas 15:11-32). Trata-se da história de um rapaz que pediu ao seu pai a sua parte na herança, e partiu para uma terra distante. Lá passou a viver dissolutamente, desperdiçou os seus bens e padeceu necessidades. Para sobreviver, foi para o campo cuidar de porcos e desejava alimentar-se com as bolotas que os porcos comiam, mas ninguém lhe dava nada. Caindo em si, disse:
- Quantos empregados de meu pai têm abundância de pão e eu aqui passando fome! Levantar-me-ei e irei ter com o meu pai e lhe direi: Pai pequei contra o céu e perante ti; já não sou digno de ser chamado teu filho. Trata-me como um dos empregados.
Levantando-se, voltou para a casa do pai. Ainda longe, o pai o avistou e movido de íntima compaixão, correu ao seu encontro e lançou-se ao seu pescoço e o cobriu de beijos. Então o filho lhe disse:
- Pai, pequei contra o céu e perante ti, já não sou digno de ser chamado teu filho.
Mas o pai falou para os criados:
- Trazei depressa a túnica mais preciosa e vesti nele, ponha no dedo um anel e sandálias nos pés. Trazei um bezerro cevado para matar e comamos alegremente, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, tinha-se perdido e foi achado.
E celebraram com festa!
Jesus contou esta ilustração para demonstrar o amor de Deus pelo pecador que reconhece o seu estado de miserabilidade, que confessa o seu pecado e que se volta arrependido para os braços acolhedores do Pai Celestial. No aspecto espiritual, o homem estava morto enquanto vivia no pecado, mas nasceu de novo ao morrer para o pecado. Ao voltar-se para Deus, tornou-se nova criatura. As coisas velhas ficaram para trás e tudo se fez novo para o filho pródigo. No aspecto material, o texto revela, também, o amor de um pai pelo seu filho. Mesmo diante de uma ingratidão, de uma grande decepção, o pai é o ombro amigo, é o peito afável que está sempre disposto a receber carinhosamente o filho amado. O pai se orgulha com o sucesso do filho e só deseja a sua felicidade, seja qual for o aspecto da vida.
Filhos, coloquem-se no papel do pai da presente ilustração e tentem vivenciar sua angústia pela falta de notícias, a sua preocupação por não saber do paradeiro do filho, a imensidão da sua saudade, da sua esperança de um dia reencontrar o filho perdido, e por fim o tamanho da alegria do pai pela volta desse filho. Reflitam sobre a atitude do pai ao celebrar com alegria aquele momento de felicidade com o filho que estava "morto" e que "reviveu". Tentem entender como funciona o coração de um pai que verdadeiramente ama o seu filho. Filhos, honrem os vossos pais para que se prolonguem os vossos dias sobre a face da Terra.
VOCÊ SE IDENTIFICA:
1) Com o filho pródigo?
2) Com o filho mais velho?
3) Com o pai?
4) Ou com todos três, nos vários momentos de sua vida?
Por isso diariamente diga para o seu pai:
- PAI, EU TE AMO!
sexta-feira, 12 de outubro de 2007
NA OITAVA DE SÃO FRANCISCO
HÁ MUITO EU NÃO CHORAVA – Nas filas infindáveis das confissões em Canindé, chega finalmente a vez dela. Aproxima-se de rosto ardendo do calor da viagem e senta-se meigamente ao meu lado, com olhos transparentes e o reverente silêncio de quem veio ao mundo sem pecado original. Após luminoso sorriso de empatia e acolhimento, conta seus pecados. Veio do sertão de Araiozes, no Maranhão. Viagem comprida, quase dois dias pelos caminhos. Veio agradecer a Deus e a São Francisco a graça pelo marido, “que deixou de beber e de me espancar”. E a família? “Tive 14 filhos, mas Deus levou oito; fizemos tudo, mas deve ter sido vontade de Deus”. Vivem de quê? “Meu marido planta roçado; quando chove, dá para não morrer de fome; eu e as meninas fazemos chapéu; a gente escapa com as graças de Deus e de São Francisco”. E a romaria? “Estou achando tudo um céu aberto! Nem ligo mais para o que sofri na viagem. Para o ano eu volto!” Olhos se umedecem de contida emoção, na penitente e no confessor. Ocasião rara e privilegiada de constatar que o essencial, na vida humana, é mesmo invisível aos olhos.
DEZ HORAS POR DIA NO CONFESSIONÁRIO – É a média, nos últimos dias da novena. No galpão imenso do estádio coberto, filas intermináveis, sempre acrescidas com a chegada contínua de novos caminhões de romeiros. Lá estão eles, temerosos e compenetrados, aguardando sua vez. A vez chega e debulham-se então as espiguinhas de vidas particulares, com muito mais caroço do que sabugo. Acham-se grandes pecadores e nem sabem que são santos. Em vez do confessor vencer-se pelo cansaço e o calor de Canindé, sobem-lhe, na alma, sentimentos de humildade e gratidão. A presença do Deus bom e misericordioso está garantida no mundo, por essa gente. Mais talvez do que por mim, funcionário eclesiástico. Gratidão de poder contemplar tão belas e puras paisagens interiores, cuja atmosfera pouco tem a ver com os maus odores deste mundo envenenado de ganâncias. Gratidão por ter sido colocado, sem merecimento pessoal, no lado de cá, que distribui perdão e não pedradas. O brilho fulgurante no olhar abre janelas para o que se esconde de mais precioso, no coração humano. Dez dias de confessionário em Canindé deixam claro, por que Jesus colocou-se no lado contrário ao dos apedrejadores.
SÃO FRANCISCO LEMBRA SEU FILHO SANTO ANTÔNIO - Mudemos de São Francisco do Canindé para Santo Antônio de Pádua. Nosso Santo Antônio, franciscanamente radical na vivência da pobreza evangélica, tem sido usado historicamente, no Brasil, como patrono da propriedade particular. Infelizmente não da propriedade como direito e precisão de todos. Mas da posse egoísta e concentradora do mundo, como entendida e vivida na iniqüidade social brasileira. As igrejas franciscanas, nas terças-feiras, se enchem de bem sucedidos devotos e devotas, solicitando garantias celestes. Nos tempos coloniais, Santo Antônio convertia o coração e trazia, de volta ao dono, o escravo negro que fugia da escravidão, cometendo, com a fuga, o pecado de espoliar o proprietário de sua propriedade. É o que relata Frei Jaboatão, historiador autorizado daqueles nossos tempos remotos.
O DONO DO ESCRAVO VALEU-SE DE SANTO ANTÔNIO – Eis um fato ilustrador, contado por Frei Jaboatão, em sua CRÔNICA DA PROVÍNCIA FRANCISCANA NO BRASIL: - “Não deixaremos de repetir um milagre de nosso Santo Antônio, em benefício de seus devotos. Fugiu ao Coronel Domingos Dias Coelho, morador nos distritos dessa cidade de Ceregipe del Rei, um preto escravo seu, levando, em sua companhia, duas pretas escravas de outros senhores. Com estas foi arranchar-se nos centros dos sertões de Jacoca, aonde viveu alguns anos fora de todo o convívio de outra gente. Valeu-se o senhor, depois de outras diligências sem efeito, dos poderes de Santo Antônio”.
“NEGRO, VAI-TE DAQUI!” - Continua nosso Frei Jaboatão: - “Eis então que apareceu ao negro um frade, lá nesse recôndito em que se achava e, com voz repreensiva, lhe pergunta: - “Negro, que fazes aqui?” Respondeu ele que estava ali, por não se atrever a voltar para o serviço do senhor, que não o deixava descansar!” – “Seja assim ou não”, disse o frade, “vai-te embora daqui!” E enquanto o negro não se pôs a caminho, o frade não o largou, pondo-se-lhe sempre adiante e repetindo: - “Negro, vai-te daqui!” Veio enfim o negro e o frade adiante dele, até a casa do homem, de quem era uma das pretas, que entregou. E detendo-se ali algum tempo, foi aviso ao capitão-de-campo, que prendeu o negro e o entregou ao seu senhor, como também a outra negra a quem ela pertencia, fazendo Santo Antônio este benefício ao seu devoto”.
SANTO PATROCINANDO A ESCRAVATURA – Desse relato se percebe bem, como o pobre e despojado Santo Antônio foi instrumentalizado, a serviço dos senhores de escravos. Era venerado como santo protetor dos capitães-de-mato, funcionários militares encarregados de caçar e trazer de volta os escravos fugidos. No relato do historiador Frei Jaboatão, perante o sofrimento do pobre escravo, sob o “serviço do senhor que não o deixava descansar”, nenhuma palavra de compreensão. Apenas são colocadas, nos lábios de Santo Antônio, palavras ríspidas, pejadas de racismo: - “Negro, vai-te embora daqui!” Nosso Santo Antônio, com sua autoridade celeste, manda o escravo arrepender-se do “pecado” de fugir da escravidão. Com autoridade moral de santo, ordena ao escravo libertado retornar ao cativeiro. Santo Antônio usado, a fim de patrocinar a causa do proprietário, contra o interesse do esbulhado pelo proprietário.
NOSSO DINHEIRO, O COFRE DO NOSSO CORAÇÃO – Os interesses são tão essenciais, que se entranham, se misturam e se confundem com o que proclamamos retoricamente como o mais sagrado na vida humana: os sentimentos religiosos. Daí, em relações religiosas não convertidas, Deus não passa frequentemente de pseudônimo da ganância. É velho como os Evangelhos, que nosso coração mora lá onde se encontra nosso tesouro. O erro talvez não se encontre no reconhecimento da importância fundamental das coisas materiais. Mas está, com certeza, na distribuição perversamente desigual, dos bens necessários à vida de todos. Repartição perversa, imposta através de ordem social que, de maneira blasfema, avalizamos em nome de Deus; e buscamos garantir, com ajuda dos santos.
IDOLATRIA, O GRANDE PECADO – Em tal faixa sombria dos nossos porões, as propriedades materiais terminam sendo o deus verdadeiro que adoramos, o santo de nossa veneração maior. Usam-se Deus e os santos, como patuás protetores das posses, sustentáculos de objetivos que pouco têm a ver com o Projeto de Deus. Nos tempos coloniais, fazer voltar ao dono o escravo fujão; hoje, garantir bom êxito em empreendimentos que pouco têm a ver com Deus e os santos. Eles se tornaram santos exatamente pela distância que guardaram de tudo aquilo, para cuja conquista e acumulação nós os invocamos. Outubro, mês franciscano, tempo cearense de romarias a São Francisco do Canindé. Mês apropriado para lembrar que São Francisco e Santo Antônio se tornaram o que são, pelo desprezo dos ídolos que costumamos adorar. Adoramos o que eles desprezaram e os invocamos, para que nos ajudem a ter sucesso, na conquista daquilo que eles desprezaram.
O BRILHO DAQUELES OLHOS – Tudo acaba, até as filas nos confessionários de Canindé. Na proximidade, mais nenhum romeiro. Os colegas já se levantaram e se foram. Lá vou eu também, o tempo já escurecendo. Boto os pés na rua, para regressar ao convento. Na frente da casa paroquial, mais um indefectível caminhão de romeiros, enchendo o mundo de “cheio de amor!” Quando ia passando, escutei voz feminina, gritando de cima do pau-de-arara: - “Olha ali o padre que me confessou!” Olhei também e identifiquei a mulher, sorrindo angelicalmente, com os olhos humildes mais agradecidos que eu já vi. Talvez fosse ela que devesse me confessar!
Com a amizade de sempre. - Luís.
DEZ HORAS POR DIA NO CONFESSIONÁRIO – É a média, nos últimos dias da novena. No galpão imenso do estádio coberto, filas intermináveis, sempre acrescidas com a chegada contínua de novos caminhões de romeiros. Lá estão eles, temerosos e compenetrados, aguardando sua vez. A vez chega e debulham-se então as espiguinhas de vidas particulares, com muito mais caroço do que sabugo. Acham-se grandes pecadores e nem sabem que são santos. Em vez do confessor vencer-se pelo cansaço e o calor de Canindé, sobem-lhe, na alma, sentimentos de humildade e gratidão. A presença do Deus bom e misericordioso está garantida no mundo, por essa gente. Mais talvez do que por mim, funcionário eclesiástico. Gratidão de poder contemplar tão belas e puras paisagens interiores, cuja atmosfera pouco tem a ver com os maus odores deste mundo envenenado de ganâncias. Gratidão por ter sido colocado, sem merecimento pessoal, no lado de cá, que distribui perdão e não pedradas. O brilho fulgurante no olhar abre janelas para o que se esconde de mais precioso, no coração humano. Dez dias de confessionário em Canindé deixam claro, por que Jesus colocou-se no lado contrário ao dos apedrejadores.
