sábado, 23 de fevereiro de 2008

EXAME DE CONSCIÊNCIA TREPADO EM PALMEIRA AFRICANA


“NÃO EXISTE ABJEÇÃO SEMELHANTE À MINHA ABJEÇÃO”
- O Continente Africano, de saudosa memória para a “elite branca” brasileira, bem podia fazer, das LAMENTAÇÕES DO PROFETA JEREMIAS, proclamadas liturgicamente na Semana Santa, o seu hino nacional de comunicação com o resto do mundo. E também de denúncia indignada do que o colonialismo europeu perpetrou em seus países. A África aparece, nos meios de comunicação, como imenso depósito de todas as desgraças humanas. A televisão mundial fatura bilhões em documentários da vida animal africana e com safáris de miliardários brancos, em suas reservas. Você sabia que os negros nativos estão geralmente proibidos de entrar nas reservas, para que não identifiquem sua fome crônica com a vontade de comer os animais selvagens?

REVOLUÇÕES DE LIBERTAÇÃO NACIONAL – Décadas atrás, sucederam as chamadas revoluções de libertação nacional. O colonialismo europeu entranhado foi posto portas afora, na mais clara consciência nativista e, não raro, com a violência reprimida durante séculos, por populações que não apenas sofreram o estigma humilhante da escravidão, mas foi obrigada a introjetar a inferioridade e a desvalia. Várias sociedades africanas optaram pelo socialismo marxista, do tipo estalinista. Dele caíram vítimas também as igrejas cristãs, representadas por missionários brancos, importados dos países imperialistas de origem: - “O catolicismo conviveu e cooperou com a opressão, por isso agora pau nele!” – Assim pensaram e reagiram muitos africanos “libertados”.

PROVÍNCIA DE SANTO ANTÔNIO PRESENTE Á EFEMÉRIDE – Dois colegas franciscanos de nossa Província viram tudo aquilo mais de perto: Frei Alfredo Schnuettgen, o Pifcke, e Frei Albano Pereira Nóbrega, o Desbravador. Durante décadas anteriores, Frei Alfredo tornara-se “apóstolo” dos pescadores pobres, espalhados e politicamente dispersos, pelas praias do Nordeste. A esse título, tornou-se nacionalmente conhecido e admirado. Era soldado valente da justiça social. Personalidade monobloco, sem curvas e sem meandros, achou que a justiça encontrara finalmente seus trilhos políticos, nas revoluções libertárias dos países africanos. Desejou ver isso de perto, participar na alegria dos libertados. Viveu temporada na revolucionária Guiné-Bissau, ex-colônia portuguesa, agora independente e marxista.

A ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO
– Nosso bem intencionado confrade nunca teria visto tanta miséria, tanta desigualdade e tanta arrogância burocrática. Em nome da igualdade socialista. Nunca vira também tanta má vontade dos burocratas, frente à presença dos missionários católicos. Tendo sido a vida inteira “verdadeiro israelita”, a decepção do nosso Pifcke foi tamanha que, na volta ao Brasil, morreu de tristeza, junto com suas esperanças de sociedade fraterna. O desencanto minou-lhe a resistência contra os “bacilos Africae”. Em primeiro momento de fé juvenil, achou inocentemente que o socialismo revolucionário seria a implantação, através da política, dos objetivos do Evangelho.

NOSSO “CANGACEIRO”VIAJOU VACINADO – Frei Albano, de espírito inquieto e radar sempre ligado, ofereceu generosamente alguns anos de sua vida pastoral a um bispo franciscano da África. Diz ele que por penitência e reparação, pelos séculos de escravização de africanos no Brasil. Generosidade que bem corresponde ao ânimo desbravador do nosso “cangaceiro” da Paraíba. Sou amigo admirador de Frei Albano. Em seu retorno da temporada em Guiné-Bissau, passou dias conosco, em Nova Iguaçu. Pude então conversar, fazer perguntas e matar curiosidades revolucionárias. De antemão, sei que política não se identifica com Evangelho. Nenhuma ideologia é capaz de transformar a face da terra. Essa tarefa pertence ao Espírito de Deus, que age pelos seus portadores. Passado na casca do alho, nosso Frei Albano sabia que não viajava para o Jardim do Éden, com acesso, desde o infausto Dia, vetado às aproximações meramente humanas.

VISÕES OPOSTAS E IRRECONCILIÁVEIS DE IGREJA
– Não gravei o que conversamos e as opiniões e observações de Frei Albano vão aqui de memória. Albano descobriu, in loco, a necessidade que as igrejas têm de nutrir profundo respeito pelas diversas culturas dos povos, aos quais anuncia a Boa Nova. Me lembro de uma frase sua: “Para africanizar-se, não basta identificar a renovação eclesial com a introdução dos nativos batendo pandeiro na liturgia”. Sobre a nova situação da Igreja em países tradicionalmente oprimidos e explorados, agora construindo e vivendo sua independência, nosso confrade acha o seguinte: “Existem atualmente, entre os fiéis e entre os próprios padres, duas visões da Igreja, da missão, do missionário e da própria fé. Visões opostas e irreconciliáveis! De visões opostas e irreconciliáveis, derivam atitudes também opostas e alinhamentos cristãos antagônicos dos missionários, que ajustam sua própria vida e seu trabalho de maneiras diferentes à nova situação”.

