LAPINHAS DE NOSSA INFÂNCIA – Dezembro de novo, mês das saudades maiores do paraíso perdido, que não sabemos mais onde fica. Natal de novo, comemoração ruidosa e excessiva da discrição, do silêncio e da pobreza incontornáveis, que cercaram o Nascimento de Jesus. Nos descampados de Belém, pastores já não escutam acordes celestiais. Os anjos anunciadores se transferiram para a televisão e foram contratados. Ao contrário dos arautos primitivos, os anjos se travestiram de Papais Noéis mercenários e convidam a olhar shoppings, em vez de lapinhas.. Galhos amputados do tronco, distantes das raízes, embarcamos sofregamente numa espécie de vingança difusa, contra a pobreza do Primeiro Natal e seu séqüito de Sagradas Famílias, Manjedouras e Reis Magos. É sabido que disfunções psíquicas provocam fome doentia. Disfunções espirituais, geradas por frustrações, podem estar na base da avidez natalina, movida pela compulsão de afogarmos sadios sentimentos de culpa em lautos jantares. Bota-se então, de portas afora, a incômoda presença!
PERSONAGENS COMPARECIDOS AO PRIMEIRO NATAL – De um deles todos conhecemos o nome: o Rei Herodes. Quem foi este homem e por quais portas transversas entrou na História da Salvação? Nos Evangelhos, o nome de Herodes. O Grande, está intimamente relacionado com o Templo e sua reconstrução. O Templo foi a realização máxima desta que é uma das mais discutidas figuras do mundo antigo. O Herodes da infância de Jesus alçou Israel a um nível de esplendor, que este jamais vira antes, e que não tem visto desde então. Sua munificência estendeu-se a cidades estrangeiras, como Beirute, Damasco, Antioquia e Rodes. Experiente em combate, hábil caçador, atleta entusiástico, Herodes patrocinou e presidiu Jogos Olímpicos. Usou sua influência para proteger as comunidades judaicas na Diáspora e foi generoso com os necessitados do Mediterrâneo oriental. No entanto, não conseguiu estabelecer uma dinastia estável porque, à medida em que envelhecia, foi sendo dominado por uma paranóia, que transformou o déspota benévolo em tirano perverso.
COBRA ENGOLINDO COBRA – Quase não restam dúvidas de que Herodes estava cercado por conspiração e intriga. Seu pai e seu irmão tinham tido morte violenta. Ele próprio possuía inimigos, não só entre os fariseus, facção que se ressentia do governo de um estrangeiro submisso a um imperador pagão em Roma, mas também entre os partidários de membros da dinastia asmonéia. Esta reivindicava, com direito, a coroa da Judéia. “Asmoneu” era a designação dinástica para os descendentes do general e herói judaico Judas Macabeu. O povo achava que alguém dessa dinastia nacional devia governar, e não um árabe pagão como Herodes. Os asmoneus governaram por l34 anos, até o ano 37 antes de Cristo, quando então Jerusalém foi conquistada pelo Herodes Magno da presente crônica. Como se vê, a briga, naqueles cantos do mundo, é antiga e rege-se ainda pelas mesmas coordenadas. Para aplacar os simpatizantes da dinastia asmonéia, Herodes divorciou-se de sua esposa Dóris, com quem se casara na juventude, e desposou Mariamna, neta do sumo-sacerdote Hircano, descendente de Judas Macabeu.
MANDOU AFOGAR O SUMO-SACERDOTE – Hircano tinha sido aprisionado pelos partos, quando estes invadiram a Palestina, mas fora libertado devido à intercessão dos judeus que viviam além do Eufrates. Encorajado pelo casamento de sua neta com Herodes, Hircano regressou a Jerusalém, onde Herodes imediatamente o executou. Não, conforme afirma Flávio Josefo, por ter reivindicado o trono, “mas porque o trono realmente era seu”. Outro adversário potencial era Jônatas, irmão de sua mulher Mariamna o qual, aos 17 anos, foi feito sumo-sacerdote por Herodes. Mas, quando o rapaz vestiu os trajes sagrados e se aproximou do altar durante uma festa, todos os presentes choraram de emoção. Por isso, Herodes mandou sua guarda pessoal gaulesa matá-lo afogado.
MANDOU ESTRANGULAR OS PRÓPRIOS FILHOS – O que, no âmbito político, talvez tenha sido maquiavelicamente oportuno, no âmbito familiar foi um desastre. Herodes apaixonara-se intensamente por Mariamna. Esta, após o que acontecera com seu irmão e seu avô, odiava-o com a mesma intensidade. Além de ressentimento e ódio, havia o desdém de uma princesa real judia por um novo-rico árabe. Isso não só atormentava Herodes, mas também deixava sua família furiosa, sobretudo sua irmã Salomé. Esta persuadiu o irmão de que Mariamna havia cometido adultério com José, seu marido. Herodes ordenou a imediata execução de ambos. Em seguida, a paranóia voltou-se contra seus dois filhos com Mariamna. Convencido de que estavam conspirando contra ele, mandou estrangulá-los em Sebaste, no ano 7 antes de Cristo.