SÃO FRANCISCO LEMBRA SEU FILHO SANTO ANTÔNIO - Mudemos de São Francisco do Canindé para Santo Antônio de Pádua. Nosso Santo Antônio, franciscanamente radical na vivência da pobreza evangélica, tem sido usado historicamente, no Brasil, como patrono da propriedade particular. Infelizmente não da propriedade como direito e precisão de todos. Mas da posse egoísta e concentradora do mundo, como entendida e vivida na iniqüidade social brasileira. As igrejas franciscanas, nas terças-feiras, se enchem de bem sucedidos devotos e devotas, solicitando garantias celestes. Nos tempos coloniais, Santo Antônio convertia o coração e trazia, de volta ao dono, o escravo negro que fugia da escravidão, cometendo, com a fuga, o pecado de espoliar o proprietário de sua propriedade. É o que relata Frei Jaboatão, historiador autorizado daqueles nossos tempos remotos.
O DONO DO ESCRAVO VALEU-SE DE SANTO ANTÔNIO – Eis um fato ilustrador, contado por Frei Jaboatão, em sua CRÔNICA DA PROVÍNCIA FRANCISCANA NO BRASIL: - “Não deixaremos de repetir um milagre de nosso Santo Antônio, em benefício de seus devotos. Fugiu ao Coronel Domingos Dias Coelho, morador nos distritos dessa cidade de Ceregipe del Rei, um preto escravo seu, levando, em sua companhia, duas pretas escravas de outros senhores. Com estas foi arranchar-se nos centros dos sertões de Jacoca, aonde viveu alguns anos fora de todo o convívio de outra gente. Valeu-se o senhor, depois de outras diligências sem efeito, dos poderes de Santo Antônio”.
“NEGRO, VAI-TE DAQUI!” - Continua nosso Frei Jaboatão: - “Eis então que apareceu ao negro um frade, lá nesse recôndito em que se achava e, com voz repreensiva, lhe pergunta: - “Negro, que fazes aqui?” Respondeu ele que estava ali, por não se atrever a voltar para o serviço do senhor, que não o deixava descansar!” – “Seja assim ou não”, disse o frade, “vai-te embora daqui!” E enquanto o negro não se pôs a caminho, o frade não o largou, pondo-se-lhe sempre adiante e repetindo: - “Negro, vai-te daqui!” Veio enfim o negro e o frade adiante dele, até a casa do homem, de quem era uma das pretas, que entregou. E detendo-se ali algum tempo, foi aviso ao capitão-de-campo, que prendeu o negro e o entregou ao seu senhor, como também a outra negra a quem ela pertencia, fazendo Santo Antônio este benefício ao seu devoto”.
SANTO PATROCINANDO A ESCRAVATURA – Desse relato se percebe bem, como o pobre e despojado Santo Antônio foi instrumentalizado, a serviço dos senhores de escravos. Era venerado como santo protetor dos capitães-de-mato, funcionários militares encarregados de caçar e trazer de volta os escravos fugidos. No relato do historiador Frei Jaboatão, perante o sofrimento do pobre escravo, sob o “serviço do senhor que não o deixava descansar”, nenhuma palavra de compreensão. Apenas são colocadas, nos lábios de Santo Antônio, palavras ríspidas, pejadas de racismo: - “Negro, vai-te embora daqui!” Nosso Santo Antônio, com sua autoridade celeste, manda o escravo arrepender-se do “pecado” de fugir da escravidão. Com autoridade moral de santo, ordena ao escravo libertado retornar ao cativeiro. Santo Antônio usado, a fim de patrocinar a causa do proprietário, contra o interesse do esbulhado pelo proprietário.
NOSSO DINHEIRO, O COFRE DO NOSSO CORAÇÃO – Os interesses são tão essenciais, que se entranham, se misturam e se confundem com o que proclamamos retoricamente como o mais sagrado na vida humana: os sentimentos religiosos. Daí, em relações religiosas não convertidas, Deus não passa frequentemente de pseudônimo da ganância. É velho como os Evangelhos, que nosso coração mora lá onde se encontra nosso tesouro. O erro talvez não se encontre no reconhecimento da importância fundamental das coisas materiais. Mas está, com certeza, na distribuição perversamente desigual, dos bens necessários à vida de todos. Repartição perversa, imposta através de ordem social que, de maneira blasfema, avalizamos em nome de Deus; e buscamos garantir, com ajuda dos santos.
IDOLATRIA, O GRANDE PECADO – Em tal faixa sombria dos nossos porões, as propriedades materiais terminam sendo o deus verdadeiro que adoramos, o santo de nossa veneração maior. Usam-se Deus e os santos, como patuás protetores das posses, sustentáculos de objetivos que pouco têm a ver com o Projeto de Deus. Nos tempos coloniais, fazer voltar ao dono o escravo fujão; hoje, garantir bom êxito em empreendimentos que pouco têm a ver com Deus e os santos. Eles se tornaram santos exatamente pela distância que guardaram de tudo aquilo, para cuja conquista e acumulação nós os invocamos. Outubro, mês franciscano, tempo cearense de romarias a São Francisco do Canindé. Mês apropriado para lembrar que São Francisco e Santo Antônio se tornaram o que são, pelo desprezo dos ídolos que costumamos adorar. Adoramos o que eles desprezaram e os invocamos, para que nos ajudem a ter sucesso, na conquista daquilo que eles desprezaram.
O BRILHO DAQUELES OLHOS – Tudo acaba, até as filas nos confessionários de Canindé. Na proximidade, mais nenhum romeiro. Os colegas já se levantaram e se foram. Lá vou eu também, o tempo já escurecendo. Boto os pés na rua, para regressar ao convento. Na frente da casa paroquial, mais um indefectível caminhão de romeiros, enchendo o mundo de “cheio de amor!” Quando ia passando, escutei voz feminina, gritando de cima do pau-de-arara: - “Olha ali o padre que me confessou!” Olhei também e identifiquei a mulher, sorrindo angelicalmente, com os olhos humildes mais agradecidos que eu já vi. Talvez fosse ela que devesse me confessar!
Com a amizade de sempre. - Luís.
quarta-feira, 10 de outubro de 2007
A P O C A L I P S E
O SERTÃO VAI VIRAR MAR -Não acho que o REPASSANDO seja para dar aulas de teologia, navegar erudição, despencar para cima, na direção da estratosfera infinita e vazia. Mas o Malheiros apelou para minha opinião sobre Apocalipse e vou despretensiosamente dizer o que penso! “Qui bene distinguit bene docet”. Apocalipse é qualquer um dos escritos antigos, judaicos ou cristãos, que contêm revelações, em particular sobre o fim do mundo, apresentadas quase sempre sob a forma de visões. O termo hoje é referido principalmente ao último escrito do Novo Testamento, atribuído ao evangelista João. Gramaticalmente, apocalýpsis é ato de descobrir, descoberta, revelação. Do verbo apocalýpto: desmascarar, forçar a falar, figurativamente revelar. O alemão guardou, em Offenbarung, a proximidade do sentido original. Mas estou ensinando padre-nosso a vigário!
CRUZAR OS BRAÇOS OU ENFRENTAR - Para entender o Apocalipse de João, é preciso antes entender a situação da época. Já haviam morrido as testemunhas oculares da vida de Jesus. Restaram os pequenos grupos de cristãos, isolados e perdidos, em meio ao mundo pagão do Império Romano. A estes pequenos grupos, João, o último sobrevivente, empresta o pomposo nome de Comunidade: as Sete Comunidades da Ásia! Todas profundamente inseguras, quanto à própria identidade: se continuavam israelitas ou agora eram outra coisa! Se deviam cruzar os braços, perante o mundo divorciado dos ideais de Jesus e simplesmente aguardar a Segunda Vinda. Se deviam conservar Jerusalém e o Templo, como centro e sentido da Fé cristã ou espalhar-se pelo mundo pagão. Se a expectativa entusiasmada, despertada pelo Homem de Nazaré, não teria sido entendida de forma otimista demais, ingênua e ilusória.
SENTENCIADOS COMO INIMIGOS DE DEUS – As inseguranças viraram temores, com o tempo pavores reais, na perseguição de Nero, seguida pela de Domiciano. Os cristãos eram realmente dados então em espetáculo: como alimento circense das feras famintas e como tochas comburantes, para iluminar noitadas. Ser cristão era crime de lesa-pátria. Negava os fundamentos do Império, um dos quais era a sacralidade divina do imperador. Sendo grave traição aos símbolos da Pátria, os seguidores do cristianismo eram automaticamente sentenciados ao martírio. Não no sentido idealizado e indolor de nossas imaginações distantes, resguardadas das feras e das chamas. Mas no sentido de crime contra o Estado, punido com necessária, severa e cruel erradicação. Matavam-se os cristãos, na certeza de se estar defendendo a Pátria e agradando aos Deuses. Repetia-se, com os seguidores, o mesmo processo acontecido contra Jesus, executado como inimigo de Javé e de Israel.
AS VERDADES DE CADA UM – Fundamenta melhor o entendimento do Apocalipse de João recordar as diversas tendências religiosas do tempo. A maneira de entender o divino e escatológico determina o tipo de engajamento político e social. Havia o entendimento religioso dos fariseus (sem pejorações!), ciosamente aferrados à Lei mosaica e às promessas de Deus, no passado do Povo. “Estamos garantidos, somos filhos de Abraão, vamos vencer o Império, podemos enfrentá-lo! Faremos nossa guerra de libertação! Apesar da desproporção de nossas forças, na hora H Deus há de comparecer ao campo de batalha, para nos dar a vitória e realizar as promessas antigas. Somos fiéis a Deus, Deus há de ser fiel a nós! Cumprimos as obrigações da Lei divina, por isso Deus garantirá nosso sucesso. Demos lealdade a Deus, Ele então está obrigado a ser leal conosco!”
RELIGIÃO DO OBA-OBA – Havia o entendimento religioso rigoroso e isolacionista dos essênios. “O mundo é caso perdido, o melhor a fazer é segregar-se. Só o pequeno número dos eleitos será salvo. É entre eles que queremos estar! O Império é fonte de todo o mal. Nada podemos contra ele! É indispensável o afastamento, para evitar a contaminação. Em mundo desviado, em meio a tanta perversidade e correndo nós tanto perigo, o certo é nos trancarmos em nossas fortalezas e lá nos escondermos. Reencontraremos então alegria e sentido, louvando o Senhor. A massa é imprestável e o melhor que o fermento faz é proteger-se”. Distanciada do mundo, não informada pela realidade, a fé dos essênios virou oba-oba laudatório piegas. Presunção vaidosa de “não ser como os outros”, de não pertencer ao mundo do pecado e da morte.
CÉU PRA ELES, MUNDO PRA NÓS – Mas havia também o entendimento religioso dos saduceus. Estes formavam a elite econômica da nação. Eram os ricos, os donos das terras e da mercadoria valiosa, para uma sociedade que continuamente sacrificava animais no Templo: os rebanhos. O faturamento maior dos saduceus era em cima da religião nacional. O povo adorava a Deus com os carneiros sacrificados, comprados aos saduceus. Os saduceus enchiam o bolso, com o dinheiro de seus carneiros vendidos, para o povo sacrificar a Deus. Filhos deste mundo, mundanos bem sucedidos, a terra era o céu deles. Sobretudo muita terra, para os trigais e rebanhos. Aos poucos, passaram da fé para a letra morta e, da letra morta, para o apagão. Não acreditavam em mais nada. Religião, para eles, era apenas ocasião de faturamento. Ressurreição dos mortos? Conversa prá boi dormir! Consolo ilusório, para quem transfere, para a outra vida, as satisfações de que foi privado, na vida presente.