“NO PASSADO NÃO ESTÁVAMOS COM O POVO”
– Continuo perseguindo a memória das conversas com Frei Albano, retornado da África. Conforme o confrade corajoso, há tolerância entre as duas tendências contraditórias. Isso lhes permite a coexistência, mas infelizmente não a convergência. Exemplos: “Em Moçambique um grupo de freiras consegue ver benefícios na situação política, que espoliou a Igreja de todos os seus privilégios. Elas compreendem agora que não deveriam considerar-se donas: nem do hospital, nem das escolas, nem de qualquer outro serviço prestado ao povo. A revolução política as ajudou a se destacarem das estruturas em que viviam e que, aos olhos do povo, apareciam como riqueza e conforto. Reconheceram que, no passado, não estavam “com” o povo. Hoje moram em casas mais simples, mas afirmam que são mais felizes e mais livres. Assumem, como seu dever, continuar em Moçambique, até quando for possível. Porque o povo ainda está sofrendo e é preciso ajudar as pessoas a verem claramente e serem críticas. A revolução desmitizou as santas freirinhas!”

“HOUVE O ECLIPSE E O SOL APAGOU-SE” - Em Angola, a mesma realidade é interpretada diferentemente por um missionário capuchinho europeu. Ele lamenta a perda das escolas, tipografias, carpintarias, internatos, as construções da nova missão. Tudo foi nacionalizado e a população só pôde responder com o silêncio. Para este servo de Deus, houve um eclipse no céu, mas não um eclipse permanente. “Basta esperar, que eles vão nos procurar de novo! De qualquer maneira, valha como consolo que tudo pode ser entendido como vontade de Deus!” Conforme o missionário, os sofrimentos do passado são menos dolorosos do que as angústias e incertezas do presente. “O pessoal precisa sofrer, a fim de descobrir que era feliz e não sabia! A segurança do passado ainda há de voltar!”

IGREJA DESINSTALADA COMO O MESTRE – Duas mentalidades, duas visões, duas práticas opostas. O que é importante para uns é desgraça para outros. Perda para uns é ganho para outros. No primeiro caso, transparece a satisfação, porque a realidade espoliou, tornou pobres, deu a possibilidade de refletir e de aceitar a pobreza: a incerteza de não ser dono da casa, ser tratado como os outros, descobrir o sentido do provisório, mudar atitude e estilo de vida, ser desmitizado, dar o primeiro lugar à justiça, à participação, à vida dos outros homens, às alegrias e aos sofrimentos, quer no trabalho, quer na vida política. Trabalhar não mais “para” os outros mas “com” os outros. O que torna possível aceitar, com alegria, tal realidade é a consciência de que tudo isso constitui a verdadeira e permanente situação em que a Igreja deveria viver, para ser cada vez mais semelhante ao Mestre.

IGREJA IDENTIFICADA COM OS MANDANTES E PROPRIETÁRIOS – Já a segunda interpretação revela uma Igreja que se recorda com saudade do tempo passado, que se angustia por ter perdido os bens, que se perturba perante o presente sombrio esperando que passe, que tem somente uma vaga esperança para o futuro. Considera o novo regime como eclipse que há de passar, e identifica a Igreja, organizada e proprietária de bens e de obras sociais, com o próprio Deus que, uma vez revelado, sempre fica e vence. Esta é uma Igreja que se fecha em seu desdém de usurpada e na secreta satisfação, em constatar que a população só pode reagir com o silêncio. Pois é, tudo isso ensina que libertação tem de ser também para o homem religioso e para as igrejas, incluindo a nossa.

DESAUTORIZO A MENSAGEM DESAUTORIZANDO O MENSAGEIRO – Leitores virtuosos sugerem, não sem razão, exame de consciência, como acesso ao direito de “anunciar”. Apontam possíveis contradições entre o que se vive e o que se prega. Identificam autoridade da “profecia” com integridade do “profeta”. Nossas reflexões os ajudem na mesma direção. Mas sem atropelar estrutura fundamental, recorrente na História da Salvação: a figura do “wounded healer”, o Médico ferido, “por cujas chagas fomos todos curados”. Nas comunidades de nossa Província, comentava-se bem humorado que os frades se dividem entre os “confessores” e os “mártires”. Os “mártires” são aqueles obrigados a conviver com os “confessores”. Estes encarregavam-se, às vezes em tempo integral, de fazer o “exame de consciência” dos martirizados confrades, que com eles precisavam conviver.

