EXCESSO DE ADORNOS NO ANIVERSÁRIO DA POBREZA - Pelo mundo inteiro, as cidades se engalanam com os luxos mais peregrinos. As ruas se entrançam de luzes coloridas e as árvores se iluminam com milhões de gambiarras. Supermercados e shoppings viram palácios encantados. Todo esse luxo a título de uma gruta escura e mal cheirosa nos arredores de Belém, onde animais, por causa do frio, se abrigavam à noite. Lição agressiva sobre a inutilidade das nossas ganâncias, que preferimos afogar sob os excessos consumistas. Do mistério divino do despojamento absoluto, fizemos o apanágio de nossas gastanças. Natal convida a um retorno, em espírito, à antiga inocência, para nela redescobrirmos, como foi mesmo o nascimento de Jesus. Na recordação presente, vou acompanhado por meu amigo e guru Frei Carlos Mesters;
MARIA DA FAVELA, GRÁVIDA DE JESUS – A mulher entrou no Posto de Saúde da Comunidade e se apresentou: -“Eu me chamo Maria”. Sentou-se no banco, parou para chorar e, em seguida, desabafou: -“Este ano sofri horrores! Tanta coisa que faz a gente sofrer! Não dá nem para contar! Várias vezes tive vontade de me matar!. Na semana passada, véspera do Natal, eu não agüentava mais. O desejo de acabar com a vida era tão forte que quase me venceu. Não sei como estou viva até hoje. O que ajudou foi este pensamento que entrou na minha cabeça, assim não sei como. Talvez por causa da festa de Natal que estava perto. Eu dizia a mim mesma: -“Maria, você não pode morrer! Você tem que viver! Você está grávida de Jesus! Você se matando, você mata Jesus! Mas ele não pode morrer! Ele precisa nascer! Este pensamento me ajudou, eu venci, estou viva e faço Jesus viver!”
NO MUNDO JUSTO TODOS TERÃO CHANCE – Esta mulher simples e fraca enfrentou o dragão da maldade e o venceu. Uniu-se a Jesus e Maria e foi mais forte. Venceu, apesar das horríveis dores que, no caso, eram dores de parto. Quantas pequenas lutas assim não se travam diariamente, no interior das pessoas! Ninguém percebe nada, o rosto não o revela. Pequenas lutas vitoriosas, como as pequenas raízes, que fazem crescer a grande árvore da liberdade e da vida. Em vez de acrescentar para a criminalidade, os filhos dos pobres alimentam a esperança, junto com a alegria que trazem às suas mães. Em sociedade regida pela justiça, todos virão ao mundo, de encontro às suas chances de vida plena e respeitada. A criminalidade não é destino dos pobres, mas resultado coerente das desigualdades revoltantes e inaceitáveis. Jesus nasceu, a fim de propor um mundo diferente deste nosso, recheado de estridências e carente de espírito.
“MAIS UM PARA OS FUTUROS NOTICIÁRIOS POLICIAIS!” – Outro dia, já faz algum tempo, uma senhora grávida entrou no mesmo Ambulatório da Comunidade e aconteceu de ela dar à luz ali mesmo. Um menino forte e sadio. Só havia gente pobre para acolher o recém-nascido. Não fiquei sabendo nome da mãe. Ela mora na favela. Vendo aquelas senhoras, todas querendo ajudar a mãe e o menino, fiquei triste. Pensava nos milhares de crianças abandonadas: -“Mais um para crescer na miséria, sem casa e sem carinho! Qual o futuro desse menino aí, a quem deram o nome de Jesus?” Assim eu pensava. Mas nada notei de tristeza naquelas senhoras pobres. Elas não falavam comigo, mas seu modo de agir falava mais alto do que qualquer palavra.. A solicitude compassiva e a solidariedade fraterna falavam mais alto do que os sofrimentos e penúrias de suas vidas humildes. Em momentos essenciais da vida humana, como o nascimento de uma criança, as carências superam-se pela grandeza maior!
“VOCÊ PARECE O REI HERODES!” – Naquele dia, semana de natal, eu recebi meu sermão natalino. As mulheres pobres da favela, compassivamente solidárias ao redor da mãe e do filho recém-nascido, clamavam para mim em seu silêncio: - “Menino Jesus, você é bem vindo! Tem lugar para você. O barraco é apertado, mas a gente dá um jeito. No coração da gente tem lugar sobrando!” O silêncio daquelas mulheres, não tomando conhecimento de minhas preocupações pequeno-burguesas, parecia denunciar a minha tristeza impenitente. Era como se me dissessem: “Por que você é contra o nascimento desse menino? Ele tem tanto direito de viver como você! Você parece o rei Herodes, que mandou matar os pobres e queria matar o Menino Jesus!” E continuaram sua alegria ao redor da mãe e do menino, sem tomar conhecimento do aparente aliado do rei Herodes.
“CRIANÇA LINDA COMO A ESTRELA DALVA!” – Luizinha, retirante nodestina na Baixada Fluminense, recebeu esta carta, na folha rasgada de um caderno: - “Sítio Velho, 19 de outubro de 2006. Amiga Luizinha lhe escrevo estas poucas linhas é somente para dar minhas notícias que até hoje estou com saúde graças a Deus e descansei uma criancinha linda como a estrela dalva mas é tão pobrezinha que nem uma redinha para dormir ela não tem. Peço que você arranje uma redinha para meu filho e desculpe a ignorância. Quando eu estava grávida minha lembrança era que você fosse a madrinha de meu filho. Quero saber se quer ser madrinha dele ou não. Nada mais Assina Raimunda Alves de Souza”. O envelope da carta era subscrita com letra bonita, que Raimunda pediu emprestada à freira do ambulatório paroquial. Com os garranchos de Raimunda, talvez o carteiro não acertasse com o endereço, perdido na imensidão da Baixada Fluminense.
TUDO POBRE COMO NA GRUTA DE BELÉM – Raimunda é mãe de quatro filhos. O pai quase não aparece. Ela mora numa casa que não tem piso, nem parede nem telhado. O piso é o chão comum que nem sequer foi nivelado. A parede é um entrançado de pau com barro, cheio de buracos. O telhado é uma camada de folhas de carnaúba. A casa não tem porta, só dois buracos desprotegidos, para entrar e sair. O vento frio das noites na serra passa livremente. Tudo muito pobre, como na gruta de Belém. Apontando o menino, Raimundinha fala: - “Esta criança tem quatro mães. Tem eu, tem ela (e aponta a avó), tem ela (e aponta a parteira). E tem ela lá de cima (e aponta para o céu). Para visitar a mãe e a criança, no dia do batizado, só tinha gente pobre, como eram pobres os pastores de Belém. De reis magos, já mais riquinhos e mais sabidos, só tinha Luisinha e eu. A criança, deitadinha no chão, era a alegria das pessoas em redor. – Mais do que com feliz sapato novo nos pés, SANTO E ABENÇOADO NATAL, com feliz óculos novos nos olhos. Em mundo poluído, nossa vista encontra-se ainda mais exposta à poluição e aos maus odores.
Com amizade - Luís
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
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