E O APOCALIPSE COM TUDO ISSO? –“Apocalipse” é certa maneira de ler a História, a partir da fé que se tem. Os apocalipses surgem em épocas, em que a Fé das Comunidades é contestada e brutalmente questionada, pela violência dos fatos. A mentalidade da sociedade maior envolve as Comunidades. A corrente da História que as permeia, por dentro e por fora, se infiltra no seu modo de pensar. Declara a existência, baseada na fé, como sem valor, sem fundamento, sem consistência e sem futuro. Essa contestação generalizada se abateu sobre as pequenas comunidades cristãs. Muitas vezes, estourou em perseguição, provocando reações variadas e até opostas, entre os próprios membros das Comunidades. Esquematizando: os fariseus assumiram a falsa teologia da retribuição; os essênios alienaram os conteúdos sociais e históricos da fé; os saduceus jogaram na cesta de lixo as esperanças antigas, optando pelo dinheiro e pela riqueza. Bem parecido com o mundo e a religião de hoje!
É DE DEUS A VITÓRIA FINAL – No Apocalipse, João tomou partido claro, a favor das pequenas Comunidades oprimidas, contra o Império que as perseguia. Colocando-se do lado dos perseguidos e oprimidos, pôde ler os fatos da História com novos olhos. Estes lhe permitem revelar o Plano de Deus, que favorece os pequenos. Desta maneira, João deu, às Comunidades, injeção de coragem e ânimo. Leu e interpretou os acontecimentos da História e do Mundo, à luz da fé. Humanamente falando, isso era muita pretensão. Quem eram os cristãos, para fazerem a interpretação abrangente da História? Minúsculo grupo de gente, sem expressão alguma, no grande mundo das nações! De onde tiravam força e coragem, para desafiar os poderosos? Não da simples análise da realidade. Isto não teria sido suficiente para animar as Comunidades e poderia ser contestado, com outros tantos argumentos. A coragem vinha de uma certeza absoluta : “Deus estava com eles e seria vitorioso, no final!” As Comunidades assumiram então politicamente a Fé! Isso fez com que tomassem atitudes políticas e elaborassem estratégias de ação. A raiz de sua ação, porém, não nascia da “carne ou do sangue”, mas do Projeto divino na História da Salvação.
MAL ENTRANHADO NAS ESTRUTURAS – Na leitura que o Apocalipse faz dos fatos, a dimensão política da fé é clara e manifesta. João dá o nome aos bois, embora de maneira velada, apocalíptica. O mal contra o qual o cristão deve lutar não existe solto no ar. Está encarnado nas estruturas políticas, sociais e religiosas do Império. Esse tem, a seu favor, o aparelho de propaganda do Estado. João chegou a esta conclusão, não por deduções teóricas, mas através da dolorosa experiência dos fatos, vividos pelos cristãos das Comunidades. Hoje, tudo indica que a Igreja vive processos semelhantes. Ainda está na fase de leitura dos fatos, leitura crítica e contestadora. Se a Igreja for fiel a Deus e ao Povo, os fatos irão obrigá-la a passar para a etapa seguinte, concreta e política.
TRÊS VIAGENS EQUIVOCADAS – Por outro lado, não adianta forçar a passagem. Ela só será verdadeira e autêntica, quando for fruto da pressão da realidade sobre a consciência dos cristãos. Passagem apressada e não criteriosa poderá produzir saduceus fujões e essênios deslumbrados, agnósticos materialistas e carismáticos alienados. Nenhum dos dois contribuiu para a libertação do Povo, nem para o crescimento da Fé. Ambos separam fé e vida. Uns, pela secularização total da religião; outros, pela particularziação monopolista da salvação e da posse de Deus. Dois becos sem saída! Os saduceus vivandeiros acabaram junto com o imperador romano, no qual se apoiavam. Os essênios, cansados de gritar por Deus, cometeram suicídio coletivo na Fortaleza de Massada, no ano 72, para não caírem vivos nas mãos dos romanos. Decepcionaram-se com a aparente ausência de Deus, nos reais acontecimentos. Os fariseus, para obrigar Deus a agir, provocaram a Guerra Judaica, na qual os generais romanos Vespasiano e Tito destruíram a cidade, arrasaram o Templo e espalharam os judeus pelo mundo. Os três grupos tiveram mais fé em seus próprios projetos, em seu próprio poder e em suas próprias idéias sobre Deus e sobre o Povo, do que Fé em Deus e Fé no Povo.
DISCURSEI PORQUE VOCÊ PEDIU - Prezado Malheiros, desculpe o estilo professoral. Não me senta bem a fatiota de dono da verdade. Entrei no assunto porque você solicitou minha opinião. A verdade que interessa é a verdade que nossos olhos enxergam. Experiências pessoais valem mais do que longos tratados. A história humana, em essência, é sempre a mesma. Só mudam os termos para descrevê-la. O Apocalipse de João recorda realidades fundamentais: a velha e quase infinita luta entre o bem e o mal; a aparente vitória do mal sobre o bem, dos maus sobre os bons, dos velhacos sobre os ingênuos. Fonte do pecado não é apenas o coração humano e a conduta individual, mas também a organização social e as formas de exercícios do poder. O Apocalipse de João é venenoso libelo contra o pecado social. Descreve cripticamente a vitória definitiva e final de Deus, com recompensa divina à fidelidade dos bons. Tudo isso claro, nas entrelinhas e na linguagem cifrada, mas inteligível aos destinatários. Mas Malheiros, deixemos as escatologias em paz e você fale-nos de suas viagens e de suas experiências, como homem do “grand monde! – Com a amizade de sempre. - Luis
CRUZAR OS BRAÇOS OU ENFRENTAR - Para entender o Apocalipse de João, é preciso antes entender a situação da época. Já haviam morrido as testemunhas oculares da vida de Jesus. Restaram os pequenos grupos de cristãos, isolados e perdidos, em meio ao mundo pagão do Império Romano. A estes pequenos grupos, João, o último sobrevivente, empresta o pomposo nome de Comunidade: as Sete Comunidades da Ásia! Todas profundamente inseguras, quanto à própria identidade: se continuavam israelitas ou agora eram outra coisa! Se deviam cruzar os braços, perante o mundo divorciado dos ideais de Jesus e simplesmente aguardar a Segunda Vinda. Se deviam conservar Jerusalém e o Templo, como centro e sentido da Fé cristã ou espalhar-se pelo mundo pagão. Se a expectativa entusiasmada, despertada pelo Homem de Nazaré, não teria sido entendida de forma otimista demais, ingênua e ilusória.
SENTENCIADOS COMO INIMIGOS DE DEUS – As inseguranças viraram temores, com o tempo pavores reais, na perseguição de Nero, seguida pela de Domiciano. Os cristãos eram realmente dados então em espetáculo: como alimento circense das feras famintas e como tochas comburantes, para iluminar noitadas. Ser cristão era crime de lesa-pátria. Negava os fundamentos do Império, um dos quais era a sacralidade divina do imperador. Sendo grave traição aos símbolos da Pátria, os seguidores do cristianismo eram automaticamente sentenciados ao martírio. Não no sentido idealizado e indolor de nossas imaginações distantes, resguardadas das feras e das chamas. Mas no sentido de crime contra o Estado, punido com necessária, severa e cruel erradicação. Matavam-se os cristãos, na certeza de se estar defendendo a Pátria e agradando aos Deuses. Repetia-se, com os seguidores, o mesmo processo acontecido contra Jesus, executado como inimigo de Javé e de Israel.
AS VERDADES DE CADA UM – Fundamenta melhor o entendimento do Apocalipse de João recordar as diversas tendências religiosas do tempo. A maneira de entender o divino e escatológico determina o tipo de engajamento político e social. Havia o entendimento religioso dos fariseus (sem pejorações!), ciosamente aferrados à Lei mosaica e às promessas de Deus, no passado do Povo. “Estamos garantidos, somos filhos de Abraão, vamos vencer o Império, podemos enfrentá-lo! Faremos nossa guerra de libertação! Apesar da desproporção de nossas forças, na hora H Deus há de comparecer ao campo de batalha, para nos dar a vitória e realizar as promessas antigas. Somos fiéis a Deus, Deus há de ser fiel a nós! Cumprimos as obrigações da Lei divina, por isso Deus garantirá nosso sucesso. Demos lealdade a Deus, Ele então está obrigado a ser leal conosco!”
RELIGIÃO DO OBA-OBA – Havia o entendimento religioso rigoroso e isolacionista dos essênios. “O mundo é caso perdido, o melhor a fazer é segregar-se. Só o pequeno número dos eleitos será salvo. É entre eles que queremos estar! O Império é fonte de todo o mal. Nada podemos contra ele! É indispensável o afastamento, para evitar a contaminação. Em mundo desviado, em meio a tanta perversidade e correndo nós tanto perigo, o certo é nos trancarmos em nossas fortalezas e lá nos escondermos. Reencontraremos então alegria e sentido, louvando o Senhor. A massa é imprestável e o melhor que o fermento faz é proteger-se”. Distanciada do mundo, não informada pela realidade, a fé dos essênios virou oba-oba laudatório piegas. Presunção vaidosa de “não ser como os outros”, de não pertencer ao mundo do pecado e da morte.
CÉU PRA ELES, MUNDO PRA NÓS – Mas havia também o entendimento religioso dos saduceus. Estes formavam a elite econômica da nação. Eram os ricos, os donos das terras e da mercadoria valiosa, para uma sociedade que continuamente sacrificava animais no Templo: os rebanhos. O faturamento maior dos saduceus era em cima da religião nacional. O povo adorava a Deus com os carneiros sacrificados, comprados aos saduceus. Os saduceus enchiam o bolso, com o dinheiro de seus carneiros vendidos, para o povo sacrificar a Deus. Filhos deste mundo, mundanos bem sucedidos, a terra era o céu deles. Sobretudo muita terra, para os trigais e rebanhos. Aos poucos, passaram da fé para a letra morta e, da letra morta, para o apagão. Não acreditavam em mais nada. Religião, para eles, era apenas ocasião de faturamento. Ressurreição dos mortos? Conversa prá boi dormir! Consolo ilusório, para quem transfere, para a outra vida, as satisfações de que foi privado, na vida presente.
E O APOCALIPSE COM TUDO ISSO? –“Apocalipse” é certa maneira de ler a História, a partir da fé que se tem. Os apocalipses surgem em épocas, em que a Fé das Comunidades é contestada e brutalmente questionada, pela violência dos fatos. A mentalidade da sociedade maior envolve as Comunidades. A corrente da História que as permeia, por dentro e por fora, se infiltra no seu modo de pensar. Declara a existência, baseada na fé, como sem valor, sem fundamento, sem consistência e sem futuro. Essa contestação generalizada se abateu sobre as pequenas comunidades cristãs. Muitas vezes, estourou em perseguição, provocando reações variadas e até opostas, entre os próprios membros das Comunidades. Esquematizando: os fariseus assumiram a falsa teologia da retribuição; os essênios alienaram os conteúdos sociais e históricos da fé; os saduceus jogaram na cesta de lixo as esperanças antigas, optando pelo dinheiro e pela riqueza. Bem parecido com o mundo e a religião de hoje!
É DE DEUS A VITÓRIA FINAL – No Apocalipse, João tomou partido claro, a favor das pequenas Comunidades oprimidas, contra o Império que as perseguia. Colocando-se do lado dos perseguidos e oprimidos, pôde ler os fatos da História com novos olhos. Estes lhe permitem revelar o Plano de Deus, que favorece os pequenos. Desta maneira, João deu, às Comunidades, injeção de coragem e ânimo. Leu e interpretou os acontecimentos da História e do Mundo, à luz da fé. Humanamente falando, isso era muita pretensão. Quem eram os cristãos, para fazerem a interpretação abrangente da História? Minúsculo grupo de gente, sem expressão alguma, no grande mundo das nações! De onde tiravam força e coragem, para desafiar os poderosos? Não da simples análise da realidade. Isto não teria sido suficiente para animar as Comunidades e poderia ser contestado, com outros tantos argumentos. A coragem vinha de uma certeza absoluta : “Deus estava com eles e seria vitorioso, no final!” As Comunidades assumiram então politicamente a Fé! Isso fez com que tomassem atitudes políticas e elaborassem estratégias de ação. A raiz de sua ação, porém, não nascia da “carne ou do sangue”, mas do Projeto divino na História da Salvação.