RETORNO AO SOFRIDO CONTINENTE AFRICANO – E aproximação a certa palmeira, na beira do Nilo. Lá em cima dela, encarapita-se apavorado macaquinho. Embaixo, guardando o tronco, monstruoso crocodilo exaspera-se indignado, porque o macaquinho reluta em descer e entregar-se. Como se macaco fosse carne de primeira! Desconfio que a estorieta não foge ao nosso assunto! Aproxima-se a Semana Santa, com a grande Sexta Feira, dia do Calvário e da Cruz. Dia também do primeiro Santo explicitamente canonizado. Não pelo Papa, mas pelo próprio Jesus. O primeiro ser humano a, com toda certeza, ter entrado no Paraíso, como primícia nupcial do Sangue redentor. O ser humano a quem chamamos eufemisticamente de Bom Ladrão, que de bom deve ter feito pouca coisa, em sua vida bandoleira. Na hora da graça, prevaleceu a misericórdia e não pretensas integridades pessoais. Concluo com relembrança aparentemente dispersa, mas que também pode ter algo a ver com o assunto. Meu amigo iguaçuano Nestor Figueiroa não tem nenhum dente na boca. Usa prótese total superior e inferior e foi dos dentistas mais competentes e dedicados que conheci. – Mas já é hora de terminar as considerações, com os melhores desejos de Páscoa!

Com amizade, quebrando cabeça para enxergar melhor na escuridão - Luís

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

BATIZEM-SE OS BEZERROS !

CRIANÇAS MAGRELAS, BEZERROS ROLIÇOS – As voltas da vida levaram a demorar-me em cidadezinha no norte de Minas. Região preponderantemente pastoril, as terras todas pertenciam a meia dúzia de famílias. O grosso da população tinha duas possibilidades de sobrevivência: como “servos da gleba” ou como ociosos forçados. Não precisa ser inteligente para imaginar os frutos sociais bichados de tal desigualdade: pais de família afogando a desesperança no alcoolismo; mendicância generalizada; prostituição começando na adolescência; crianças, com latinha velha de goiabada na mão, pedindo esmola na beira da Rio-Bahia. Não longe delas, atrás do arame farpado, bezerros bem nutridos e luzidios, certamente vacinados, medicados, bem cuidados. Veio-me à cabeça pensamento irreverente: por que, na bela matriz da paróquia, não se batizam os bezerros, em vez destas crianças?

PULANDO DO MICROCOSMO PARA O MACROCOSMO – Um dos nossos semanários, em reportagem sobre a violência brasileira, traz as seguintes chamadas: “As capitais brasileiras são campeãs mundiais de assassinato”. “Há mais seguranças particulares em atividade do que policiais”. “Um em cada cinco jovens brasileiros já viu o corpo de alguém que morreu assassinado”. “De cada 100 crimes, só dois são desvendados”. “A classe média está blindando carro em consórcio a mil reais por mês”. “Uma pessoa é morta a cada 13 minutos no país”. Embaixo das chamadas, a palavra SOCORRO! Em letras garrafais. Pelos dados oficiais, que geralmente exageram para baixo, ocorrem 40 mil assassinatos por ano no país, mais do que a soma total dos assassinatos ocorridos anualmente nos Estados Unidos, Canadá, Itália, Portugal, Inglaterra, Áustria e Alemanha todos juntos. Repita-se: há mais homicídios no Brasil que em todos esses países somados. Eis os subprodutos de sociedade profundamente injusta.

RELIGIÕES FUNCIONANDO A TODO VAPOR – Tal cemitério social é adornado com as milhares de torres, sinos e alto falantes, celebrando o nome de Deus em todos os tons dos alheiamentos e contradições. Ainda mais sério: a celebração histórica do nome de Deus tem servido exatamente para aprovar a ordem imposta pelos responsáveis e para encarcerar as vítimas sociais, na consciência alienada de que Deus nada tem a ver com isso. E tome missa e tome culto e tome Bíblia, em meio à hecatombe! As igrejas funcionando em exemplar fidelidade às suas burocracias, badalando o lado espiritual de nossas existências. Do outro lado, dentro da história real, o rebanho sendo dizimado pelas dezenas de milhares de assassinatos anuais, verdadeiro genocídio de pobres matando pobres; e, silenciosamente, em mortandade talvez mais abundante, exterminados pela miséria, bem faturada e catolicamente bem digerida, por seus beneficiários batizados.

CATOLICISMO PODE NÃO SER IGUAL A CRISTIANISMO – Nos tempos pré-cristãos do Império Romano, o paganismo era a religião oficial e o cristianismo era a religião escondida e clandestina. No contexto histórico da vida de Jesus, o sacerdotismo burocrático do Templo representava a religião oficial e os pobres, que não tinham como pagar as espórtulas, exigidas pelo resgate ritual da pureza legal, vegetavam física e religiosamente, nas margens farpadas, que os segregavam dos puros e santos. Jesus preferiu a companhia desses últimos e, pelos homens do Templo, foi preso, torturado e destruído, como os marginalizados sociais de hoje, listados na reportagem. Na rabeira mundial da qualidade de vida e iniqüidade distributiva, a sociedade brasileira é muito religiosa e pouco cristã. Muita religiosidade e pouco cristianismo, concordas?

