segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

DEUS ÚNICO, PAI DE TODOS, FUNDAMENTO DA REAL FRATERNIDADE IGUALITÁRIA

ANTES, EXÉRCITO ESTÁVEL DE MERCENÁRIOS; DEPOIS, O BEM DE TODOS É DEFENDIDO PELA UNIÃO DE TODOS - Os reis do Egito e de Canaã tinham seus exércitos, que eram o instrumento da dominação. Em Israel, havia o compromisso de solidariedade e de ajuda mútua. Em épocas de crise, vinda das ameaças externas, todas as pessoas, de todas as tribos, capazes de usar armas, organizavam-se na luta contra o inimigo comum: a força repressiva dos exércitos dos reis de Canaã e dos filisteus. O Livro dos Juízes descreve essas lutas. Também aqui, o novo sistema revelou sua fraqueza.. Não foi capaz de manter-se contra as ameaças externas e, no fim, foi forçado a aceitar a monarquia de Saul e de Davi e também criar um exército estável de mercenários. Assim, pela porta dos fundos, voltou, para dentro do povo, o germe destruidor do novo sistema igualitário. Os reis de Israel foram consolidando seu poder pessoal autocrático e assim o novo sistema se desintegrou aos poucos. São os profetas, em sua crítica indignada contra a desigualdade social, que não deixaram o ideal morrer.

ANTES, MONOPÓLIO DO SABER; DEPOIS, SOCIALIZAÇÃO DO SABER - Adotou-se o novo sistema de alfabetização, baseado no abecedário novo, formado de apenas 25 sinais ou letras. Assim, o saber se tornava acessível para todos e se eliminava o monopólio do saber, que caracterizava a sociedade do Egito. Estas são algumas das características do novo sistema social, que começa a ser implantado na Palestina, sob a liderança do grupo que veio do Egito; Apresentamos aqui as seis características que descrevem o lado econômico, social e político. Mas este é apenas um lado da medalha. O outro lado é a nova organização da religião, onde se expressa a mística que animava tudo isso. Eis então, a seguir, algumas das características da vivência religiosa do sistema igualitário:

ANTES, VÁRIOS DEUSES; DEPOIS O DEUS ÚNICO - A luta ferrenha do povo da Bíblia contra os deuses é o outro lado de sua luta contra o sistema explorador, que se legitimava pelo recurso a vários deuses. A insistência nos vários deuses permitia a centralização do poder nas mãos do rei. Muitos deuses dividiam o povo em “torcidas” e o deus mais forte, o do faraó naturalmente, dominava os outros deuses e seus súditos. A insistência no Deus Único permitia a descentralização do poder nas mãos do povo. Se Deus é um só, então todos são iguais! Por isso, a fé no Deus Único é necessariamente libertadora de toda forma de discriminação social ou racial. É a base para a igualdade fundamental dos direitos de todos.

FÉ NO DEUS ÚNICO, FUNDAMENTO DE TUDO - Você pode constatar, abrindo sua Bíblia em três lugares: no Livro do Êxodo (15,1-21), no 1º.Samuel (2,1-10) e no Livro dos Juízes(5,1-32). Esses textos relatam três cânticos de vitória, obtida pela ajuda de Deus. Eles mostram o alcance da fé no Deus Único, para a derrubada do sistema opressor dos reis de Canaã e para a criação de uma sociedade igualitária. Outros textos de grande profundidade são também os seguintes: 1) Isaías, 40 até 55, escrito no tempo do cativeiro, representa e reflete o ponto mais alto do Antigo Testamento. 2)Deuteronômio, 1 até 11, traz uma apaixonada exortação ao povo, para se comprometer novamente com o Deus Único e com sua Lei. É mais ou menos do ano 640 antes de Cristo, tempo da reforma, anterior ao cativeiro. 3) 1º Reis, 18,1-46, onde se descreve uma luta concreta entre o Deus Único e os ídolos falsos, conduzida pelo profeta Elias, no Monte Carmelo. Elias lutou contra os falsos profetas que, usando os ídolos, legitimavam, em nome da religião, a reintrodução do sistema opressor dos reis de Canaã.