MAL ENTRANHADO NAS ESTRUTURAS – Na leitura que o Apocalipse faz dos fatos, a dimensão política da fé é clara e manifesta. João dá o nome aos bois, embora de maneira velada, apocalíptica. O mal contra o qual o cristão deve lutar não existe solto no ar. Está encarnado nas estruturas políticas, sociais e religiosas do Império. Esse tem, a seu favor, o aparelho de propaganda do Estado. João chegou a esta conclusão, não por deduções teóricas, mas através da dolorosa experiência dos fatos, vividos pelos cristãos das Comunidades. Hoje, tudo indica que a Igreja vive processos semelhantes. Ainda está na fase de leitura dos fatos, leitura crítica e contestadora. Se a Igreja for fiel a Deus e ao Povo, os fatos irão obrigá-la a passar para a etapa seguinte, concreta e política.
TRÊS VIAGENS EQUIVOCADAS – Por outro lado, não adianta forçar a passagem. Ela só será verdadeira e autêntica, quando for fruto da pressão da realidade sobre a consciência dos cristãos. Passagem apressada e não criteriosa poderá produzir saduceus fujões e essênios deslumbrados, agnósticos materialistas e carismáticos alienados. Nenhum dos dois contribuiu para a libertação do Povo, nem para o crescimento da Fé. Ambos separam fé e vida. Uns, pela secularização total da religião; outros, pela particularziação monopolista da salvação e da posse de Deus. Dois becos sem saída! Os saduceus vivandeiros acabaram junto com o imperador romano, no qual se apoiavam. Os essênios, cansados de gritar por Deus, cometeram suicídio coletivo na Fortaleza de Massada, no ano 72, para não caírem vivos nas mãos dos romanos. Decepcionaram-se com a aparente ausência de Deus, nos reais acontecimentos. Os fariseus, para obrigar Deus a agir, provocaram a Guerra Judaica, na qual os generais romanos Vespasiano e Tito destruíram a cidade, arrasaram o Templo e espalharam os judeus pelo mundo. Os três grupos tiveram mais fé em seus próprios projetos, em seu próprio poder e em suas próprias idéias sobre Deus e sobre o Povo, do que Fé em Deus e Fé no Povo.
DISCURSEI PORQUE VOCÊ PEDIU - Prezado Malheiros, desculpe o estilo professoral. Não me senta bem a fatiota de dono da verdade. Entrei no assunto porque você solicitou minha opinião. A verdade que interessa é a verdade que nossos olhos enxergam. Experiências pessoais valem mais do que longos tratados. A história humana, em essência, é sempre a mesma. Só mudam os termos para descrevê-la. O Apocalipse de João recorda realidades fundamentais: a velha e quase infinita luta entre o bem e o mal; a aparente vitória do mal sobre o bem, dos maus sobre os bons, dos velhacos sobre os ingênuos. Fonte do pecado não é apenas o coração humano e a conduta individual, mas também a organização social e as formas de exercícios do poder. O Apocalipse de João é venenoso libelo contra o pecado social. Descreve cripticamente a vitória definitiva e final de Deus, com recompensa divina à fidelidade dos bons. Tudo isso claro, nas entrelinhas e na linguagem cifrada, mas inteligível aos destinatários. Mas Malheiros, deixemos as escatologias em paz e você fale-nos de suas viagens e de suas experiências, como homem do “grand monde! – Com a amizade de sempre. - Luis
CHIQUE-CHIQUE PRODUZINDO MELANCIA
VER AGULHA EM PALHEIRO - Em meu reconhecimento, presumivelmente bem informado, publicado no REPASSANDO, de frutos suculentos no pomar comunista cubano, parece que pegou mal o adjetivo “ABESTADO”, talvez entendido como xingamento ou ironia. Releitura do texto mostra que não xinguei ninguém. Apenas exerci o direito de opinar, afirmando que Leonardo Boff e Frei Betto “não são abestados” (grafei com minúsculas).. O mundo os considera intelectuais criteriosos e bem informados. De Cuba, ambos falam do que seus olhos viram e seus corações sentiram. O livro-entrevista de Frei Betto FIDEL E A RELIGIÃO foi best-seller internacional. Nos avanços sociais de Cuba, Leonardo avista horizontes utópicos de convivência igualitária; Quanto a mim, em meus esforços pela verdade, não costumo apelar para xingamentos. Ironias fáceis também constituem desrespeito ao diálogo. Meu problema filosófico é ver agulha em palheiro, na montanha e no monturo de tanta complexidade e confusão.
“NÓS SOMOS NÓS E NOSSAS CIRCUNSTÂNCIAS” – Os termos eram outros, mas foi este o sentido do que Sartre pontificou. Começo meu presente pontifical em elefantes, para depois chegar aos gorilas. É conhecida, contada e recontada, a fábula dos cegos que desejavam conhecer o elefante. O primeiro cego agarrou-se às patas do animal e concluiu que o elefante era uma coluna. O segundo cego recostou-se ao corpanzil do paquiderme e concluiu que o elefante era uma parede. O terceiro cego segurou as orelhas da fera e concluiu que o elefante era uma borboleta. O quarto cego alisou a tromba comprida e concluiu que o elefante era uma serpente. O quinto cego puxou a cauda do bicho, o qual devia ser muito paciente, e concluiu que o elefante era um espanador. A verdade equivocada de cada um era, entre outras insuficiências, incapacidade de fazer a soma geral dos pontos de vista particulares.
VERDADES SÃO TAMBÉM FRUTO DE INTERESSES – Das savanas da África, com seus cegos curiosos, pulo para cidade brasileira da qual, por discrição, omito o nome. Nela morava, ao tempo do episódio em pauta, paroquiano muito católico, tido como catolicão, que se passava por anti-comunista de carteirinha. Sutilmente simplório, dava-se fumos de bem informado, quando desancava o ferrabraz Fidel Castro, nas rodas de cerveja. Provinha de modesta pobreza no campo, com sua meia dúzia de vaquinhas. Mas acalentava o sonho de: formar o júnior em medicina. Filho médico seria o enfeite da família, prova de ascensão social e distanciamento definitivo do curral nosso de cada dia. Mas o garoto não era intelectualmente muito bem provido e sobrava nos vestibulares que arriscou. Não passou nas provas e nem chegou perto da matrícula. A angústia paterna recebeu choques de esperança, quando correligionários políticos acenaram-lhe com a possibilidade do júnior estudar medicina em Cuba. Desse momento em diante, a hidrofobia anti-castrista começou a murchar, dando espaço à nova preocupação: encontrar o caminho de Cuba.
APELOU PARA O PADRE LETRADO – Os padrinhos na política local conseguiram-lhe a bolsa. O pai extremoso precisava então preencher formulários e escrever convincentes requerimentos às autoridades consulares da Ilha. Mobralizado em meia dúzia de anos na Escola Pública brasileira, sentiu-se insuficiente para redigir correspondência tão preciosa. Apelou para a sabedoria prestativa do padre. Lá se foi o anti-comunista barulhento bater humildemente à porta da casa paroquial, a fim de solicitar ao padre um obséquio comunista. Passados os instantes de pasmo com a súbita mudança, o servo de Deus dispôs-se diabolicamente a encompridar o papo: -“Você não vive por aí todo dia, descompondo Cuba e Fidel Castro? Como fica então o seu anti-comunismo? Cadê a coerência?” A resposta veio rápida e devota: “Ora, está escrito na Bíblia, “Mateus, primeiro os teus!”
A BÍBLIA FALA O QUE ME INTERESSA – Não sei em que Bíblia meu amigo leu aquela citação. Aliás não foi a primeira vez nem a segunda, que eu via a Bíblia caluniada por este versículo justificador dos interesses particulares. Afirmação atribuída logo a quem? A São Mateus, o ex-publicano rico e bem sucedido, cobrador dos impostos, em benefício dos inimigos de seu povo. Pulou na hora, fora do telônio abarrotado de moedas sujas, e deu um chute imediato e radical em tudo aquilo. Da forma mais improvável, aceitou imediatamente o convite de Jesus, para largar tudo e segui-lo. Improbabilidade tão inaudita, como a de alguém que tivesse coragem de pular atrás de Jesus, do vigésimo andar de um prédio, se Jesus pulasse na frente. Eis a definição de fé, despida de palavreado! Em vez de produtora de filosofias reguladoras de interesses particulares, a conversão fez do ex-publicano Mateus um Santo e o Primeiro dos Evangelistas. A esse título, certamente uma das pessoas mais influentes na história e, com seu Evangelho e martírio, patrono das virtudes generosas. Mas voltemos ao fariseu (ou publicano?) da paróquia.
QUEM AMA O FEIO BONITO LHE PARECE – Sociologia do Conhecimento é ramo relativamente recente, na busca humana pela “verdade”. Procura rastrear e confirmar (ou não!) que nossos conhecimentos são, originariamente, resultado da convivência na sociedade e da convergência dos nossos interesses. Não somos nós, com fria racionalidade, que produzimos subjetivamente o conhecimento do mundo, mas é o mundo que objetivamente imprime seu conhecimento em nós. Vejo o mundo através das lentes que meu ambiente cultural colocou em meus olhos. Uma delas, das mais determinantes, é certamente o interesse. Em linguagem da sabedoria popular, “quem ama o feio bonito lhe parece”. Quem encontra seus interesses no “erro”, passa insensivelmente, às vezes convictamente, a vê-lo como verdade. Os colonizadores tinham interesse de provar que índio não possui alma, por isso não é humano e pode ser escravizado. Terminaram acreditando piamente nisso. A “elite branca” (apud Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo), impenitente e perversa, tem todo o interesse de manter-se reacionária. Se muda “sua verdade”, descobrirá que precisa converter-se. Esta é viagem difícil e para poucos.
GORILA É MACACO DEMAIS – Júnior encontra-se em Cuba, lá pelo oitavo semestre de medicina. De vez em quando dá notícias. E recebe, do papai zeloso, missivas recheadas de louvor e gratidão ao “Comandante”. Por aqui, nas mesas de bar, entrou na muda e não discursa mais. Parou de xingar Lula de comunista. Acha até que um Fidel Castro daria jeito no Brasil. À noite, sonha com a formatura do filho e com a justificada vaidade familiar. Os amigos não mais pilheriam, apupando-o de gorila. O que seria exagero, sagüi ideológico já seria suficiente. Mas sagüi vitorioso, próximo de ascender alguns degraus, afastando-se do passado humilde e pobre de seus ancestrais. Não tarda e chegará nosso doutor, formado no estrangeiro! Já que não pôde ser no Brasil nem em Harvard, que viva Cuba, que viva Fidel e viva la revolucíón. Pressente-se a exatidão da verdade, com a qual fecho as presentes considerações: Quem não vive como pensa termina pensando como vive. Em outras palavras, quem não vive de acordo com sua filosofia de vida termina elaborando uma filosofia para justificar sua vida.. - Com a amizade de sempre! Luís.
“NÓS SOMOS NÓS E NOSSAS CIRCUNSTÂNCIAS” – Os termos eram outros, mas foi este o sentido do que Sartre pontificou. Começo meu presente pontifical em elefantes, para depois chegar aos gorilas. É conhecida, contada e recontada, a fábula dos cegos que desejavam conhecer o elefante. O primeiro cego agarrou-se às patas do animal e concluiu que o elefante era uma coluna. O segundo cego recostou-se ao corpanzil do paquiderme e concluiu que o elefante era uma parede. O terceiro cego segurou as orelhas da fera e concluiu que o elefante era uma borboleta. O quarto cego alisou a tromba comprida e concluiu que o elefante era uma serpente. O quinto cego puxou a cauda do bicho, o qual devia ser muito paciente, e concluiu que o elefante era um espanador. A verdade equivocada de cada um era, entre outras insuficiências, incapacidade de fazer a soma geral dos pontos de vista particulares.