RELIGIÃO COMO INSTRUMENTO DE DOMINAÇÃO – No mundo por onde peregrinou e lutou o povo bíblico, a religião era o seguinte: Havia muitos deuses. O Deus Supremo era o deus do faraó. Os deuses inferiores eram os deuses mais fracos das cidades de Canaã. O céu era o espelho do que se passava na terra. A hierarquia entre os deuses legitimava a sociedade dividida em classes. A aristocracia dominava os agricultores explorados. Nessa religião, os intérpretes dos deuses, os sacerdotes, eram latifundiários e ricos. A eles convinha que o sistema não mudasse. O culto era monopolizado pelos sacerdotes e o saber era monopolizado pela aristocracia, que mantinha o povo na ignorância. No culto, eram recitados os “mitos da criação”, que confirmavam a situação: assim como o mundo um dia foi criado, assim sempre haverá de ser. Querer mudar alguma coisa era o mesmo que revoltar-se contra os deuses.

O QUE OS UNIA ERA A OPRESSÃO
– Esta era a situação econômica, social, política e religiosa do povo, no tempo em que Abraão andava pela Palestina e em que Moisés atuava no Egito. Não havia muita diferença entre a Palestina e o Egito. Em ambos os países, vivia um povo oprimido, despedaçado por séculos de exploração. Não era uma raça. Era gente marginalizada, perdida, desligada de suas tradições, vinda das raças, povos e tribos os mais diversos. O que unia o povo não era a raça nem o sangue, mas a opressão, o desejo de ter uma terra que fosse sua e a vontade de ter uma vida mais abençoada. Dessa mistura de gente pisada e marginalizada, parecida com as crianças magrelas e os pais pobres destruídos do Nordeste brasileiro, é que vai nascer um povo, o Povo de Deus, cuja história é narrada na Bíblia. Tudo igual à História do Brasil! Inclusive os apelos divinos, para este Povo acordar dos alheiamentos, unir-se e organizar-se contra a opressão.

Com amizade rezando, nessa Quaresma, para que cessemos a blasfêmia de identificar a Ação transformadora necessária do Espírito de Deus, com humanas, frágeis e imperfeitas propostas ideológicas - Luís

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

ABRAÃO PERDENDO O JOGO PARA ADÃO


O EMPOBRECIDO É DEUS DENUNCIANDO
- Tudo o que vimos, em capítulos anteriores, era mais ou menos o “Projeto de Deus”, tal como tentaram realizá-lo durante 200 anos: desde 1250 até 1050 antes de Cristo. É algo único que aparece no mundo antigo. Como já se disse, o “Projeto” repousava sobre a fraqueza. A tentação de voltar atrás, ao antigo sistema, sempre foi grande. No fim, a tentação de Adão venceu Abraão. Abraão é ameaçado, por dentro e por fora, pelo Adão que, sempre de novo, quer levantar a cabeça. O primeiro sinal de que a Aliança ou o “Projeto” estava falhando foi o aparecimento de gente “empobrecida”, no seio do povo. O “pobre”, pelo simples fato de existir e de ser um “empobrecido”, acusa a todos e se torna, para o Povo de Deus, uma denúncia vinda do próprio Deus.

OS PROFETAS MANTÊM A ESPERANÇA – Os profetas souberam captar a “voz de Deus”, escondida no “clamor dos pobres”. Mas tudo indica que as forças sociais, econômicas e políticas, contrárias ao Projeto, foram mais fortes e levaram à desintegração lenta e progressiva do Povo, com a destruição de Jerusalém em 587 antes de Cristo. Veio então o cativeiro. Depois do cativeiro, tentaram reconstruir o ideal perdido, sob o estímulo de Isaias (40 a 66). Mas a tentação do poder e do saber impediu sua realização. Quando Jesus vem, Ele se torna porta-voz da denúncia do Pai., presente no clamor dos pobres, e anuncia para estes a Nova Aliança, o Reino.

O PROJETO DE DEUS SE PLENIFICA EM JESUS – Para realizar seu Projeto, Deus não mandou qualquer um, mas mandou seu próprio Filho. Jesus, o Filho de Deus, realizou a promessa do Pai: trouxe a libertação para o povo e anunciou aos pobres a Boa Nova do Reino de Deus. A pregação de Jesus não agradou a todos. Os doutores da lei e os fariseus, os sacerdotes e os saduceus, imaginavam a vinda do Reino de Deus como simples inversão da situação, sem mudança real no relacionamento entre os homens e entre os povos. Ou seja: eles, os judeus, dominados pelos romanos, ficariam por cima e seriam os senhores do mundo; e os romanos, que estavam por cima, ficariam por baixo.
Mas não era assim que Jesus entendia o Reino do Pai. Ele queria uma mudança radical. Para ele, o Povo de Deus tinha de ser um povo irmão e servidor, e não um povo dominador, a ser servido pelos outros povos (cf. MT 20,28)

BOA NOTÍCIA PARA OS POBRES, MÁ PARA OS INSTALADOS
– Jesus iniciou esta mudança. Colocou-se do lado dos pobres, marginalizados pelo sistema dos judeus. Denunciou este sistema como contrário à vontade do Pai e convocou todos a mudar de vida (cf. MT 1,15) Mas os grandes não quiseram. Só os pobres e os pequenos entenderam e aceitaram o apelo de Jesus (cf. MT 11,25). O que era Boa Notícia para os pobres, era má notícia para os grandes, pois o Evangelho, trazido por Jesus, exigia deles que abandonassem seus privilégios injustos e que deixassem de lado suas idéias de grandeza e de poder. Mas eles preferiam suas próprias idéias. Por isso rejeitaram o apelo de Jesus e o mataram na cruz, com apoio dos romanos.