O DEUS ÚNICO NÃO LEGITIMA OPRESSÃO, MAS ORDENA LIBERTAÇÃO - Quando se diz na Bíblia que Deus é um só, isto não deve ser entendido, em primeiro lugar, como afirmação numérica, no sentido de “Deus uno”, mas no sentido de exclusividade: “Para o povo, Deus é só este, que se apresentou como Javé, Deus Libertador!”. Este Deus Javé (que é nosso Deus!) é diferente dos outros deuses. Ele não existe para legitimar a opressão, mas existe para libertar e para criar uma convivência fraterna entre os homens. Ele se comprometeu com este Projeto e o garante. Quem tiver a coragem de se comprometer com Ele não terá vida fácil, pois terá de lutar contra toda forma de opressão. “Amar este Deus é o mesmo que amar o próximo como a si mesmo”, dirá Jesus mais tarde, resumindo toda a Lei e os profetas, em poucas palavras. Este Deus se apresenta como “marido” do povo, marido fiel. Ele espera que sua “noiva”, o Povo escolhido, lhe seja fiel e lute por uma nova sociedade, contrária à dos reis do Egito e de Canaã.

BUSCA DO DEUS ÚNICO TOMA A FORMA DE LUTA PELA JUSTIÇA – A fé no Deus Único é o ponto alto da Bíblia. É no povo que luta por uma convivência justa e fraterna que Ele pode ser encontrado. É lá que aparecem os traços do seu rosto. Sua presença no meio do povo é a raiz última da alegria, da esperança e da liberdade humana. Através de Jesus, Ele diz: “Sem mim, nada podeis fazer!” A sua presença fiel e amiga, percebida na vida, devolve ao oprimido a sua consciência de gente e cria aí, na margem da sociedade opressora, o espaço para um novo começo, para uma nova criação. Ele é a clarabóia da vida humana. Quem não O conhece vive tranqüilo sem Ele. Quem O conheceu, já não pode imaginar a vida sem Ele. E a sua vida passará a ser uma busca permanente deste Deus. A busca do Deus Único e Verdadeiro tomará concretamente a forma da luta por uma sociedade igualitária e fraterna. A pergunta mais séria que o cristão se deve fazer, todos os dias, é essa: “Em que Deus eu creio?”

Com amizade - Luís

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

FAMÍLIA, POSSÍVEL TRINCHEIRA DE EGOÍSMOS

FAMÍLIA DE NORDESTINOS NA BAIXADA FLUMINENSE - Época natalina festeja também a Sagrada Família. Família certamente semelhante, em muita coisa, a tantas famílias nordestinas desenraizadas, que conheci na Baixada Fluminense. Qual teria sido o dia-a-dia na família de José, Maria e Jesus? O que eles conversavam à mesa? Quais os ideais terrenos que guardavam no coração? Como se relacionavam com os problemas sociais de seu povo? Como Maria educava o filho? Com que olhos o olhava, quando lhe dava de mamar? Que orientações lhe transmitiu, quando o garoto virou adolescente? Igual às outras mães, que futuro brilhante sonhou para o rebento? O que pensavam ela e José, contemplando o infante misterioso? Como José o via na oficina, quando lhe ensinava carpintaria? Quais os projetos familiares acalentados? Como eram as relações das três pessoas entre si? Como interagiam com as crenças, com a fé religiosa do seu povo? Em que nível da escala social eles se colocariam hoje? O que diferencia, essencial e agressivamente, a família de Jesus dos sonhos e ambições da maioria de nossas famílias? Famílias, pelo batismo, formalmente comprometidas com o Projeto cristão?