VERDADES SÃO TAMBÉM FRUTO DE INTERESSES – Das savanas da África, com seus cegos curiosos, pulo para cidade brasileira da qual, por discrição, omito o nome. Nela morava, ao tempo do episódio em pauta, paroquiano muito católico, tido como catolicão, que se passava por anti-comunista de carteirinha. Sutilmente simplório, dava-se fumos de bem informado, quando desancava o ferrabraz Fidel Castro, nas rodas de cerveja. Provinha de modesta pobreza no campo, com sua meia dúzia de vaquinhas. Mas acalentava o sonho de: formar o júnior em medicina. Filho médico seria o enfeite da família, prova de ascensão social e distanciamento definitivo do curral nosso de cada dia. Mas o garoto não era intelectualmente muito bem provido e sobrava nos vestibulares que arriscou. Não passou nas provas e nem chegou perto da matrícula. A angústia paterna recebeu choques de esperança, quando correligionários políticos acenaram-lhe com a possibilidade do júnior estudar medicina em Cuba. Desse momento em diante, a hidrofobia anti-castrista começou a murchar, dando espaço à nova preocupação: encontrar o caminho de Cuba.
APELOU PARA O PADRE LETRADO – Os padrinhos na política local conseguiram-lhe a bolsa. O pai extremoso precisava então preencher formulários e escrever convincentes requerimentos às autoridades consulares da Ilha. Mobralizado em meia dúzia de anos na Escola Pública brasileira, sentiu-se insuficiente para redigir correspondência tão preciosa. Apelou para a sabedoria prestativa do padre. Lá se foi o anti-comunista barulhento bater humildemente à porta da casa paroquial, a fim de solicitar ao padre um obséquio comunista. Passados os instantes de pasmo com a súbita mudança, o servo de Deus dispôs-se diabolicamente a encompridar o papo: -“Você não vive por aí todo dia, descompondo Cuba e Fidel Castro? Como fica então o seu anti-comunismo? Cadê a coerência?” A resposta veio rápida e devota: “Ora, está escrito na Bíblia, “Mateus, primeiro os teus!”
A BÍBLIA FALA O QUE ME INTERESSA – Não sei em que Bíblia meu amigo leu aquela citação. Aliás não foi a primeira vez nem a segunda, que eu via a Bíblia caluniada por este versículo justificador dos interesses particulares. Afirmação atribuída logo a quem? A São Mateus, o ex-publicano rico e bem sucedido, cobrador dos impostos, em benefício dos inimigos de seu povo. Pulou na hora, fora do telônio abarrotado de moedas sujas, e deu um chute imediato e radical em tudo aquilo. Da forma mais improvável, aceitou imediatamente o convite de Jesus, para largar tudo e segui-lo. Improbabilidade tão inaudita, como a de alguém que tivesse coragem de pular atrás de Jesus, do vigésimo andar de um prédio, se Jesus pulasse na frente. Eis a definição de fé, despida de palavreado! Em vez de produtora de filosofias reguladoras de interesses particulares, a conversão fez do ex-publicano Mateus um Santo e o Primeiro dos Evangelistas. A esse título, certamente uma das pessoas mais influentes na história e, com seu Evangelho e martírio, patrono das virtudes generosas. Mas voltemos ao fariseu (ou publicano?) da paróquia.
QUEM AMA O FEIO BONITO LHE PARECE – Sociologia do Conhecimento é ramo relativamente recente, na busca humana pela “verdade”. Procura rastrear e confirmar (ou não!) que nossos conhecimentos são, originariamente, resultado da convivência na sociedade e da convergência dos nossos interesses. Não somos nós, com fria racionalidade, que produzimos subjetivamente o conhecimento do mundo, mas é o mundo que objetivamente imprime seu conhecimento em nós. Vejo o mundo através das lentes que meu ambiente cultural colocou em meus olhos. Uma delas, das mais determinantes, é certamente o interesse. Em linguagem da sabedoria popular, “quem ama o feio bonito lhe parece”. Quem encontra seus interesses no “erro”, passa insensivelmente, às vezes convictamente, a vê-lo como verdade. Os colonizadores tinham interesse de provar que índio não possui alma, por isso não é humano e pode ser escravizado. Terminaram acreditando piamente nisso. A “elite branca” (apud Cláudio Lembo, ex-governador de São Paulo), impenitente e perversa, tem todo o interesse de manter-se reacionária. Se muda “sua verdade”, descobrirá que precisa converter-se. Esta é viagem difícil e para poucos.
GORILA É MACACO DEMAIS – Júnior encontra-se em Cuba, lá pelo oitavo semestre de medicina. De vez em quando dá notícias. E recebe, do papai zeloso, missivas recheadas de louvor e gratidão ao “Comandante”. Por aqui, nas mesas de bar, entrou na muda e não discursa mais. Parou de xingar Lula de comunista. Acha até que um Fidel Castro daria jeito no Brasil. À noite, sonha com a formatura do filho e com a justificada vaidade familiar. Os amigos não mais pilheriam, apupando-o de gorila. O que seria exagero, sagüi ideológico já seria suficiente. Mas sagüi vitorioso, próximo de ascender alguns degraus, afastando-se do passado humilde e pobre de seus ancestrais. Não tarda e chegará nosso doutor, formado no estrangeiro! Já que não pôde ser no Brasil nem em Harvard, que viva Cuba, que viva Fidel e viva la revolucíón. Pressente-se a exatidão da verdade, com a qual fecho as presentes considerações: Quem não vive como pensa termina pensando como vive. Em outras palavras, quem não vive de acordo com sua filosofia de vida termina elaborando uma filosofia para justificar sua vida.. - Com a amizade de sempre! Luís.
NAQUELA TERRA, O SOL DEIXOU DE NASCER
O SOL SUMIU DE VEZ – Havia uma ilha no Caribe, na qual o sol não nasceu mais. Não nascendo, também não se punha. Naquela ilha, deixaram de acontecer os nascentes e os poentes. Sem nascentes, desapareceram as crianças e, sem poentes, sumiram os poetas. A ilha foi tomada permanentemente pelas trevas. A população trocou o dia pela noite, a ilha passou a viver de noite e o que se vive de noite é a vida noturna. Dormia-se de dia e, à noite, assanhava-se. Escassearam os frutos da luz e prevaleceram as obras das trevas. Dinheiro passou a ser adorado como deus e a juventude se prostituiu. As moças da ilha, em sua pobreza, ficaram desfrutáveis pelos endinheirados do Império, que chegavam aos magotes, em fins-de-semana. “Na América, somos um país sério, não pode haver prostituição. Mas, em Cuba, a gente lava a égua!”
TRABALHEIRA DE TRAZER O SOL DE VOLTA – A história é conhecida. O pequeno grupo de valentes inoculou, no sangue do povo prostituído, a sustança revolucionária. De pequeno grupo entrincheirado na Serra, a revolução transformou-se em onda invencível. Botou para correr o pitbull governante, mantido pelos gringos, e colocou o país em trilhos de auto-estima e auto-respeito.. O grande bordel americano de fins-de-semana transformou-se no país idolatrado dos cubanos. A riqueza agressiva de alguns poucos foi repartida, através de relações sociais igualitárias, que transformaram o país na grande classe média modesta de hoje. Nem mais riqueza insolente, nem mais pobreza humilhante.
ILHOTA PRODUTORA DE LUMINARES – Como é possível? Ilhazinha pobre, produtora quase artesanal de açúcar e charutos, derrotou o Império onipotente. Milagre no Terceiro Mundo: erradicou o analfabetismo! Grande parte da juventude tem hoje, garantida pelo Estado, educação escolar fundamental e média da melhor qualidade. Após os anos de Revolução, Cuba transformou-se em celeiro produtor e exportador de luminares. Preenche países pobres da África e América Latina com médicos, sobretudo médicos sanitaristas, envolvidos com a saúde pública. Engenheiros, formados nas universidades da Ilha, são conhecidos por sua competência. Nas competições esportivas internacionais, é o que vemos: a pequenina Cuba sempre nos primeiros lugares, na frente de paises como Canadá e Brasil. Pessoas sérias, não dadas a pitacos emotivos irracionais, falam, de experiência in loco, sobre o orgulho nacional que os cubanos adquiriram. A vaidade, com gosto de Evangelho, de ser pequena e pobre, mas capaz de produzir o que Bananões opulentos e desregrados não conseguem. Ou não lhes interessa!
NENHUM DELES É DAQUI – Existe um aeroporto internacional, não nos Estados Unidos ou no Brasil, em cuja autovia de acesso mantém-se, há anos, imenso cartaz, com os seguintes rubros dizeres: ESTA NOITE, VINTE MILHÕES DE CRIANÇAS PELO MUNDO VÃO DORMIR NAS RUAS COM FOME, NENHUMA DELAS É CUBANA. Pelos frutos se conhece a árvore, não é mesmo? Árvore má produz os maus frutos das desigualdades injustas, da insensibilidade com os sofrimentos do povo, do abandono e criminalização da juventude pobre. Sem mencionar a permanente e escandalosa corrupção política, que esteriliza nossa esperança. Frutos bons são produzidos por árvores boas. Respeito reverencial pela juventude, futuro do país, é fruto precioso e raro da justiça social. Aquele aeroporto subversivo não fica em Nova York ou Miami, Galeão ou Congonhas, mas em Havana, na ilhota governada pelo ferrabraz ditador, ateu e comunista.
SALVE, ANTÔNIO CARLOS - Escrevo as presentes observações, em atenção ao nosso confrade do REPASSANDO Antônio Carlos de Mello. Sua sensibilidade social me emociona. A foto que manda ao REPASSANDO, da periferia de Fortaleza, demonstra que não precisamos ir a Cuba, para ver miséria. Pobreza lá, fruto do garroteamento, pelo bloqueio perverso do Império. Miséria aqui, fruto do que sabemos e vemos diariamente, em nossa percepção e em nossa televisão. Morei trinta anos na Baixada Fluminense e podia ter feito, todos os dias, fotografias infinitamente mais agressivas do que as da pobreza em Cuba. Não seria fora de propósito comparar os frutos sociais da sociedade católica, com os frutos sociais da Cuba atéia e comunista. Aí talvez nós fariseus descobriríamos, qual mangueira precisava levar muita facãozada no tronco, para expelir a seiva venenosa e parar de produzir mangas amargas.
TRABALHEIRA DE TRAZER O SOL DE VOLTA – A história é conhecida. O pequeno grupo de valentes inoculou, no sangue do povo prostituído, a sustança revolucionária. De pequeno grupo entrincheirado na Serra, a revolução transformou-se em onda invencível. Botou para correr o pitbull governante, mantido pelos gringos, e colocou o país em trilhos de auto-estima e auto-respeito.. O grande bordel americano de fins-de-semana transformou-se no país idolatrado dos cubanos. A riqueza agressiva de alguns poucos foi repartida, através de relações sociais igualitárias, que transformaram o país na grande classe média modesta de hoje. Nem mais riqueza insolente, nem mais pobreza humilhante.
ILHOTA PRODUTORA DE LUMINARES – Como é possível? Ilhazinha pobre, produtora quase artesanal de açúcar e charutos, derrotou o Império onipotente. Milagre no Terceiro Mundo: erradicou o analfabetismo! Grande parte da juventude tem hoje, garantida pelo Estado, educação escolar fundamental e média da melhor qualidade. Após os anos de Revolução, Cuba transformou-se em celeiro produtor e exportador de luminares. Preenche países pobres da África e América Latina com médicos, sobretudo médicos sanitaristas, envolvidos com a saúde pública. Engenheiros, formados nas universidades da Ilha, são conhecidos por sua competência. Nas competições esportivas internacionais, é o que vemos: a pequenina Cuba sempre nos primeiros lugares, na frente de paises como Canadá e Brasil. Pessoas sérias, não dadas a pitacos emotivos irracionais, falam, de experiência in loco, sobre o orgulho nacional que os cubanos adquiriram. A vaidade, com gosto de Evangelho, de ser pequena e pobre, mas capaz de produzir o que Bananões opulentos e desregrados não conseguem. Ou não lhes interessa!
NENHUM DELES É DAQUI – Existe um aeroporto internacional, não nos Estados Unidos ou no Brasil, em cuja autovia de acesso mantém-se, há anos, imenso cartaz, com os seguintes rubros dizeres: ESTA NOITE, VINTE MILHÕES DE CRIANÇAS PELO MUNDO VÃO DORMIR NAS RUAS COM FOME, NENHUMA DELAS É CUBANA. Pelos frutos se conhece a árvore, não é mesmo? Árvore má produz os maus frutos das desigualdades injustas, da insensibilidade com os sofrimentos do povo, do abandono e criminalização da juventude pobre. Sem mencionar a permanente e escandalosa corrupção política, que esteriliza nossa esperança. Frutos bons são produzidos por árvores boas. Respeito reverencial pela juventude, futuro do país, é fruto precioso e raro da justiça social. Aquele aeroporto subversivo não fica em Nova York ou Miami, Galeão ou Congonhas, mas em Havana, na ilhota governada pelo ferrabraz ditador, ateu e comunista.