DEUS DEIXOU CLARO DE QUE LADO ESTAVA - Jesus morreu como um pobre marginalizado. Morreu gritando! E Deus, que ouve o clamor dos pobres, ouviu o grito de Jesus e o ressuscitou! O Pai, criador da vida e do mundo, interveio e mostrou de que lado estava. Usando o seu poder criador, tirou Jesus da morte! Ora, animados por este mesmo poder de Deus que vence a morte, os seguidores de Jesus, os primeiros cristãos, organizaram sua vida em pequenas comunidades, viviam em comunhão fraterna, tinham tudo em comum e já não havia mais necessitados entre eles (cf. At 2,42-44). Assim, a vida nova, prometida pelos profetas do Antigo Testamento e trazida por Jesus, apareceu aos olhos de todos, na vida dos primeiros cristãos.

CONVIVÊNCIA FRATERNA, AMOTRA GRÁTIS DO REINO - Os primeiros cristãos se tornaram “a carta de Cristo”, reconhecida e lida por todos os homens (cf.2 Cor 3,2-3). É na vida comunitária dos primeiros cristãos, sustentada pela fé em Jesus vivo no meio deles, que apareceu uma amostra bem clara do Projeto que o Pai tinha em mente, quando chamou Abraão e quando decidiu libertar o seu povo do Egito. Com outras palavras, Jesus trouxe a chave para o povo poder entender o sentido verdadeiro da longa caminhada do Antigo Testamento. Os primeiros cristãos, usando esta chave, conseguiram abrir a porta da Bíblia e souberam entender e realizar a vontade do Pai. Tinham consciência de que o Mundo reconheceria que Jesus veio do Pai, se eles se amassem uns aos outros como irmãos.

Com amizade - Luís

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

AMBRÓSIO, 16 SÉCULOS ANTES DE KARL MARX

RIOS DESAGUANDO NO MAR - O câncer de laringe ainda não me levara a voz e eu funcionava como professor mais ou menos bem sucedido de filosofia escolástica, na UVA de Sobral. Naquele semestre, o curso cresceu, até desembocar na figura imensa de Santo Agostinho. Ontem e hoje, quando se fala em sabedoria cristã, Agostinho é sempre lembrado.Vi sua presença invisível, em visitas inesquecíveis às catedrais românicas e góticas da Europa, maravilhas da humanidade. No chão delas, em seus alicerces espirituais, escondem-se pedras magníficas, plantadas com firmeza e amor a Deus, por sábios como Santo Agostinho. Iniciamos o curso, partindo de nascentes mais humildes do rio, que se torna caudaloso e profundo, até desaguar no oceano de Hipona, em cujas águas tantos outros sábios embarcaram seus navios. Deve ter sido particularmente proveitoso aos alunos o estudo de quem buscou radicalmente o sentido da vida em todo canto e só em Deus conseguiu repousar o coração.

O HOMEM NÃO SE REDIME SOZINHO – Agostinho é reconhecidamente uma das grandes cabeças da humanidade. Representa o máximo possível da filosofia cristã, na curiosidade genial dirigida toda ao Mistério transcendente e no entendimento de sabedoria como busca do conhecimento divino. Homem com H em todos os sentidos, demonstrou, menos com fervorinhos do que com a vida, que o amor a Deus é mais gratificante do que prazeres passageiros. Após juventude inquieta e libertária, experimentou e ensinou a absoluta necessidade que temos de redenção. Sendo a Redenção obra de amor, Agostinho passou-nos a experiência própria de que, em Deus, misericórdia vem antes da severidade. Os pecados de sua vida passada – nos dizem suas CONFISSÕES – esclarecem que não são eles que afastam de Deus, mas a distância que de Deus nós tomamos. Para os “sábios” de hoje, bela lição agostiniana: bem programado e bem sucedido como foi em vida, Agostinho encontrou seu sucesso maior no mergulho sem volta nas águas divinas.

ATRÁS DE GRANDE SANTO TEM OUTRO GRANDE SANTO – Os parágrafos acima foram pretexto para nos apresentarmos a Santo Ambrósio, bispo de Milão, mestre espiritual de Agostinho, instrumento para sua conversão. Em tempos de carismatismos rebolantes, escutemos trechos de alguns sermões de Ambrósio, na belíssima catedral de Milão. Vamos ao primeiro: - “Um operário cai do andaime, ao preparar vastos celeiros para vossas riquezas. Um outro despenca de alta árvore, quando catava uvas, a fim de preparar o melhor vinho para vossas orgias. Um terceiro afogou-se no mar, pois temia que faltasse o peixe para vossos banquetes. Um outro ainda morreu enregelado, quando caçava aves e lebres para vossos festins. Se algum deles não vos agrada, é chicoteado até morrer ante vossos olhos e seu sangue salpica vossos convivas. Para contentar uma cortesã, Herodes não encontrou melhor coisa do que assassinar o pobre”.