O MUNDO DOS BRASILEIROS RICOS – Em ampla reportagem, semanas atrás, um semanário dissecou a intimidade das famílias brasileiras muito ricas. A vida dessas famílias, conforme a revista, é um mundo que, em sua porção mais exclusiva, é cercado por altos muros, carros blindados, seguranças parrudos e mistério, no que se refere a cifras. O lugar comum, ainda conforme a revista, recita que,em país tão pobre como o Brasil, a existência de gente rica demais constitui um absurdo em si. Não por acaso, os brasileiros aprendem, muito cedo, que “dinheiro é coisa suja” e que, ao referir-se a um endinheirado, dizem que ele é “podre de rico”. Tais expressões sintetizam os vícios, no processo de acumulação brasileira. Na época da colônia, era a cobiça pura e simples que motivava os que aqui comercializavam ouro e traficavam escravos. No Império, enriquecer significava fruir as benesses distribuídas pela corte. Na República, o Estado concentrou ainda mais a renda nas mãos de uns poucos privilegiados e, nos seus desvãos, grassou a ladroagem. Roubar, explorar, vender-se, acumpliciar-se, locupletar-se, tais são os verbos que, entre nós, têm rimado com muito dinheiro.

O MAIS VELHO HERDAVA O PADROADO - No Brasil colonial, a escola era só para os senhores. Durante os três séculos do Brasil-Colônia, o ensino existiu unicamente em função da aristocracia rural. Salvo as raríssimas exceções, que não bastam para invalidar o quadro, só os filhos dos senhores de engenho, grandes plantadores e fazendeiros sentavam-se nos bancos escolares. Um historiador assim descreveu, de forma esquemática, o sistema educativo desse período: independentemente de qualquer consideração com o problema de vocação, os três filhos varões do senhor rural já nasciam com destino marcado. Um deles seria o herdeiro, o novo senhor, o continuador da linhagem e do poder. Sua educação formal resumia-se à aquisição de algumas letras, o bastante apenas para ler uma carta e assinar um recibo.

O TERCEIRO ERA DESTINADO AO SACERDÓCIO – O segundo filho seria “letrado”. Iria para a corte, advogaria, brilharia nas rodas sociais, integraria alguma academia de fazedores de sonetos, exerceria funções públicas ou políticas. Ensinavam-lhe latim, mitologia, metrificação poética, um pouco de gramática. O segundo filho estava destinado a ser dono da cultura, do poder político e evidentemente o retransmissor da ideologia dominante. O terceiro filho estava destinado ao sacerdócio. Competir-lhe-ia o poder sobre as almas, a contenção do rebanho dentro de seus limites, e a educação das novas gerações de senhores, conforme a tradição e o código moral prevalecente. O terceiro filho recebia de herança, da família patriarcal, o poder espiritual, cuja função, na prática, era abençoar a situação elitista, provar que ela estava de acordo com os planos de Deus: e assim prolongá-la o mais possível.

FAMÍLIA PODE TAMBÉM FAZER MUITO MAL – Passado o Natal, celebra-se a Sagrada Família. Na liturgia, o evangelho conta o episódio do Menino Jesus entre os sábios do Templo. Em vez de ficar dependente da mãe e do Pai como toda criança, Jesus afasta-se da família e é encontrado, três dias depois, “cuidando das coisas do Pai”. A missão estava acima do bem-estar da família. Acima da família, existem realidades mais importante. Pois existe a família fechada e a família aberta. Família fechada é aquela que se preocupa exclusivamente consigo mesma e com o bem bom de seus membros. Estando ela bem, pouco importa a sorte dos outros. Família fechada não se interessa pelos problemas da família universal: a humanidade, a sociedade, a comunidade. Em família fechada, os valores transmitidos aos filhos são a concorrência feroz e a superação sem piedade. Exatamente a visão de mundo que torna a convivência uma luta sem alma e sem coração.

FRATERNIDADE BIOLÓGICA É PROVISÓRIA – Ela começa com o nascimento e termina com a morte. Fraternidade igualitária no Pai comum faz com que sejamos todos irmãos para sempre. Não é possível que famílias isoladas arrebatem o monopólio da segurança material e da felicidade, em mundo no qual grande parte das famílias possui míseras condições de sobrevivência. Como sentir-se em paz, quando irmãos estão tomados pela desgraça de não terem sequer o que comer! Nem religiosa nem psicologicamente é possível ser feliz sozinho. Para famílias fechadas, Natal conta belo episódio pastoril, no qual o trancamento poético das famílias egoístas de então impediu que Jesus nascesse no meio delas. Envolvidas em projetos particulares, bateram a porta na cara do casal de pobres, que buscava pousada. E o Fato mais importante da história humana aconteceu longe das famílias de Belém. A Sagrada Família foi escorraçada para a estribaria e as famílias de Belém permaneceram trancadas dentro de seus muros, na cadeia asfixiante das mesquinharias pequeno-burguesas.

