sexta-feira, 28 de setembro de 2007

NO INFERNO TERIA MELHORES COMPANHIAS

PRECISAS CONHECER O BARTOLOMÉ – Era um padre espanhol, no tempo da “descoberta” das Américas. Padrezinho bem pecador, ou melhor, bem inserido no contexto colonial. Disposto a enriquecer no “ministério”, satisfeito com o mundo e suando para nele vencer. Não realizado na rotina paroquial e puxado pela ambição de fazer fortuna, meteu-se no navio com os “descobridores”. Mandou-se para o México, atrás de bocas ricas, no Novo Mundo. Entrou, sem conflito, na mentalidade dos conquistadores espanhóis. Apoderou-se de terras e fez-se senhor de muitos índios cativos. Administrador competente e severo, em suas mãos as searas se multiplicaram, os celeiros ficaram pequenos. Bartolomé conseguia o que sonhara e não precisava mais preocupar-se. Era um vitorioso, a vida estava segura, agora era só aproveitar. “Deus tinha sido generoso”!

O SERMÃO DO FREI ESTRAGOU SEUS PROJETOS – Bartolomé estava presente na missa, que degringolou sua “empresa agrícola”. Na hora do sermão, um frei franciscano, chamado Montesinos, demonstrando que, em qualquer tempo e situação, é possível entender direito o Evangelho, começou a fazer perguntas indiscretas aos “fiéis” presentes: - “Com que direito haveis desencadeado uma guerra atroz contra essas gentes, que viviam pacificamente em seu próprio país? Por que os deixais em semelhante estado de exploração? Vós os matais a exigir que vos tragam diariamente seu ouro! Acaso não são eles seres humanos? Acaso não possuem razão e alma? Acaso não são também filhos de Deus? Não é nossa obrigação amá-los como a nós próprios? Podeis estar certos de que, nessas condições, não tereis maiores possibilidades de salvação do que um mouro ou um turco...”

NÃO ERA SÓ DESERTO AO REDOR DA SEMENTE – Pela primeira vez, na história do Novo Mundo, erguia-se, pública e deliberadamente, uma voz em defesa dos índios. No domingo seguinte, mesmo ameaçado, frei Antônio Montesinos voltou à carga com firmeza. Ao final do sermão, concluiu desiludido: “Sou uma voz que clama no deserto!” Mas estava enganado. Entre os colonos que permaneciam sentados nos rústicos bancos da pequena igreja, estarrecidos e indignados, estava Bartolomé de Las Casas. As palavras ríspidas de Montesinos o chocaram profundamente. Estava começando ali a primeira fase de uma conversão, que iria durar três anos – até 1514, quando Las Casas abriria mão de suas posses e escravos índios, dando a guinada que o transformaria numa das figuras mais polêmicas e importantes do século XVI.

O QUINTO EVANGELHO DE NUESTRA AMERICA – O convertido e transformado em Frei Bartolomé de Las Casas escreveu posteriormente um “livrinho”, que ele mesmo chamou brevíssima relação da destruição das índias, que é, sem exagero, um dos mais importantes livros na literatura universal. Um quinto evangelho de indignação profética, clamor iracundo contra a exploração dos índios, exigência indignada de respeito aos mais fracos. Na Brevíssima Relação, Las Casas descreve a perversidade com a qual os cristãos tratavam os nativos. Crueldade que não dizemos feroz, para não ofender as feras. Afirma Las Casas: “Outra coisa eles não fazem senão matar, trucidar e torturar o povo desses países...”

BREVÍSSIMA RELAÇÃO DA PERVERSIDADE CRISTÃ – Um dos muitos episódios, narrados por Bartolomé na Brevíssima Relação, para nossa indignação e espanto: - “Certo cacique fugia sempre dos espanhóis e se defendia contra eles, toda vez que os encontrava. Por fim, foi preso com toda a sua gente e queimado vivo. Quando estava atado ao tronco, um religioso de São Francisco (homem santo) lhe disse algumas cousas de Deus e de nossa Fé, que lhe pudessem ser úteis, no pequeno espaço de tempo que os carrascos lhe davam. Se ele quisesse crer no que lhe dizia, iria para o céu, onde estão a glória e o repouso eternos. Se não acreditasse, iria para o inferno, a fim de ser perpetuamente atormentado!

“PREFIRO O INFERNO A FICAR COM ESSA GENTE!” – Esse cacique, após ter pensado algum tempo, perguntou ao religioso se os cristãos iriam para o céu. O religioso respondeu que sim, pois eram batizados. Iriam para o céu, por causa do batismo e por causa das boas obras –“ Que boas obras?” – perguntou o cacique. O religioso, talvez com vergonha, talvez sem ter o que responder, preferiu calar-se, pois não tinha mais argumentos. Tudo o que ele pregasse contradiria o que os cristãos praticavam Foi quando o cacique desabafou incontinente, sem mais pensar, que não queria absolutamente ir para o céu. Preferia ir para o inferno, a fim de não ter de ficar no mesmo lugar em que tal gente se encontrasse! No inferno, certamente teria melhores companhias!”

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