SALVE, ANTÔNIO CARLOS - Escrevo as presentes observações, em atenção ao nosso confrade do REPASSANDO Antônio Carlos de Mello. Sua sensibilidade social me emociona. A foto que manda ao REPASSANDO, da periferia de Fortaleza, demonstra que não precisamos ir a Cuba, para ver miséria. Pobreza lá, fruto do garroteamento, pelo bloqueio perverso do Império. Miséria aqui, fruto do que sabemos e vemos diariamente, em nossa percepção e em nossa televisão. Morei trinta anos na Baixada Fluminense e podia ter feito, todos os dias, fotografias infinitamente mais agressivas do que as da pobreza em Cuba. Não seria fora de propósito comparar os frutos sociais da sociedade católica, com os frutos sociais da Cuba atéia e comunista. Aí talvez nós fariseus descobriríamos, qual mangueira precisava levar muita facãozada no tronco, para expelir a seiva venenosa e parar de produzir mangas amargas.
terça-feira, 2 de outubro de 2007
EIS NO QUE DEU A PRETENSA ISENÇÃO POLÍTICA
“SANTO OU DEMÔNIO?” – Com tal manchete espalhafatosa, semanário internacional, algum tempo atrás, publicou reportagem sobre pretensa “omissão” do Papa Pio XII, em relação aos crimes de Hitler. Abre a matéria com venenosa acusação: “Por mais que o Vaticano tente livrar-se do assunto, a atitude do papa PIO XII continua a pairar, como cadáver insepulto, lançando uma sombra sobre a Igreja como um todo”. O semanário requenta o controvertido litígio: o papa foi deveras omisso e covarde ou usou diplomático silêncio, para salvar milhares de vidas, não passando as acusações de “calúnia e ficção”. Assim contra-ataca um teólogo do Vaticano, mencionado pela revista. A polêmica é antiga e foi formulada a primeira vez pelo grande teatrólogo alemão Rolf Hochhuth, na peça “O Vigário de Cristo”. O drama do padre Fontana, protestando contra o silêncio do Vaticano e sendo esmagado pelos nazistas, sem nenhuma reação por parte da Igreja, comoveu as platéias do mundo e deu origem a extenso dossiê, publicado sob o título: “Summum jus, summa injuria: durfte der Papst schweigen?” (Suma injúria, o Papa podia ter calado?)
NÃO EXISTE CASAMENTO ENTRE CRISTO E BELIAL – Belial é um dos nomes bíblicos para o Príncipe deste mundo. A querela reportada remete ao problema das relações entre a Igreja de Cristo e os Poderes terrenos. Desce até aos fundamentos da História da Salvação e da Igreja. Ambas começaram sua existência como apelo divino, para que escravizados se libertassem. Na sociedade do Império romano, composta de maiorias escravizadas, a fome de libertação e dignidade espalhou-se rápido, como fagulha em palheiro. O populacho espezinhado identificou-se com a Boa Nova de libertação e igualdade. Libertação da escravidão e igualdade fraterna, pela primeira vez na história humana, passaram a ser sinônimo de conversão religiosa. Conversão mais exigente do que mera troca de filosofias. Estas não levam à batalha e muito menos à cruz.
O ACONTECIMENTO VIROU INSTITUIÇÃO – O desenrolar da História empurrou a Boa Nova na direção das teorizações. O Acontecimento virou teologia. O Cristianismo, passada a fase inicial dos profetas e mártires, foi acoplado ao poder temporal e adotou procedimentos imperialistas do poder civil. Por tais vias, caiu frequentemente na tentação de tornar absoluto o poder que é exercido “com autoridade divina”. Deus não erra, logo seus representantes também não erram. Talvez por tais vielas da mente, encontre-se a chave para entendermos as acusações contra Pio XII. Não somos ingênuos nem idiotas e sabemos que a Igreja é santa, mas também é pecadora. Tem sido preferencialmente pecadora, quando exerce poder à maneira do mundo, substituindo o Evangelho da liberdade pelas imposições da servidão. Outros dados históricos ajudam a formarmos a consciência crítica.
DIPLOMACIAS ENTRE VATICANO E NAZISMO – Há mais de 70 anos, o nazismo tomava o poder na Alemanha, abrindo caminho ao poder absoluto de Adolf Hitler. Menos de dois meses após, iniciaram-se negociações entre o Vaticano e o Regime nazista, das quais resultou a assinatura de uma Concordata. Quais os seus termos? 1º) O Vaticano e o Episcopado alemão reconhecem o governo nazista como autoridade legítima. Para serem nomeados, os bispos alemães serão obrigados a pronunciar o juramento de fidelidade ao novo Governo. 2º) O Governo nazista reconhece a liberdade da Igreja Católica e de suas organizações. 3º) A Igreja Católica promete abster-se de atividades políticas e proibir seu clero de agir neste campo. Sindicatos e partidos cristãos serão suprimidos. 4º) Os clérigos ficarão isentos de servir nas forças armadas. Em dois artigos no Osservatore Romano, o Secretário de Estado do Vaticano explica que a Concordata está de acordo com a doutrina clássica da Igreja, segundo a qual a Igreja deve manter-se isenta e neutra perante qualquer forma de governo, seja ditadura ou democracia.
ATÉ O SILÊNCIO É PROFUNDAMENTE POLÍTICO – Decorridas as mais de sete décadas, passados os riscos e exorcizados os medos, o que se escondia atrás dos fatos?. Da parte do nazismo, o interesse de ser reconhecido internacionalmente, dentro e fora do país, por uma entidade de peso como a Igreja Católica. E da parte dos poderes da Igreja? Análise objetiva apontaria medo de enfrentar o nazismo, medo do comunismo, respeito humilhante e interesseiro pela autoridade constituída. Atitudes de profundas conseqüências políticas, tais como o desinteresse pela sorte de outras entidades alemãs, outras igrejas, outros grupos, outras pessoas, chegando finalmente à justificação de que a Igreja tem seu próprio campo de atuação, o campo religioso, não devendo por isso imiscuir-se em questões políticas. A Conferência dos Bispos Alemães, em 1933, ano de ascensão do nazismo, assim se expressa: “Circunstâncias podem obrigar a Igreja, que é entidade autônoma, a retrair-se numa migração para dentro, em processo de defesa de sua liberdade e de seus direitos”. – “Migração para dentro?” Contradição nos termos: o fermento migrando de volta para a lata!
DESGRAÇAS COMEÇAM COM ACEITAÇÃO DE PRIVILÉGIOS – Algumas conclusões: A essência da tradição judaico-cristã postula inapelavelmente defesa e promoção da justiça universal, que não distingue entre judeu e grego, escravo e livre, cristão e socialista, homem e mulher. Pela Concordata, a Igreja aceitou receber garantias e privilégios só para si, como entidade separada, como fermento trancado. A “migração para dentro” continua sendo constante tentação e se manifesta nas insistências, para que a Igreja restrinja-se ao espiritual e ao religioso, que consistem na preparação dos fiéis para a salvação eterna. Abstendo-se “politicamente” e apelando para a isenção, os personagens desses tempos escuros desempenharam papéis profundamente políticos: guardando o silêncio pio e omisso, que respaldou substancialmente um regime político, que foi das maiores desgraça do nosso século. Escassearam então profecia e martírio, sobrou burocracia.
NÃO EXISTE CASAMENTO ENTRE CRISTO E BELIAL – Belial é um dos nomes bíblicos para o Príncipe deste mundo. A querela reportada remete ao problema das relações entre a Igreja de Cristo e os Poderes terrenos. Desce até aos fundamentos da História da Salvação e da Igreja. Ambas começaram sua existência como apelo divino, para que escravizados se libertassem. Na sociedade do Império romano, composta de maiorias escravizadas, a fome de libertação e dignidade espalhou-se rápido, como fagulha em palheiro. O populacho espezinhado identificou-se com a Boa Nova de libertação e igualdade. Libertação da escravidão e igualdade fraterna, pela primeira vez na história humana, passaram a ser sinônimo de conversão religiosa. Conversão mais exigente do que mera troca de filosofias. Estas não levam à batalha e muito menos à cruz.
O ACONTECIMENTO VIROU INSTITUIÇÃO – O desenrolar da História empurrou a Boa Nova na direção das teorizações. O Acontecimento virou teologia. O Cristianismo, passada a fase inicial dos profetas e mártires, foi acoplado ao poder temporal e adotou procedimentos imperialistas do poder civil. Por tais vias, caiu frequentemente na tentação de tornar absoluto o poder que é exercido “com autoridade divina”. Deus não erra, logo seus representantes também não erram. Talvez por tais vielas da mente, encontre-se a chave para entendermos as acusações contra Pio XII. Não somos ingênuos nem idiotas e sabemos que a Igreja é santa, mas também é pecadora. Tem sido preferencialmente pecadora, quando exerce poder à maneira do mundo, substituindo o Evangelho da liberdade pelas imposições da servidão. Outros dados históricos ajudam a formarmos a consciência crítica.
DIPLOMACIAS ENTRE VATICANO E NAZISMO – Há mais de 70 anos, o nazismo tomava o poder na Alemanha, abrindo caminho ao poder absoluto de Adolf Hitler. Menos de dois meses após, iniciaram-se negociações entre o Vaticano e o Regime nazista, das quais resultou a assinatura de uma Concordata. Quais os seus termos? 1º) O Vaticano e o Episcopado alemão reconhecem o governo nazista como autoridade legítima. Para serem nomeados, os bispos alemães serão obrigados a pronunciar o juramento de fidelidade ao novo Governo. 2º) O Governo nazista reconhece a liberdade da Igreja Católica e de suas organizações. 3º) A Igreja Católica promete abster-se de atividades políticas e proibir seu clero de agir neste campo. Sindicatos e partidos cristãos serão suprimidos. 4º) Os clérigos ficarão isentos de servir nas forças armadas. Em dois artigos no Osservatore Romano, o Secretário de Estado do Vaticano explica que a Concordata está de acordo com a doutrina clássica da Igreja, segundo a qual a Igreja deve manter-se isenta e neutra perante qualquer forma de governo, seja ditadura ou democracia.
ATÉ O SILÊNCIO É PROFUNDAMENTE POLÍTICO – Decorridas as mais de sete décadas, passados os riscos e exorcizados os medos, o que se escondia atrás dos fatos?. Da parte do nazismo, o interesse de ser reconhecido internacionalmente, dentro e fora do país, por uma entidade de peso como a Igreja Católica. E da parte dos poderes da Igreja? Análise objetiva apontaria medo de enfrentar o nazismo, medo do comunismo, respeito humilhante e interesseiro pela autoridade constituída. Atitudes de profundas conseqüências políticas, tais como o desinteresse pela sorte de outras entidades alemãs, outras igrejas, outros grupos, outras pessoas, chegando finalmente à justificação de que a Igreja tem seu próprio campo de atuação, o campo religioso, não devendo por isso imiscuir-se em questões políticas. A Conferência dos Bispos Alemães, em 1933, ano de ascensão do nazismo, assim se expressa: “Circunstâncias podem obrigar a Igreja, que é entidade autônoma, a retrair-se numa migração para dentro, em processo de defesa de sua liberdade e de seus direitos”. – “Migração para dentro?” Contradição nos termos: o fermento migrando de volta para a lata!
DESGRAÇAS COMEÇAM COM ACEITAÇÃO DE PRIVILÉGIOS – Algumas conclusões: A essência da tradição judaico-cristã postula inapelavelmente defesa e promoção da justiça universal, que não distingue entre judeu e grego, escravo e livre, cristão e socialista, homem e mulher. Pela Concordata, a Igreja aceitou receber garantias e privilégios só para si, como entidade separada, como fermento trancado. A “migração para dentro” continua sendo constante tentação e se manifesta nas insistências, para que a Igreja restrinja-se ao espiritual e ao religioso, que consistem na preparação dos fiéis para a salvação eterna. Abstendo-se “politicamente” e apelando para a isenção, os personagens desses tempos escuros desempenharam papéis profundamente políticos: guardando o silêncio pio e omisso, que respaldou substancialmente um regime político, que foi das maiores desgraça do nosso século. Escassearam então profecia e martírio, sobrou burocracia.