FAMÍLIA NEM SEMPRE RIMA COM GENEROSIDADE – Religiosa e antropologicamente, família seria a primeira escola de convivência. O mundo será tanto melhor, quanto melhor for a convivência entre as pessoas. Virtude da convivência é a consciência dos direitos iguais. Na construção da igualdade, a família pode ser o grande bloqueio. Quando isso acontece? Quando a família consangüínea tranca-se nas muralhas de seus interesses e se insensibiliza ante os interesses da grande família, que é a comunidade. Pior ainda: a comunidade serve de presa, para a família fechada fartar-se. Mas não tem jeito: se pioramos o mundo para os outros, pioramos o mundo também para nós. Se acumulamos à custa da violência, seremos também vítimas do mundo violento. O dia da Sagrada Família convida a enxertarmos nossas famílias no tronco da compaixão e da solidariedade, de onde perpassa a seiva das reais virtudes humanas: escolho ser egoísta, árido e vazio; ou escolho ser fraterno, plenificado e feliz. Começo de mudança no processo é um empurrão em nossas estruturas familiares, para cima dos trilhos da justiça fraterna. Em mundo como o nosso de concorrência desalmada, os magros rendimentos da carpintaria não dariam para matricular o Menino Jesus no Christus.

Com amizade – Luis

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

DOIS PADRES AGITADORES


- SANDÁLIAS ACOMPANHANDO BOTINAS
– Os padres foram chegando nas primeiras caravelas que “descobriram” o Brasil. O projeto ideológico era “dilatar a Fé e o Império”. A Fé ajudava a dilatar o Império. Por isso, junto com os soldados, vinham os religiosos. Atrás das botas do guerreiro seguiam as sandálias do missionário. Foram milhares. O nome da maior parte desapareceu no anonimato da grande ordem católica colonial. Alguns ficaram mais conhecidos. Quem não se lembra dos padres Anchieta e Manoel da Nóbrega? Pois bem, retiramos do anonimato e apresentamos mais dois jesuítas valorosos, dos nossos tempos coloniais: os padres Gonçalo Leite e Miguel Garcia. Vivas entusiasmados para Gonçalo Leite e Miguel Garcia! Por quê?

- REPATRIADO POR DISCORDAR DA ESCRAVIDÃO – Gonçalo Leite foi o primeiro professor de Filosofia no Brasil. Defendeu a tese que nem os negros da África nem os índios do Brasil apresentavam base legal para serem escravizados. Em conseqüência dessa tomada de posição, a permanência de Gonçalo Leite na colônia tornou-se insuportável para os demais padres e moradores. Assim, ele foi “convidado” a voltar ao Reino em 1586, qualificado de “inquieto” pelo Padre Visitador. De Lisboa, escreveu uma carta ao Padre Geral da Companhia de Jesus “contra os homicidas e roubadores da liberdade dos índios no Brasil”: - “Bem se pode persuadir os que vão para o Brasil – escrevia ele – que não vão a salvar almas, mas a condenar as suas”.

- CONFISSÕES LEVIANAS DE ASSASSINOS E LADRÕES
– Prossegue o desabafo, na carta do padre Gonçalo Leite: - “Sabe Deus com quanta dor de coração isto escrevo, porque vejo os nossos padres confessar homicidas e roubadores da liberdade, fazenda e suor alheio, sem restituição do passado nem remédio dos males futuros, pois tais crimes da mesma forma todos os dias se cometem”. Padre Gonçalo Leite não aceitou que seu sacerdócio e magistério, suas opções mais fundamentais e generosas, fossem desfrutadas para garantir a escravidão. Elas tinham de ser espinhos na consciência dos que aceitam usar o Nome de Deus, para justificar ordens sociais que nada têm a ver com a ordem fraterna e igualitária, querida por Deus.