“ONDE ESTÁ O REI QUE NASCEU?” – Depois que Jesus nasceu na cidade de Belém da Judéia, na época de Herodes, alguns Magos do Oriente chegaram a Jerusalém, perguntando: “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo”. Ao saber disso, o rei Herodes ficou alarmado, assim como toda a cidade de Jerusalém. Ele reuniu todos os sumos sacerdotes e os escribas do povo, para perguntar-lhes onde o Messias, o Cristo, deveria nascer. Eles responderam: “Em Belém da Judéia, pois assim escreveu o profeta: “E tu, Belém, terra de Judá, de modo algum és a menor entre as principais cidades de Judá; porque de ti sairá um príncipe que será o pastor do meu povo de Israel”.
A ETRELA OS ENCHEU DE ALEGRIA – Então Herodes chamou, em segredo, os Magos e procurou saber deles a data exata em que a estrela tinha aparecido. Depois enviou-os a Belém, dizendo: “Ide e procurai obter informações exatas sobre o Menino. E, quando o encontrardes, avisai-me, para que eu também vá adora-lo”. Depois que ouviram o rei, os Magos partiram. E a estrela que tinham visto no Oriente, ia à frente deles, até parar sobre o lugar onde estava o Menino. Ao reverem a estrela. os Magos se encheram da mais profunda alegria. Quando entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua mãe. Ajoelharam-se diante dele e o adoraram. Depois abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro incenso e mirra. Avisados em sonho para não voltarem a Herodes, retornaram para sua terra, passando por outro caminho.
MANDOU MATAR TODAS AS CRIANÇAS – Depois que os Magos se retiraram, o anjo do Senhor apareceu em sonho a José e lhe disse: “Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o Egito! Fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino para matá-lo”. José levantou-se, de noite, com o Menino e sua Mãe, e retirou-se para o Egito e lá ficou até a morte de Herodes... Quando Herodes percebeu que os Magos o tinham enganado, mandou matar todos os meninos de Belém e território vizinho, de dois anos para baixo, de acordo com o tempo indicado pelos magos. Assim se cumpriu o que foi dito pelo profeta Jeremias: “Ouviu-se um clamor em Ramá. muito choro e grande lamento. É Raquel que chora seus filhos e não quer ser consolada, porque eles não existem mais”. (O relato encontra-se nos capítulos 1 e 2 do Evangelho de São Mateus).
DOUTORES DA LEI QUEIMADOS VIVOS – Não foram apenas tragédias familiares que transformaram Herodes em tirano desalmado. Também a impossível tarefa de reconciliar o Povo eleito de Deus com um governo pagão. Por ocasião do censo do ano 7 antes de Cristo, por causa do qual José e Maria tiveram que recensear-se em Belém e lá nasceu o Menino Jesus, seis mil fariseus haviam se recusado a prestar juramento de lealdade a Otaviano, agora imperador Augusto, e foram sumariamente trucidados. Pouco antes da morte de Herodes, cerca de quarenta seguidores de dois conceituados rabinos de Jerusalém, bastante conhecidos como expoentes da tradição judaica, haviam descido em cordas, do teto do Templo, para remover um ídolo pagão, a Águia Dourada, que Herodes colocara acima do Grande Portão. Por causa disso, os dois rabinos foram presos e, por ordem de Herodes, queimados vivos.
SALDO FINAL DE VIDA PERVERSA – Pouco antes de sua morte, enquanto Herodes ainda agonizava no leito, com “uma comichão insuportável por todo o corpo, dores constantes na porção inferior do intestino, edema nos pés como na hidropisia, inflamação do abdome e gangrena nos órgãos genitais, dos quais brotavam vermes” (apud Flávio Josefo), disseram-lhe que Antipas, seu filho mais velho e herdeiro, tinha planejado envenená-lo. Antipas foi executado pela guarda pessoal do pai. Cinco dias mais tarde, o próprio Herodes estava morto. Fazendo dupla com Pilatos, os dois têm seus nomes lembrados diariamente milhões de vezes e entraram, na História da Salvação, pelas portas da eterna desonra. Herodes está relacionado com o Natal e, no Natal, com o extermínio das crianças de Belém. Entra na história exatamente quando o clima é de fraternidade e paz, das quais ele foi um grande inimigo. Seu fim impenitente e sua morte repulsiva demonstram como estão cobertos de razão os que lutam pela fraternidade e pela paz.
Com amizade – Luís
Formatação: Tânia
domingo, 2 de dezembro de 2007
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