sexta-feira, 28 de setembro de 2007

A REZA DOS TRÊS FRADES MALUQUINHOS

DEUS TANGIDO PARA A ESTRATOSFERA – Nos primeiros séculos de nossa era, o mundo conhecido formava grande unidade, centralizada no Império Romano. Com a invasão das tribos bárbaras do Norte da Europa, o Ocidente do Império perdeu importância. O centro político-administrativo transferiu-se para Constantinopla. Os bárbaros se aculturaram, formando então os reinos da Europa Central. Roma cresceu novamente de importância, agora como Centro do Cristianismo. Aí quem apagou-se foi o Império Bizantino, empurrado para as margens da vida política e envolvido em discussões teológicas, desligadas da realidade. Lado simpático e emocionante da religiosidade oriental era a profunda devoção à Santíssima Trindade. A reverente adoração da Trindade marcou a Igreja Ortodoxa até os dias de hoje e deixou-nos os mais belos e sublimes ícones.

“NÓS SOMOS TRÊS, VÓS SOIS TRÊS!” – As brigas políticas e as discussões teológicas levaram muitos cristãos a fugir das cidades e das paróquias conflagradas. Buscaram o deserto, a fim de fazer penitência e adorar, no silêncio e na oração. Motivação máxima do retiro permanente era a Santíssima Trindade, Deus Uno e Trino! O Mistério e a vontade de adorá-Lo atraíram também três camponeses sem letras, retornados das Cruzadas com a alma destroçada. Largaram as enxadas e se recolheram a uma ilha deserta, perdida no Mar Egeu, nas costas da Ásia Menor. Camponeses profundamente religiosos, mas sem condição de ler as orações oficiais da Igreja, pois eram analfabetos. A reza deles era uma só: -“Nós somos três, Vós sois Três, tende piedade de nós!”

MILAGRES SEM LICENÇA DO BISPO – A fama de piedade e dos milagres dos três eremitas, perdidos no oco do mundo, aos poucos espalhou-se na região. E chegou aos ouvidos do bispo, preocupado com as romarias fora de controle; e com multidões cada vez mais numerosas, esvaziando a catedral e embarcando para a ilha dos frades rezadores. Irritado com tal descentralização pastoral não decidida por seu magistério, o bispo resolveu embarcar. Cercearia com rigor o movimento, que não partira do Plano Pastoral, e enquadraria severamente os monges agitadores. Já na canoa, sem saber nadar, forçado à aventura marítima, o bispo prometeu, a si e a Deus, que os desordeiros experimentariam o peso de sua autoridade, legitimamente constituída. .É preciso cortar o mal pela raiz, senão as ovelhas param de obedecer!

TEÓLOGO ENSINA ANALFAS A REZAR – A travessia era longa e perigosa. O bispo não nadava nem gostava de mar. Quanto menos onda, melhor para todos! No desembarque apavorado, o Senhor Bispo foi recebido com a pompa dedicada às visitas insignes .Após palmas, vivas e beija-mãos, dirigiu-se à cabana dos monges, para as aulas de reza correta.. Ao entrar na capela, escutou a jaculatória cansativa: -“Nós somos três, Vós sois Três, tende piedade de nós!” E a litania não parava nem mudava . O bispo interrompeu a oração monótona e iniciou a catequese, tentando ensinar aos monges o Símbolo Apostólico Atanasiano, transbordante das mais profundas e elevadas afirmações doutrinais. Os três eram mesmo tapados e custaram a aprender a lição, apesar das constantes repetições. Quando finalmente decoraram, uma semana depois, o bispo marcou viagem de volta, o medo de mar acordando-lhe temerosas premonições.

ESQUECEU DE CONSULTAR A METEOROLOGIA – Com o pequeno porto apinhado de fiéis, as mulheres mais velhas com fitas coloridas no pescoço, o bispo abençoou o rebanho e subiu, de pernas trêmulas, na canoa engalanada. Por entre palmas, vivas e foguetes (será que então já existia a praga dos foguetes?), nosso antístite meteu a cara no Mar Egeu, suplicando ao Todo-Poderoso que as horas de travessia passassem ligeiro. No entanto, a nuvenzinha do horizonte não demorou em transmudar-se em tempestade ameaçadora. O barco jogava de um lado para o outro e o pavor episcopal assumiu-se, com a devolução aos peixes do monástico café da manhã. A palidez do bispo se acentuava, na proporção do tamanho das ondas. –“Meu Deus, vou morrer afogado, por causa de três carolas estúpidos! Por que não fiquei no palácio, administrando a Diocese? Santíssima Trindade, se arrependimento matasse, eu não precisaria de naufrágio!” E as ondas crescendo, na proa do barco à deriva.

FANTASMAS CAMINHANDO SOBRE AS ÁGUAS – Olhando em volta apavorado, na busca do socorro impossível, o bispo avistou três vultos caminhando sobre as águas, em direção ao barco. Mais perto reconheceu: eram os monges malucos. O bispo criou alma nova:. – “Graças à Santíssima Trindade, que escutou minhas preces e não deixou Seu representante soçobrar nestas ondas!” Mas os monges queriam apenas se lembrar de uma frase do Símbolo Apostólico, ensinado pelo bispo. Eles haviam esquecido: a parte que professa fé na ressurreição dos mortos e na vida eterna. Perplexo e suando frio, o bispo recapitulou a lição. Os três agradeceram, deram meia volta e retornaram à ilha, caminhando sobre as águas, na maior leveza. Eram tão broncos que não perceberam o apavoramento do bispo, nem mesmo a prudente desconfiança episcopal na Providência divina.

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