- IGREJAS E CONVENTOS CHEIOS DE ESCRAVOS – Miguel Garcia foi o primeiro professor de Teologia em Salvador, entre 1576 e 1582. Juntou-se a Gonçalo Leite contra a escravidão existente no próprio Colégio da Companhia de Jesus. Em sua carta, dirigida ao Padre Geral da Companhia, ele escreve: - “A multidão de escravos que possui a Companhia nesta Província, particularmente neste Colégio, é coisa que, de maneira nenhuma, posso engolir. Sobretudo porque não entra no meu entendimento que estes escravos possam ser licitamente possuídos. Alguma vez me passou pelo pensamento que mais seguramente serviria a Deus e me salvaria no mundo, do que nesta Província, onde vejo as coisas que vejo”.

- DESTERRADO POR INQUIETO E ESCRUPULOSO – A carta do Padre Miguel Garcia despertou grande confusão. Os moralistas e dogmáticos do Reino foram convocados para consulta. Moralistas e dogmáticos eram padres também. Todos eles foram de parecer que poderia haver cativeiros justos. Argumentou-se até com o privilégio desses pagãos selvagens serem escravos de cristãos, que os batizassem e lhes transmitissem a fé verdadeira. Eram escravos, mas estavam com a salvação garantida! Dessa forma, todos se voltaram contra Miguel Garcia que, considerado pelo Visitador como inquieto e escrupuloso demais, foi mandado de volta para Portugal, no dia 25 de julho de 1583.

- TROCA-SE TESTEMUNHO POR APADRINHAÇÃO – Os cristãos dos primeiros séculos, venerados ainda hoje como santos, eram chamados de mártires. Bom número deles povoa nossas jaculatórias e suscita novenas. Ser mártir, na comunidade primitiva, significava dar testemunho do Evangelho de forma radical. Se preciso, ao preço da própria vida. Os mártires testemunhavam o quê? Adesão a Cristo, concretizada na defesa heróica da dignidade divina de todos os homens. Justiça fraterna, como única prova material concreta possível de nossa fé em Deus. Ser mártir era o contrário de ser burocrata. Evita-se burocraticamente o incômodo exemplo que os mártires nos dão. Preferimos que eles,em nome de Deus, apadrinhem nossas vantagens.

- GENEROSIDADES NEUTRALIZADAS PELOS BUROCRATISMOS – Em determinados períodos, prevalecem testemunho martirial ou burocratismos religiosos. Os corpos, também as psiques e mentes, preferem a inércia. Via de regra histórica, a inércia é tanto mais nutrida e furnida, quanto mais alto ela mora. Lá de cima, caem comandos que usam prodigamente generosidades fundamentais de seres humanos, a fim de neutralizar inquietações martiriais, substituindo-as por burocracias religiosas. O sangue valente e heróico dos mártires é trocado pela tinta desonerada dos carimbos. Expatriem-se os profetas, vivam os burocratas, o sossego está garantido!

- IGREJA DE CRISTO, ACONTECIMENTO DIVINO E INSTITUIÇÃO HUMANA – O fato religioso, chamado Igreja, possui variadas significações e aspectos frequentemente antagônicos. Igreja é o Testamento de Jesus e é Sociedade humana, organizada em nome d!Ele. Recebe o carisma de Jesus e possui as limitações de nossa natureza. A Igreja é regida pela Graça, mas também pelos dinamismos mundanos, próprios aos exercícios de poder. Por isso, Igreja é profetismo testemonial e mediania conservadora.Em certos períodos, prevaleceram heroísmo e martírio.Tais períodos coincidiram com crescimento do Povo de Deus e aprofundamento da consciência cristã. Em outros períodos, prevaleceu a mediania conservadora. Valorizou-se então a inércia que não incomoda, mais do que a coragem de ousar o salto no escuro.A fase original produziu os santos de nossas novenas e jaculatórias. A fase posterior sempre tendeu a gerar acomodados burocratas eclesiásticos. Reconhecidos profetas, consagrados pelo Povo de Deus, não fizeram “carreira” na Igreja. Em vez de virarem bispos e cardeais, os dois heróicos jesuítas de nossa história, lembrados na crônica, foram simplesmente mandados embora. Seu profetismo era inaceitável para a “boa ordem” do projeto colonial.

