A ROUPA NOVA DO REI – Dois espertalhões chegaram ao reino, onde novo monarca seria entronizado. Alegria barulhenta nas ruas, preparativos minuciosos no palácio. O novo rei queria roupa de gala para a coroação. A notícia espalhou-se e dois finórios se apresentaram no palácio como afamados costureiros, oferecendo-se para confeccionar o traje real. Aceita a oferta, o rei autorizou seu ministro das finanças a fornecer aos costureiros todo o apoio necessário. Dinheiro fácil e abundante. Sendo assim, os dois malandros passaram a aparecer constantemente no palácio, a fim de apresentar sempre novas exigências. Em vez de desconfiança, o mistério aumentava o contentamento e a curiosidade. Como vai ser o traje de gala? O rei vai gostar? O povo vai aplaudir?
ESPERTALHÕES EXPLORANDO INGÊNUOS – Não sendo trouxas como seus financiadores, os costureiros espalharam o seguinte boato: “O rei será coroado com uma capa mágica, que só será avistada pelas pessoas de bom coração. Quem for ruim, perverso, ladrão, corrupto, sonegador, desviador das verbas públicas, devorador da merenda escolar das crianças pobres, produtor de listas fictícias nas folhas de pagamento etc. não enxergará nada, apresentando assim a prova de sua falta de caráter. As mulheres adúlteras também não avistarão a capa encantada do rei. Enxergar a capa mágica será o atestado de idoneidade moral. O suspense crescia na proporção dos exames de consciência. Exames necessários, para planejar os disfarces e não perder a pose.
SUOR DO POVO TRANSFORMADO EM CAVIAR – Enquanto isso, os dois costureiros ladinos levavam a vida à tripa forra. Vinhos franceses com tira-gosto de caviar, pois dinheiro farto não parava de escorrer do palácio, na direção da “alfaiataria”. Dinheiro, diga-se de passagem, arrancado a fórceps pelos impostos escorchantes, reformas tributárias de araque e belas promessas de futuro melhor. Se dando bem em meio a tanto abestado, os “artistas da tesoura” não tocaram em pano e mal sabiam enfiar a linha na agulha. Mas a propaganda sobre a roupa nova do rei se espalhara em ondas e o povão, enganado e roubado como sempre, também embarcou, esquecendo que sua função era pagar as contas da festa.
FINALMENTE CHEGOU O GRANDE DIA – Mas, antes, veio o dia das provas e retoques. Os dois falsos costureiros, pisando firme no palácio no meio de uma corja de otários, pulavam de lá para cá, ao redor do real freguês. Puxavam daqui, fingiam dar pregas ali, tomavam distância, repuxavam de lá, acertavam de cá, sem esquecer as interjeições embevecidas de admiração e contentamento. No meio do espalhafato, o pascácio do rei, tão nu como veio ao mundo, avistava deslumbrado a roupa que não existia. Não podia deixar de ostentar idoneidade moral, a fim de tornar-se rei. Era preciso parecer o que não era, para o povo idiotizado coroá-lo como soberano, administrador apto para gerir o bem comum. Numa hora dessas, aparência é tudo. Que importância tem mentir, se mentir ajuda a chegar lá? Mas vamos ao dia da festa!
DESFILE TRIUNFAL DA COROAÇÃO – A passarela de glórias começava no palácio e ia até o palanque, armado na praça principal. A expectativa da massa humana era grande e todo mundo da cidade estava na festa. De repente, após os atrasos regulamentares, abrem-se os portões do palácio e, na procissão de batedores, ministros e puxa-sacos, surge a carruagem real, enfeitada como árvore natalina, com o jovem monarca desfilando de pé, com as pudendas balançando ao vento. A multidão urrou como gol no Maracanã, em domingo de Flamengo, ovacionando a obra de arte, na qual o rei estava envolvido. Ninguém queria passar por desclassificado moral. Traje chiquérrimo! Sobretudo os saduceus empedernidos, de cabelos esbranquiçados de cínica malandragem, teciam, aos brados, comentários elogiosos: - “Majestade, que obra de arte! Quem foram os gênios que a confeccionaram? Queremos que eles costurem roupas tão bonitas, para toda a nossa família! Nunca vimos capa tão linda e como ela sentou bem em Vossa Majestade!”