“O ADORNO DOS SACRAMENTOS É A REDENÇÃO” – Mais do velho Ambrósio: - “É melhor protegermos a causa dos pobres e nos expormos à desaprovação de alguns, como sucedeu por termos “desrespeitado” os vasos da Igreja, vendendo-os para resgatarmos escravos, do que sermos duros de coração... O Senhor certamente diria: por que permitiste que tantos necessitados morressem de fome? De certo não te faltava o ouro! Por que então não os saciaste? Não saberias responder a estes argumentos. E que poderias dizer? Talvez tinhas medo que faltassem os ornamentos à Igreja de Deus? Ele dir-te-ía que os sacramentos não precisam de ouro, nem agradarão pelo ouro aquelas coisas que não se compram com o ouro. O adorno dos sacramentos é a redenção dos escravos e dos pobres. Estes, sim, são nossos vasos preciosos!”

“VOSSAS MANSÕES VOS IMPEDEM ATÉ DE VER OS POBRES” – Lá vai mais Ambrósio: - “Até que ponto, ó ricos, quereis estender vossas loucas cobiças? Acreditais porventura serdes os únicos habitantes da terra? Por que explorais o pobre? O mundo foi criado para todos. A natureza não faz distinções, porque a todos nos gerou pobres. Não nascemos com as roupas, nem com a prata e o ouro. Nascemos nus, necessitados de alimentos e de roupas. E nus nos receberá a terra. Ao pobre como ao rico basta, para a sepultura, um bocado de terra; e a terra, demasiado pequena para os desejos do rico quando vive, engole-o inteiramente, quando morre. Como é possível distinguir, entre os mortos, ricos e pobres? Escavai a terra e mostrai-me o rico! Ó ricos, orgulhai-vos de vossas imensas mansões? Elas deveriam fazer-vos corar, porque elas poderiam alojar multidões inteiras e vós excluís os pobres. Vossas mansões vos impedem até de ouvir a voz suplicante dos pobres. Também é verdade que, se a ouvísseis, não a escutaríeis”.

“TEU GADO É TRATADO MELHOR” – “Ao construirdes vossas mansões, quisestes superar-vos a vós mesmos. Mas nunca estais tranqüilos, porque nunca vos contentais. Envergonhai-vos! Cobris as paredes e despojais os homens! Diante da porta de tua casa, grita quem não tem vestes para se cobrir e tu o desprezas. Implora o nu e tu perguntas a ti mesmo com que mármores preciosos podes cobrir teus pavimentos. O pobre te pede dinheiro e não o obtém; pede um bocado de pão e teu gado e teu cavalo são tratados melhor do que ele... O povo tem fome e tu fechas teus celeiros. O povo mendiga e tu te abarrotas de pedras preciosas. Desgraçado, em tuas mãos repousa o destino de numerosas pessoas. Poderias salvá-las da morte e não o fazes. Só com a pedra do anel que trazes no dedo poderias salvar uma infinidade de vidas humanas...O pão que os ricos comem é mais dos outros que deles, habituados que estão a viver da rapina e a sustentar seu luxo através das fraudes!” – Tai um bispo comunista, que viveu l6 séculos antes do fundador do comunismo!

Com amizade, examinando, na Quaresma, a insuficiência pouco generosa do seu comunismo – Luís

sábado, 2 de fevereiro de 2008

A BÍBLIA NASCEU DA PREOCUPAÇÃO DE NÃO ESQUECER A HISTÓRIA

ANTES, CULTO CENTRALIZADO, QUE CELEBRAVA O MITO; DEPOIS, CULTO DESCENTRALIZADO, QUE CELEBRAVA A VIDA E A HISTÓRIA – No sistema anterior, o culto era centralizado nas mãos dos sacerdotes. O culto era, assim, um meio poderoso para manter o sistema. No sistema igualitário do Povo de Israel, o culto não é monopólio dos levitas. Os chefes de família presidem o culto. O papel dos levitas não é tanto o de exercer o culto, mas o de interpretar a vontade de Javé e de animar o povo. Neste exercício, eles não conseguem acumular poder. Mais tarde, quando a monarquia faz sua entrada, o sacerdócio se apodera do culto e o usa a serviço dos interesses do rei. Moisés, da tribo dos levitas, era mais um profeta do que sacerdote do culto.

PAGÃOS REPETIAM OS MITOS, ISRAEL CELEBRAVA A HISTÓRIA - O culto dos reis de Canaã era dedicado aos ídolos. Ele narrava os mitos da criação do mundo, possibilitando assim o acesso dos clientes dos deuses à ação criadora divina, símbolo da estabilidade do “status quo” mantido pelos reis, chamados oficialmente “filhos de deus”. O acesso ao deus se fazia pelo rito, executado dentro do rigor quase mágico das normas litúrgicas. Em Israel, o culto, apesar de seguir o mesmo esquema do culto em geral (religiosidade popular), tinha um conteúdo radicalmente diferente. Quando o povo da Bíblia comparecia diante de Javé para celebrar Sua presença, eles narravam a história: lembravam os fatos que tinham provocado a mudança da opressão para a libertação.