Com amizade - Luís

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

SEGUIR A LEI DE DEUS É NOSSA ESPERTEZA MAIOR

JULGAVA-SE UM MAGANO E DESCOBRIU-SE UM TROUXA – Padre Jonas Habib apresentou, na televisão, seu amigo convertido. Este, empresário endinheirado, esteve à disposição do capeta, para todas as sugestões, pois dinheiro não lhe faltava. Achava-se esperto e bem sucedido, em meio à mediania do comum dos mortais. Deixava a família em casa e ganhava a rua. Dava as costas à felicidade onde ela estava e buscava a felicidade onde ela não se encontrava. Crescido em família católica, entendia que Deus é patrão rigoroso, interessado em nossa obediência; que a Lei de Deus era interesse de Deus. Era preciso libertar-se da dependência! A conversão não foi um beatério, mas a certeza de que antes, na inútil liberdade, estava sendo trouxa. Decidiu-se pela esperteza: encontrar a felicidade onde ela aguardava por ele. Descobriu que a Lei de Deus é constituição de nossa liberdade. O Projeto divino interessa a nós e não a Deus, a Quem nada temos a acrescentar.

NÃO USAR O NOME DE DEUS EM VÃO – O nome de Deus é Javé. Isto quer dizer: presença libertadora no meio do povo. “Em vão” quer dizer “coisas vãs”, ligados ao sistema dos ídolos ou falsos deuses. Fica vetado usar o nome de Deus, para obter coisas legitimadas pelo sistema dos ídolos. Não se pode usar o Nome de Deus libertador, para legitimar a opressão. Por isso, não se pode ceder à tentação da magia, que usa as imagens, a fim de forçar Deus dentro do seu próprio esquema. Ou seja, é proibido tentar fechar Deus dentro dos limites estreitos das ideologias humanas. Deus não pode ser reduzido ao tamanho do pensamento humano.

OBSERVAR O DIA DO SENHOR – Para aquele povo, o sábado, era o sétimo dia. Sábado é palavra hebraica, que quer dizer “sétimo”. Para nós, o sétimo dia é o domingo. Para outros, é o sábado. Para os árabes, é a sexta-feira. É uma questão de tradição ou costume. O importante não é o dia da semana; o importante é o sentido do descanso no sétimo dia. Hoje as empresas dão um dia de descanso, para que os operários recuperem sua força e possam produzir mais. Hoje, o descanso é organizado em vista da produção. Na Bíblia, é o contrário. O sentido do trabalho e da produção é o seguinte: chegar, um dia, a criar um mundo de paz e alegria para todos. A observação semanal do sábado funciona como “amostra grátis” da futura paz, que hoje estamos construindo pelo nosso trabalho.

LEI DE DEUS PROPUGNA A CONVIVÊNCIA FRATERNA – Os Mandamentos seguintes, 4 até 10, definem como deve ser o relacionamento entre as pessoas, famílias, clãs e tribos, dentro do novo sistema de vida, conquistado pelo povo. O relacionamento amoroso e fraterno começa em casa, na família. Família é escola do amor universal a todos os irmãos, filhos de Deus. Por isso, o Mandamento de RESPEITAR OS PAIS não se refere apenas à pequena família, mas também e sobretudo aos pais da família patriarcal, isto é: aos anciãos que lideram a comunidade. O Quarto Mandamento defende não só a família, mas também e sobretudo a comunidade. A família de sangue é o lugar da afetividade espontânea, onde aprendemos a amar. Primeiro o amor fácil aos parentes. Para aprendermos a amar todos os filhos de Deus, irmãos na família maior.