“MAMÃE, O REI ESTÁ NÚ!” – E a multidão trovejando atrás. Para não passar por infame, todo mundo aderiu às ovações à veste invisível, que deixara o rei com a genitália de fora. Mas era voz unânime, sobretudo dos mais velhos, pois o diabo vira diabo depois de velho, que o reino jamais tivera monarca tão bem vestido. Foi então que, em meio ao alarido, uma criança, nos braços da mãe, começou a gritar. A turba vociferante ao redor fez silêncio, prestando atenção aos brados do menino. Aos poucos, como pedra jogada em açude, o silêncio espalhou-se em ondas e o rugido dos vivas cedeu à cristalina voz infantil que, do colo da mãe, berrava admirado: - “MAMÃE, O REI ESTÁ NÚ!” A gritaria do menino foi tomando conta da praça e, daí a pouco, a turba jogou a máscara fora e passou a bradar também: - “O REI ESTÁ NÚ!” Vendo-se despido de suas aparências, o soberano doidivanas teve que fugir às pressas e desaparecer. Desmascarado em sua nudez pelo testemunho inocente da criança que ainda não sabe mentir, perdeu as condições de governar e precisou passar o poder a outras mãos, dando razão ao provérbio sobre esperteza e burrice: quando grandes demais, viram fera e comem o dono.
ASCENDEU NA CORDA DE PESCOÇOS ALHEIOS – A fábula dos alfaiates espertalhões voltou-me à lembrança no Natal passado, por causa do paroquiano anti-comunista anti-castrista, com filho gloriosamente se formando médico, na Ilha do Diabo, gerida pelo ferrabrás excomungado. Foram-se os tempos de desesperançada pobreza e passaram os dias de chinelos no curral. Devagarzinho profissionalizou-se em “tirar corda do pescoço de enforcado”, através de inventiva agiotagem. Uma joiazinha tradicional das famílias ali, o relógio de ouro de estimação deixado pelo avô amanhã, alianças preciosas do nosso casamento, pendurava tudo em usura desalmada. Os penhores eram avaros, o dinheiro ainda era escasso. Mas o cômputo geral era compensador. De grão em grão a galinha enche o papo. Sofrimento alheio, produzido pela dolorida alienação de patrimônios sagrados das famílias? Problema delas! Não fui eu quem fez o mundo e é nesse mundo que preciso me virar! Não misturo sentimento com livro-caixa!”
NO NATAL SE VESTIA DE PAPAI NOEL – Durante o ano, estava mais para Rei Herodes do que para São José. Assessor graduado em secretaria municipal, corriam estórias cabeludas sobre sangrias vampirescas, nas jugulares do orçamento. A veia mais visada era a verba da merenda escolar, pois criança não vota nem reclama. Em sua fazendola, os moradores passavam a pão que o diabo amassou e água do açude, cercado de arame farpado. – “Vai trabalhar como eu, vagabundo!” era o infalível bordão. na cara de mendigos que lhe pedissem esmolas. Sobre o dízimo paroquial, testemunho autorizado: “Não suei a camisa a vida toda, para dar meu dinheiro a padre!”. Mas, tempo de Natal, nosso Joel vestia-se de Papai Noel e faturava uns cobres. De graça, nem Papai Noel! A esse título, Joel entra na presente crônica. Fantasiado de Bom Velhinho, distribuía paz e amor à criançada, na frente do supermercado. Foi quando um menino já crescidinho, nos braços da mãe, começou a gritar: - MÃÊÊÊ, NÃO É O PAPAI NOEL, É O SEU JOEL DO AÇOUGUE!” Os pezinhos infantis eram insuficientes para percorrer a distância infinita entre o espírito natalino e a longinqua caverna feroz do Seu Joel;
URUBUS FANTASIADOS DE PAVÃO – Termina-se a recontagem da estória, com verdade moral antiga, que virou dogma de fé popular: - “Queres conhecer o vilão, mete-lhe vara ou dinheiro na mão!” Vara ou dinheiro na mão foram historicamente símbolo de poder. Feixe de varas, na cultura antiga, identificava os cônsules e pretores romanos. Dinheiro na mão de alguém funciona como Raio-X que revela, não ossos e tecidos, mas entranhas morais. Poder e dinheiro vestem urubus com penas de pavão. Por trás de aparências colloridas, delatam a nudez repulsiva do caráter. Direito e dever do cidadão é clamar que O REI ESTÁ NU, a inocência não mente. Se você não vai nessa, fica pagando a conta, inchando as mãos de tanto bater palmas.E os dois “costureiros” malandros? Escafederam-se, em busca de outros “reis” sem consciência, dispostos a torrar o dinheiro público em projetos vaidosos e corruptos. E os saduceus bajuladores? Reuniram-se para decidir o próximo saco poderoso a ser puxado. E nós? Convidados a descobrir que o grande inimigo do indivíduo é o Poder. Quem não lhe resiste é britado em pedacinhos. Tem muito crocodilo faminto convencendo macaquinho a descer da palmeira. Seu Joel do Açougue está aí e não me deixa mentir!
Com a amizade de sempre - Luís
sábado, 24 de novembro de 2007
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