CELEBRAÇÃO NÃO ERA RITO MÁGICO, MAS RECORDAÇÃO RELIGIOSA DA HISTÓRIA – Desta forma, possibilitava-se o acesso do povo à ação criadora, símbolo da transformação e da mudança, expressas no novo Projeto de vida igualitária. O culto religioso do povo não era mero rito, mas expressão do compromisso renovado com Deus, através da observância da Lei e dos Mandamentos. O texto de Êxodo 24,1-11 descreve a conclusão da Aliança e o compromisso do povo no culto. Há outras descrições da Aliança em Josué (24,1-28), no Êxodo (34,1-35). Pode-se dizer que a maior parte da Bíblia nasceu da preocupação de não esquecer a História, as raízes do povo, e de narrá-la no culto. A Bíblia, no seu todo, era a memória coletiva, onde o povo encontrava sua razão de ser, sua identidade, sua raiz, que era e é Javé, Deus presente em sua História.

ANTES, SACERDOTES LATIFUNDIÁRIOS; DEPOIS, SACERDOTES SEM TERRA – Na distribuição das terras, a única tribo que não recebe terra é a tribo dos levitas, a tribo sacerdotal. Assim, impede-se que o poder de liderança dos sacerdotes possa tornar-se fator de acumulação de terras e de bens. O sacerdócio deve ser um serviço ao povo, em nome do único Deus; por isso, as tribos devem sustentar os levitas, através do sistema do dízimo e através de uma parte dos sacrifícios. A legislação bíblica sobre os levitas (tribo sacerdotal de Levi) é complicada, confusa e até meio contraditória. Mas há alguns pontos que reaparecem sempre: em primeiro lugar, os levitas não recebem terra. Mais tarde, recebem alguns povoados e cidades para morar.

SACERDOTES LATIFUNDIÁRIOS, INTERESSADOS NO CONSERVADORISMO - A herança deles não é a terra, mas é Javé e o serviço a Javé e ao Povo. Em Números (8,5-26), diz-se que a tribo de Levi foi colocada à parte, para ficar nos lugar dos primogênitos, mortos na saída do Egito. Tudo pertence a Deus! Para expressar esta pertença do Povo a Deus, os levitas são consagrados a Ele. Os levitas são o Povo representado diante de Deus e sua função era transmitir ao povo os Mandamentos de Deus. Guardavam a Lei e zelavam por sua observância. No sistema dos reis de Canaã e do Egito, os sacerdotes eram ricos e possuíam terras. Assim, estavam interessados em manter o sistema e usar a religiosidade do povo, para impedir a mudança. Em Israel, os levitas não podem ter terra e são pobres. Muitas vezes, o levita aparece na fila dos necessitados, junto com os órfãos, com as viúvas, com os pobres e com os estrangeiros.

DONOS DE RIQUEZAS VIRAM FACILMENTE DONOS DAS CONSCIÊNCIAS – Tudo isso é ambivalente. Na hora em que os sacerdotes se esquecem do sentido profundo de sua missão, podem tornar-se os dominadores da consciência do povo. Isto de fato aconteceu. Começaram a ter o controle do vai-e-vem da fé entre Deus e o Povo. Aquilo que devia ser serviço tornou-se domínio. Voltou assim o estado de opressão, contra o qual Moisés (que era da tribo de Levi) se tinha rebelado. A legislação do Deuteronômio fez um esforço grande para renovar o sacerdócio, mas não conseguiu. Veio o cativeiro e perderam tudo. Mas depois, com a reconstrução do Templo, voltou a tentação de dominar: dominar Deus e dominar o Povo! Jesus entra no Templo, derruba as mesas e diz: “Minha casa é uma casa de oração para todos os povos; mas vocês fizeram dela um covil de ladrões!” – É perigoso ser homem do culto, pois ele maneja um poder muito grande, que pode ser usado para “fazer o mal e fazer o bem, para matar e para salvar”(cf.Marcos 3,1-8).

Com amizade - Luís

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

CHUVA DE BOMBAS APÓS A REZA DO PADRE-NOSSO

BUSH USANDO O NOME DE DEUS EM VÃO - O semanário NEWSWEEK, de circulação mundial, publicou, não faz muito, matéria de capa, com o pomposo título: BUSH E DEUS. A minuciosa reportagem revela como o presidente Bush e seus assessores mais próximos são pessoas intensamente religiosas. Bush, por exemplo, começa o dia lendo a Bíblia. Após o café, chegam seus assessores e, antes de começar o trabalho, eles se dão as mãos e rezam o Padre-nosso de olhos fechados. Agora estão prontos para a tarefa que, naqueles dias, era fazer chover bomba em cima do Iraque, estraçalhando centenas de inocentes: velhos, mulheres e crianças. Pela cara sorridente e irônica de Bush, na entrevista do dia seguinte, conclui-se que ele e os seus tiveram uma noite tranqüila e bem dormida: - “Ora, por que não? Deus está do nosso lado!”