RELIGIÃO DETURPADA ALIMENTANDO ÓDIOS
1. Diz-se que Índia e Brasil são países com muitas semelhanças e algumas diferenças profundas. Na Índia, vive população difícil de ser governada, com numerosas etnias conflitantes e castas religiosas, funcionando como barragens de conservação para os enormes desníveis sociais. Mas a Índia, diz-se, produziu classe política e líderes nacionais entre os melhores do mundo. Citam-se, como exemplo, Gandhi, Pandit Nehru e aparentados deles que lhes foram sucessores, tais como Indira Gandhi e Jahawardahl Nehru. Povo destroçado e dividido, elite política de primeira!
2. No Brasil, diz-se, é o contrário. População unificada pela mesma língua e cultura, povo tolerante e cordial, propenso mais à fraternização do que ao conflito; povo escorchado por cinco séculos de exploração por parte de suas elites. No entanto, gente que parece não perder a alegria de viver e a esperança de que este país dará certo. Povo fácil de governar e de enganar. Mas suas classes dirigentes? Tidas como as piores do mundo: predadoras da riqueza nacional e insensíveis aos sofrimentos de seus conterrâneos . Uma classe política que historicamente usa o povo como escada para subir na vida e refestelar-se em seus privilégios. Povo bom e políticos corruptos!
3. As afirmações acima são confirmadas por reportagem na VEJA sobre o martírio perpetrado pelos fundamentalistas religiosos hindus contra minorias étnicas muçulmanas e cristãs. A Índia – diz a revista – é país de profundas rivalidades religiosas, que com freqüência explodem em banhos de sangue e selvageria. A violência ocorre geralmente entre hindus e muçulmanos. Nos últimos meses a intolerância religiosa partir para cima dos cristãos, 2% da população, com assassinatos de padres e pastores, rapto e estupro de religiosas e ataques a igrejas, cemitérios e escolas. Restaram centenas de mortos e feridos e um rastro de destruição. O episódio mais chocante aconteceu com um missionário australiano, queimado vivo com os filhos de 8 e 10 anos.
4. A intolerância religiosa, é uma constante na história hindu. Os ingleses, que colonizaram o país no século XIX, separaram as comunidades as comunidades hindus, as muçulmanas e as das demais religiões. Garantiram uma paz relativa, mas aprofundaram as diferenças. A sociedade indiana continua profundamente marcada e dividida pela religião. Um país segmentado em castas, etnias e religiões, onde se falam 24 idiomas e que apresenta profundas desigualdades sociais, com 35% da população imersa em pobreza absoluta, a Índia tem sido terreno fértil para toda espécie de violência. Ao tempo do colonialismo europeu, os ingleses ocupantes eram identificados com o cristianismo. Tais cristãos cooperaram para arraigar incuravelmente as sementes da violência no seio de um mesmo povo. Em vez de irmãos e conterrâneos, inimigos de sangue e fogo.
5. Reitere-se o que vem sendo repetido em nossas reflexões: a religião, que trabalha com o conceito fundamental de Deus como Pai de todos, tem sido usada para dividir os irmãos e plantar entre eles sementes de violência. A história da cristandade está também tingida de sangue e destruição, desde as inquisições medievais e as guerras religiosas. Tudo provocado inicialmente por uma competição de frases teológicas e posteriormente pela discrepância entre as afirmações teológicas e a vida real dos detentores do poder eclesiástico. Não é proibido sonhar: teria sido tão diferente e a história, se tivesse sido reconhecido o direito ao livre pensamento e os poderes houvessem funcionado para incentivar a beleza e a riqueza da diferença e do pluralismo. Não estaríamos nós cristãos obrigados a suplicar o justo perdão por tanto crime cometido.
6. Em anos passados, pregou-se e rezou-se contra os inimigos de Cristo. Acho que com pontaria profundamente equivocada. De tudo que observei e li, não existiram nem existem inimigos de Cristo. Nem do Evangelho, nem da proposta de igualdade fraterna; nem da utopia cristã de um mundo bom. Inimigos da Igreja foram gerados pelo exercício prepotente de autoridades eclesiásticas. Tem razão o papa João Pulo II, quando afirmou que a Igreja não precisa pedir perdão de pecados, porque ela é santa e não peca: ela é a própria pessoa de Cristo, no Espírito Santo presente naqueles que buscam a justiça. Já os homens da Igreja temos historicamente todas as razões de batermos no peito e, aprendendo as lições, pararmos com nossas arrogâncias simplórias.
2. No Brasil, diz-se, é o contrário. População unificada pela mesma língua e cultura, povo tolerante e cordial, propenso mais à fraternização do que ao conflito; povo escorchado por cinco séculos de exploração por parte de suas elites. No entanto, gente que parece não perder a alegria de viver e a esperança de que este país dará certo. Povo fácil de governar e de enganar. Mas suas classes dirigentes? Tidas como as piores do mundo: predadoras da riqueza nacional e insensíveis aos sofrimentos de seus conterrâneos . Uma classe política que historicamente usa o povo como escada para subir na vida e refestelar-se em seus privilégios. Povo bom e políticos corruptos!
3. As afirmações acima são confirmadas por reportagem na VEJA sobre o martírio perpetrado pelos fundamentalistas religiosos hindus contra minorias étnicas muçulmanas e cristãs. A Índia – diz a revista – é país de profundas rivalidades religiosas, que com freqüência explodem em banhos de sangue e selvageria. A violência ocorre geralmente entre hindus e muçulmanos. Nos últimos meses a intolerância religiosa partir para cima dos cristãos, 2% da população, com assassinatos de padres e pastores, rapto e estupro de religiosas e ataques a igrejas, cemitérios e escolas. Restaram centenas de mortos e feridos e um rastro de destruição. O episódio mais chocante aconteceu com um missionário australiano, queimado vivo com os filhos de 8 e 10 anos.
4. A intolerância religiosa, é uma constante na história hindu. Os ingleses, que colonizaram o país no século XIX, separaram as comunidades as comunidades hindus, as muçulmanas e as das demais religiões. Garantiram uma paz relativa, mas aprofundaram as diferenças. A sociedade indiana continua profundamente marcada e dividida pela religião. Um país segmentado em castas, etnias e religiões, onde se falam 24 idiomas e que apresenta profundas desigualdades sociais, com 35% da população imersa em pobreza absoluta, a Índia tem sido terreno fértil para toda espécie de violência. Ao tempo do colonialismo europeu, os ingleses ocupantes eram identificados com o cristianismo. Tais cristãos cooperaram para arraigar incuravelmente as sementes da violência no seio de um mesmo povo. Em vez de irmãos e conterrâneos, inimigos de sangue e fogo.
5. Reitere-se o que vem sendo repetido em nossas reflexões: a religião, que trabalha com o conceito fundamental de Deus como Pai de todos, tem sido usada para dividir os irmãos e plantar entre eles sementes de violência. A história da cristandade está também tingida de sangue e destruição, desde as inquisições medievais e as guerras religiosas. Tudo provocado inicialmente por uma competição de frases teológicas e posteriormente pela discrepância entre as afirmações teológicas e a vida real dos detentores do poder eclesiástico. Não é proibido sonhar: teria sido tão diferente e a história, se tivesse sido reconhecido o direito ao livre pensamento e os poderes houvessem funcionado para incentivar a beleza e a riqueza da diferença e do pluralismo. Não estaríamos nós cristãos obrigados a suplicar o justo perdão por tanto crime cometido.
6. Em anos passados, pregou-se e rezou-se contra os inimigos de Cristo. Acho que com pontaria profundamente equivocada. De tudo que observei e li, não existiram nem existem inimigos de Cristo. Nem do Evangelho, nem da proposta de igualdade fraterna; nem da utopia cristã de um mundo bom. Inimigos da Igreja foram gerados pelo exercício prepotente de autoridades eclesiásticas. Tem razão o papa João Pulo II, quando afirmou que a Igreja não precisa pedir perdão de pecados, porque ela é santa e não peca: ela é a própria pessoa de Cristo, no Espírito Santo presente naqueles que buscam a justiça. Já os homens da Igreja temos historicamente todas as razões de batermos no peito e, aprendendo as lições, pararmos com nossas arrogâncias simplórias.
IRMÃOS NA FAMÍLIA MAIOR
FÁBULA DO MEU XODÓ – Nestes últimos quatro anos de minhas tribulações, devo ter escrito a fábula uma dúzia de vezes, em cartas aos amigos do coração. Aos amigos da onça também! Talvez eu já tenha contado também, em alguma escrita para você. Mas quanto mais eu a conto, mais gosto dela e mais a singela narrativa assume cores de parábola evangélica. Mas vamos lá! Dois amigos saíram para caçar na floresta, no tempo em que havia florestas. Na floresta densa, afastaram-se um do outro. Inesperadamente, de trás das moitas, surge um ursão ameaçador. O caçador mais distante, em vez de aproximar-se para somar força e socorrer o amigo, aboletou-se ligeirinho nos galhos da árvore mais próxima. O colega, sem tempo para fugir, deitou-se no chão e fingiu-se de morto. Aprendera que urso só devora o que mata.
URSO COLEGA DO LOBO DE GÚBIO – Enquanto o fujão dava graças a Deus por ter escapado e curtia a segurança do alto do galho, o urso aproximou-se do homem deitado, fingido de morto. Cheirou-lhe o corpo e não deve ter gostado da marca do desodorante. Farejou-lhe demoradamente as orelhas. Depois levantou a cabeça enfastiado, olhou com desprezo o medroso encarapitado no galho e sumiu no arvoredo. Passado o perigo, o companheiro desleal desceu da árvore e aproximou-se pressuroso.. Para disfarçar o papelão e “tirar a suja”, tentou fazer gracinha: - “O que foi que o urso tanto falou aos teus ouvidos?” O outro, suando frio do risco que correra e do pavor que sentira, recuperou o sangue frio e inventou sua versão: “O urso me disse que acompanhava Frei Manfredo, em suas caminhadas paroquiais, pelas veredas sombreadas do Amaragi. Até aprendeu com ele um pouco de latim. Recomendou que eu citasse para você um antigo provérbio: - “AMICUS CERTUS IN RE INCERTA CERNITUR!”
PARENTESCO NÃO É ESCOLHA – Talvez seja necessário passar determinadas situações, para descobrir que lealdade – Treue und Redlichkeit – é inquilina de cobertura, no edifício de nossa construção. Parentes e consangüíneos todos os seres vivos possuem. Os ratos têm mãe e irmãos e isso não cria laços de solidariedade entre eles. Conheço casos, em meu longo contato com a espécie humana, em que consanguineidade mais rimou com promiscuidade e omissão do que com magnanimidade e altruísmo. Acho misteriosa e bela a fundamentação que encontro para minha desconfiança, no cap. 19 do Livro do Gênesis. Lá se conta que o justo Lot, homem de Deus, pai extremoso, preferiu entregar aos sodomenses desenfreados as duas filhas virgens, antes que faltar com a lealdade, exigida por dimensões humanas, visivelmente mais sagradas do que a virgindade das filhas. Seta bíblica misteriosa, apontando para valores mais universais do que os pequenos interesses consangüíneos. Lição radical de crítica à família, como possível refúgio dos nossos egoísmos e freqüente e eventual trincheira das vantagens particulares. Nossa luta é pela fraternidade única de todos os filhos de Deus
IRMÃOS NA FAMÍLIA MAIOR – Foi um pouco disso o que senti, lendo e relendo os bem-vindos feedbacks dos colegas ipuaranenses Luiz Maurício,Luiz Andrade, Arlindo e Sena. Sena hesita – ou pilheria! – se me pode tratar de Você, Vossa Mercê ou Vossa Graça. Em nossa história e consequentemente em nossas psiques, o escravismo entranhou-se até na gramática. Sem ter muita certeza disso, acho que as línguas dos dois povos – espanhóis e portugueses – que mantiveram a escravidão até fins do século XIX são as únicas que transformaram as palavras “senhor/senhora” em pronomes de tratamento. Era o tratamento do negrinho/negrinha para o sinhô/sinhá. Na língua internacional da igualdade globalizada, a criança trata o outro por you, seja o outro um coleguinha ou seja o Papa ou a Rainha!. Ninguém é senhor/senhora de ninguém. Somos irmãos da família maior, a que vai prevalecer, após o disfuncionamento dos laços biológicos. Foi preciso ler nas linhas tortas por onde Deus escreve que surpreendentemente descobri, aqui próximo de minha rua, morando perto de mim, um irmão querido e sofredor:: Frei Sigismundo, viajante permanente entre a cama e a cadeira-de-rodas, após o AVC. Confrade também na Irmandade do Simão Cirineu.