RESPEITAR E DEFENDER A VIDA – O Mandamento de NÃO MATAR defende o direito que o outro tem à vida. Esta lei de defesa da vida era tão forte, que chegavam a dizer que aquele que premeditadamente matava alguém não merecia o dom da vida e deveria ser morto. Aparentemente, parecia uma contradição. Mas, pensando bem, é a mais alta expressão de respeito à vida. Isto explica como, no código da Aliança, tem tanta pena de morte. Era a maneira de pensar do povo, naquele tempo. Era o povo antigo, em suas trevas, buscando entender a vontade de Deus. Eles tinham uma cultura diferente da nossa. Isto não quer dizer que se deve reintroduzir a pena de morte; mas quer dizer que se deve ou que se deveria ter, hoje, o mesmo altíssimo respeito pela vida do povo. O que adianta ter banido da legislação a pena de morte quando, no Brasil, a cada minuto, morre uma criança? Quando morre tanta gente, por absoluta falta de condições mínimas para viver? O sistema que ostenta liberalidade por ter banido a pena de morte, mata de mil maneiras e é absolutamente condenado pelo Quinto Mandamento da Lei de Deus.

RESPEITAR OS DIREITOS DO IRMÃO – NÃO ROUBAR pede respeito aos meios de vida do outro. Favorece a confiança mútua, a segurança de vida, sem a qual a vida em sociedade se torna insuportável. NÃO MENTIR é a última base do verdadeiro relacionamento libertador, pois este não existe sem amor à verdade. Sem isso, o diálogo entre os homens é destruído na raiz e a convivência social se torna impossível. Por aqui, a gente percebe que o Projeto de Deus não visa só a uma nova estrutura econômica e política, mas à renovação e à conversão total e radical de cada membro do povo. NÃO DESEJAR O QUE PERTENCE AOS OUTROS é mais que não roubar. É preciso arrancar, de dentro de si, o desejo de enriquecimento, a vontade de acumular, a ganância que leva à exploração do semelhante. Assim se elimina uma das sementes da opressão, que estava na origem do sistema dos reis de Canaã..

JESUS NÃO VEIO ABOLIR MAS APERFEIÇOAR O DECÁLOGO – No capítulo 5 de São Mateus, Jesus retoma alguns dos Dez Mandamentos e revela novamente o seu objetivo: não veio abolir a Lei, mas complementá-la e aperfeiçoá-la.. Isto é: veio realizar o ideal do Projeto de Deus. Isto mostra que o Projeto de Deus não é uma idéia já pronta. É algo a ser construído, pelos homens que crêem em Deus e na fraternidade. Em outras palavras, a Lei de Deus diz mais respeito à nossa felicidade na convivência do que a eventuais interesses de Deus. Nada podemos lhe dar, em nada lhe podemos acrescentar. Por isso, tudo o que d’Ele nos vem diz respeito a interesses nossos. No caso, aos interesses do Projeto de Deus: fraternidade igualitária e feliz em nossa convivência. Por isso, tantas vezes aparece, nos salmos, que seguir a Lei de Deus é suprema sabedoria, nossa esperteza maior. A felicidade humana não pode estar longe do Projeto de Deus, em lugares distantes de sua Casa paterna.

Com minha amizade - Luís

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

SUBVERSÃO COMEÇOU MILHARES DE ANOS ATRÁS

PASTOR EXTRAPOLA NAS PREGAÇÕES – Enfio o braço curioso e retiro velho alfarrábio do fundo da gaveta: recorte amarelado do JORNAL DO BRASIL, que guardei, talvez pela simples mania de guardar. Naquele tempo já distante, pastor luterano de Juiz de Fora recebeu, inesperada e indesejadamente, confirmação do seu cristianismo: a comunidade exigia que ele renunciasse ao cargo, pois suas pregações estariam extrapolando os temas especificamente religiosos. O pastor estaria falando mais de política do que de religião. Com base no entendimento que tem da Bíblia, o pastor Scharffer defende os pobres, protesta contra a exploração que, naquela região, atinge sobretudo os pequenos agricultores e posseiros rurais. Não é assim que os abastados de Juiz de Fora desejam que a Bíblia seja pregada. Conheci o pastor Scharffer, quando precisei revalidar estudos seminarísticos, em escola da Universidade Federal de Juiz de Fora. Esclarecido e transparente, como são tidos os luteranos, no Sul do Brasil.