TUDO DE BOM NESTA VIDA E DEPOIS O CÉU – Basta abrir os olhos e ver: há infinita diferença entre ser religioso e ser cristão. Existem católicos que não são cristãos, existem cristãos batizados que são apenas pagãos. A fita métrica para medir a distância entre uns e outros chama-se Jesus Cristo. Os fariseus do tempo de Jesus ficaram, na história, como protótipos de religiosidade. Pois foi seu tipo de religiosidade que os fez perder o bonde da salvação: um bonde chamado Jesus. Religião formalista e desligada dos sentimentos, sobretudo da compaixão, cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração. Não reconheceram em Jesus o Embaixador divino da misericórdia do Pai. Entraram pelo cano e suas observâncias rituais não serviram para nada. Puro lixo religioso! Adeptos do prazenteiro equívoco chamado “teologia da retribuição”, fariseus de ontem e de hoje alimentam a presunção de que Deus é obrigado a retribuir-lhes as rezas e coletas, na forma de sucesso material em seus empreendimentos.

FORÇANDO A MÃO DE DEUS A ASSINAR FALSIFICAÇÕES – Nos morros do Rio e em favelas da Baixada Fluminense onde trabalhei, populações indefesas eram forçadas a comprar proteção aos chefes das gangues. Tinham de pagar pedágio aos bandidos, para não serem molestados. Se não pagassem morriam. Eis parábola chocante para certo tipo de religiosidade. Se pago, tenho de ser protegido. Se pago a Deus, Deus é obrigado a fazer minha vontade. Deus é meu aliado, sirvo a Ele e Ele serve a mim. Dou-lhe reza e dízimo e Ele dá-me sucesso na vida. Deposito o investimento e exijo a mercadoria. Em minha vida tudo dá certo, porque Deus está do meu lado. Minha prosperidade é sinal claro de predileção divina. E os pobres e miseráveis? “Ora, eles se virem, não fui eu que fiz o mundo!” Tal mentalidade religiosa blasfema, entranhada também em meios batizados, foi a grande tragédia israelita, que pregou Jesus na cruz. Jesus não aceitou assinar falsificações em nome de Deus, nem mesmo no momento supremo do aparente abandono.

DEUS É MEU ALIADO CONTRA MEUS INIMIGOS – Quem lê o Antigo Testamento e reza os Salmos constata: idolatria, apelação a deuses falsos, representava o crime maior e o pecado mais grave. Idolatria significa criar Deus à imagem e semelhança dos meus interesses. Isso era punido com a morte! Os salmos, que os padres rezamos todos os dias, estão repletos de rogos de vingança e de explosões de júbilo, pela destruição dos inimigos. Como explicar? Aquilo era apenas um momento primitivo e passageiro, na busca do Deus verdadeiro como Ele é, em sua essência. Percepção vingativa e retribuidora, ainda pagã, cuja treva odienta e cujo veneno vingativo só foram plenamente espantados por Jesus, em sua revelação de Deus, Pai de todos nós, e Deus Filho, irmão de todos nós. Somos todos irmãos, eis o resumo concreto da Lei divina. Daí o vazio ressecado e irredento de quem se arroga constituir a divindade como protetor de sua fortuna e vingador implacável das ofensas que nos fazem. Deus vira ídolo para me dar sucesso na vida e para realizar meus malefícios e vinganças.

INTENSAMENTE RELIGIOSO E QUILOMETRICAMENTE DISTANTE DE DEUS – Os filósofos do Iluminismo, séculos atrás, profetizaram o fim da religião: - “Quando atingirmos a racionalidade e dominarmos a natureza, não precisaremos mais de deuses!” Razão e progresso tornariam a religião coisa do passado, inútil no presente. Sucede o contrário: as previsões dos iluministas falharam. As ideologias milenaristas de avanço material e bem-estar coletivo se esvaziaram. Políticas que garantiam igualdade e justiça social viraram opressão. Com tanta pedra no caminho, a humanidade parece que tornou-se cada vez mais religiosa. Multiplicaram-se as igrejas. Tem religião para todos os gostos. Deus deve ser o nome mais usado, em todos os países e em todas as línguas. E os frutos? Onde estão os frutos bons da presença de Deus na história? Octávio Paz, intelectual e patriota mexicano, bradava indignado, observando a miséria de seu povo: - “Pobre México; tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos!”

CINCO IGREJAS EM UMA ÚNICA PRAÇA – Quem conhece a Bahia sabe que não minto: no perímetro da Praça da Sé, centro histórico de Salvador, eleva-se majestosamente uma meia dúzia de belíssimas igrejas coloniais. Sabe-se hoje, das pesquisas históricas, que boa parte das obras foi financiada por importadores de escravos. A escravatura começava a sofrer rejeição social e os impostos e doações para construção de igrejas arrancavam espinhos das consciências e azeitavam a corrupção da burocracia. Hoje sabe-se bem que Deus não cabe em gaiolas, por douradas que sejam. A “teologia da retribuição” e o uso do Nome de Deus para legitimar procedimentos pagãos e idolátricos transformam formalismos religiosos, templos de pedra e corações empedernidos, em gaiolas vazias. Presumíamos trancar Deus dentro delas, a fim de obrigá-Lo a cantar para nós. Plagiando o filósofo aí de cima: pobres dos Bush e pobres de nós, tão próximos da arrogância batizada e tão distantes do Deus de Jesus Cristo!

Com amizade - Luís