INVERNO BOM E MUITA FARTURA - Naquele ano, Simão não tinha do que se queixar. Chovera bem, o pasto era abundante e o rebanho engordara. A capital se enchera de judeus ricos, advindos de todos os recantos do Império Romano. A euforia de Simão encontrava os melhores fundamentos. Era a grande semana do ano, a Semana da Páscoa! No Templo, dezenas de sacerdotes, sujos de sangue, não paravam de sacrificar os animais ao Deus Altíssimo. Simão embarcara nas ondas da Lei da Oferta e da Procura e vendera bem cinco dezenas de carneiros de sua criação. Estava de bolsos cheios, como o diabo gosta! Após tanto suor derramado e com a cidade transbordando de variadas oportunidades, era hora de dar uma voltinha pelo centro, apreciar as novidades, encarar alguma parada que valesse a pena. Aproveitar a gostosa liberdade dos momentos de solteirice provisória. Quem sabe, uma puladinha de cerca? As dracmas coçavam no inquieto bolso e a vida é bela e promissora!
“O CRIMINOSO NÃO PODE MORRER ANTES!”-“Boa romaria faz quem em sua casa está em paz”, mas a filosofia só foi descoberta por Simão a posteriori. A curiosidade foi sua desgraça. Quando pressentiu a arruaça, enfiou-se na multidão, para ver mais de perto. Era um macabro cortejo de soldados, espancando um criminoso a caminho da execução. A sentença do meritíssimo era cruz, o indivíduo não podia morrer, antes do preenchimento dos trâmites legais. Se, por excesso da tropa, morresse sem ser executado, quem pagaria o pato seria ele, o sargento, pois a corda sempre arrebenta no lado mais fraco. Mas o réu não agüentava mais tanta pancadaria, nem mais também o peso de sua cruz. Era preciso agarrar um trouxa para adjutório. Após a terceira queda, o desgraçado nem conseguia mais levantar-se do chão.
“PEGA AQUELE JUDEU FACEIRO ALI !”- Vendo o condenado quase nas últimas e temendo não poder cumprir integralmente a ordem judicial, o sargento ordenou que a sádica procissão fizesse uma pausa. Proferiu suas blasfêmias, xingou a mãe do cara, deu nele mais uns chutes, mas não adiantou: o condenado estava nas últimas. Quem agora corria riscos processuais era ele, chefe do destacamento. Alguém tinha de ajudar, se não o condenado apagaria, antes do cumprimento da sentença.. O sargento correu a vista na roda de curiosos e seus olhos pararam no despreocupado e lampeiro Simão. “Pega aquele judeu faceiro ali!” Os soldados correram em cima, aberturaram Simão e, na base da porrada, o empurraram para debaixo da cruz do réu ensangüentado. Dois olhares então se encontraram: os olhos sofridos de Jesus e os olhos raivosos de Simão Cirineu.
“O OLHAR DAQUELE HOMEM !” – O Simão bem banhado e bem vestido, bolso cheio e coração farejando aventuras, retornou já noite para a hospedaria, sujo de sangue e lama, além de depenado pela soldadesca de suas queridas dracmas. Tinha jogado fora, pior ainda, nas mãos dos infiéis, os suores de um ano de desvelo com seus carneiros. Fora humilhado, pelos pagãos, no mais profundo de sua alma israelita. Ainda por cima, o contato físico com um criminoso o tornou impuro e impedido de celebrar a Páscoa. Estás vendo, Simão, no que deu saíres por aí, com a cabeça cheia de maus pensamento?: Com a auto-estima na sarjeta e a indignação fervendo no sangue, Simão não conseguiu adormecer. O olhar daquele condenado à morte não o deixava em paz. Em toda a sua vida, nunca fora olhado daquele jeito, com tamanha gratidão e tão grande e incompreensível bondade! .Na segunda-feira, estava de volta a Cirene e, até naquela roça, já circulavam rumores estranhos sobre a ressurreição do Homem, que ele havia ajudado a carregar a Cruz.
URSO COLEGA DO LOBO DE GÚBIO – Enquanto o fujão dava graças a Deus por ter escapado e curtia a segurança do alto do galho, o urso aproximou-se do homem deitado, fingido de morto. Cheirou-lhe o corpo e não deve ter gostado da marca do desodorante. Farejou-lhe demoradamente as orelhas. Depois levantou a cabeça enfastiado, olhou com desprezo o medroso encarapitado no galho e sumiu no arvoredo. Passado o perigo, o companheiro desleal desceu da árvore e aproximou-se pressuroso.. Para disfarçar o papelão e “tirar a suja”, tentou fazer gracinha: - “O que foi que o urso tanto falou aos teus ouvidos?” O outro, suando frio do risco que correra e do pavor que sentira, recuperou o sangue frio e inventou sua versão: “O urso me disse que acompanhava Frei Manfredo, em suas caminhadas paroquiais, pelas veredas sombreadas do Amaragi. Até aprendeu com ele um pouco de latim. Recomendou que eu citasse para você um antigo provérbio: - “AMICUS CERTUS IN RE INCERTA CERNITUR!”
PARENTESCO NÃO É ESCOLHA – Talvez seja necessário passar determinadas situações, para descobrir que lealdade – Treue und Redlichkeit – é inquilina de cobertura, no edifício de nossa construção. Parentes e consangüíneos todos os seres vivos possuem. Os ratos têm mãe e irmãos e isso não cria laços de solidariedade entre eles. Conheço casos, em meu longo contato com a espécie humana, em que consanguineidade mais rimou com promiscuidade e omissão do que com magnanimidade e altruísmo. Acho misteriosa e bela a fundamentação que encontro para minha desconfiança, no cap. 19 do Livro do Gênesis. Lá se conta que o justo Lot, homem de Deus, pai extremoso, preferiu entregar aos sodomenses desenfreados as duas filhas virgens, antes que faltar com a lealdade, exigida por dimensões humanas, visivelmente mais sagradas do que a virgindade das filhas. Seta bíblica misteriosa, apontando para valores mais universais do que os pequenos interesses consangüíneos. Lição radical de crítica à família, como possível refúgio dos nossos egoísmos e freqüente e eventual trincheira das vantagens particulares. Nossa luta é pela fraternidade única de todos os filhos de Deus
IRMÃOS NA FAMÍLIA MAIOR – Foi um pouco disso o que senti, lendo e relendo os bem-vindos feedbacks dos colegas ipuaranenses Luiz Maurício,Luiz Andrade, Arlindo e Sena. Sena hesita – ou pilheria! – se me pode tratar de Você, Vossa Mercê ou Vossa Graça. Em nossa história e consequentemente em nossas psiques, o escravismo entranhou-se até na gramática. Sem ter muita certeza disso, acho que as línguas dos dois povos – espanhóis e portugueses – que mantiveram a escravidão até fins do século XIX são as únicas que transformaram as palavras “senhor/senhora” em pronomes de tratamento. Era o tratamento do negrinho/negrinha para o sinhô/sinhá. Na língua internacional da igualdade globalizada, a criança trata o outro por you, seja o outro um coleguinha ou seja o Papa ou a Rainha!. Ninguém é senhor/senhora de ninguém. Somos irmãos da família maior, a que vai prevalecer, após o disfuncionamento dos laços biológicos. Foi preciso ler nas linhas tortas por onde Deus escreve que surpreendentemente descobri, aqui próximo de minha rua, morando perto de mim, um irmão querido e sofredor:: Frei Sigismundo, viajante permanente entre a cama e a cadeira-de-rodas, após o AVC. Confrade também na Irmandade do Simão Cirineu.
INVERNO BOM E MUITA FARTURA - Naquele ano, Simão não tinha do que se queixar. Chovera bem, o pasto era abundante e o rebanho engordara. A capital se enchera de judeus ricos, advindos de todos os recantos do Império Romano. A euforia de Simão encontrava os melhores fundamentos. Era a grande semana do ano, a Semana da Páscoa! No Templo, dezenas de sacerdotes, sujos de sangue, não paravam de sacrificar os animais ao Deus Altíssimo. Simão embarcara nas ondas da Lei da Oferta e da Procura e vendera bem cinco dezenas de carneiros de sua criação. Estava de bolsos cheios, como o diabo gosta! Após tanto suor derramado e com a cidade transbordando de variadas oportunidades, era hora de dar uma voltinha pelo centro, apreciar as novidades, encarar alguma parada que valesse a pena. Aproveitar a gostosa liberdade dos momentos de solteirice provisória. Quem sabe, uma puladinha de cerca? As dracmas coçavam no inquieto bolso e a vida é bela e promissora!
“O CRIMINOSO NÃO PODE MORRER ANTES!”-“Boa romaria faz quem em sua casa está em paz”, mas a filosofia só foi descoberta por Simão a posteriori. A curiosidade foi sua desgraça. Quando pressentiu a arruaça, enfiou-se na multidão, para ver mais de perto. Era um macabro cortejo de soldados, espancando um criminoso a caminho da execução. A sentença do meritíssimo era cruz, o indivíduo não podia morrer, antes do preenchimento dos trâmites legais. Se, por excesso da tropa, morresse sem ser executado, quem pagaria o pato seria ele, o sargento, pois a corda sempre arrebenta no lado mais fraco. Mas o réu não agüentava mais tanta pancadaria, nem mais também o peso de sua cruz. Era preciso agarrar um trouxa para adjutório. Após a terceira queda, o desgraçado nem conseguia mais levantar-se do chão.
“PEGA AQUELE JUDEU FACEIRO ALI !”- Vendo o condenado quase nas últimas e temendo não poder cumprir integralmente a ordem judicial, o sargento ordenou que a sádica procissão fizesse uma pausa. Proferiu suas blasfêmias, xingou a mãe do cara, deu nele mais uns chutes, mas não adiantou: o condenado estava nas últimas. Quem agora corria riscos processuais era ele, chefe do destacamento. Alguém tinha de ajudar, se não o condenado apagaria, antes do cumprimento da sentença.. O sargento correu a vista na roda de curiosos e seus olhos pararam no despreocupado e lampeiro Simão. “Pega aquele judeu faceiro ali!” Os soldados correram em cima, aberturaram Simão e, na base da porrada, o empurraram para debaixo da cruz do réu ensangüentado. Dois olhares então se encontraram: os olhos sofridos de Jesus e os olhos raivosos de Simão Cirineu.
“O OLHAR DAQUELE HOMEM !” – O Simão bem banhado e bem vestido, bolso cheio e coração farejando aventuras, retornou já noite para a hospedaria, sujo de sangue e lama, além de depenado pela soldadesca de suas queridas dracmas. Tinha jogado fora, pior ainda, nas mãos dos infiéis, os suores de um ano de desvelo com seus carneiros. Fora humilhado, pelos pagãos, no mais profundo de sua alma israelita. Ainda por cima, o contato físico com um criminoso o tornou impuro e impedido de celebrar a Páscoa. Estás vendo, Simão, no que deu saíres por aí, com a cabeça cheia de maus pensamento?: Com a auto-estima na sarjeta e a indignação fervendo no sangue, Simão não conseguiu adormecer. O olhar daquele condenado à morte não o deixava em paz. Em toda a sua vida, nunca fora olhado daquele jeito, com tamanha gratidão e tão grande e incompreensível bondade! .Na segunda-feira, estava de volta a Cirene e, até naquela roça, já circulavam rumores estranhos sobre a ressurreição do Homem, que ele havia ajudado a carregar a Cruz.
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