“QUEREMOS UM PASTOR QUE NOS FALE DE DEUS” – Tal transparência agride a placidez da elite branca do conservadorismo montanhês. – “Ora, não é para isso que queremos um pastor! Precisamos de um líder religioso que nos fale de Deus e ajude no caminho do céu! Exigimos da igreja um evangelista que ensine obediência às leis que garantem a ordem social! Precisamos de um guia cristão, que ajude a arrancar nossos espinhos de consciência e nos restitua à paz interior, com o bálsamo da Palavra de Deus!” A burguesia mineira podia ainda acrescer à fila de suas exigências: - “No mundo do lado de cá, estamos seguros, nada falta. Por que mexer nessas coisas e inquietar o povo? O que desejamos do pastor é que ele transmita a segurança de que estamos salvos, de que vamos ganhar também o mundo do lado de lá!” O episódio é mineiro e velho. Mas parábolas não envelhecem. Por isso, o episódio é também atual e cearense.

RESIGNAÇÃO TEM POUCO A VER COM CRUCIFIXÃO – Da indignação “cristã” na comunidade luterana de Juiz de Fora, é simples concluir a lista de ulteriores exigências: - “Pregar o lado emocional da religiosidade, isso pode! Pregar o Cristo como solução automática dos problemas da vida, dispensadora de nossa participação, pode! Pregar o abandono do mundo (para os outros!), garantindo assim a conformidade dos pobres e a certeza de salvação para os ricos devotos, pode! Identificar a Lei e a Ordem deste mundo com a Lei e a Ordem de Deus, também pode! O que não pode é entender a Bíblia como História de Libertação do Povo de Deus. O que não pode é lembrar que Jesus viveu pobre, acompanhou-se dos pobres, preferiu os pobres e satanizou as riquezas, quando sentenciou definitivamente que não é possível servir a Deus e ao Dinheiro. Cada um dos dois lados exige exclusividade!

CASTRADORES PROFISSIONAIS DA MACHEZA EVANGÉLICA – Para os cristãos que procedem como o pastor luterano de Juiz de Fora, a sociedade batizada tem, em ponto-de-bala, os desqualificativos ameaçadores de sempre: “subversivo”, “agitador”, “criador de problemas”. Pois eis, em poucos adjetivos, as acusações alegadas, no processo contra Jesus. Acusações que diuturnamente entregaram os profetas incômodos às mãos dos carrascos. Mas o pastor Scharffer sabia que não dá para fugir ao dilema: ou enfrentamos os riscos da Sexta-Feira Santa ou castramos a Palavra libertadora de Deus. A história dos tempos de Jesus se repete: os que possuem tudo exigem que os profetas virem empregados deles e funcionem como instrumentos de suas delícias espirituais. A televisão acaba de noticiar, agorinha, sobre escravidão, quase como norma de relação empregatícia, nas terras do Pará, onde todo mundo é religioso. Lá mesmo, onde a cristã inconformada, Irmã Dorothy Stang, foi morta, a mando de fazendeiros

SUBVERSÃO É BEM MAIS ANTIGA – É desinformação e obtusidade mental achar que a pregação da Justiça social e da Fraternidade igualitária começou no século XIX, com o filósofo Karl Marx, dezenove séculos depois de Jesus Cristo. Desinformação, obtusidade mental e simplória blasfêmia atribuir ao velho Marx, frágil ser humano como nós, o poder e a missão justiceira do Filho de Deus. Para o atribulado e endividado Marx, pelo que ele viu na cristandade inglesa dos começos da industrialização, religião era mesmo prazer espiritual, para acalmar a revolta dos revoltados e devolver a paz de consciência aos exploradores igrejeiros. No estigma do próprio Marx, “ópio do povo!” A subversão começou mais cedo. Vejamos, por exemplo, o que pregava São Clemente de Alexandria, no ano 200, mais de dezesseis séculos antes do nascimento de Karl Marx:

NÃO ESQUECER O BURACO DA AGULHA! – Com a palavra São Clemente de Alexandria: - “Não desejeis os alimentos dos ricos, porque os ricos levam uma vida torpe e mentirosa. Os ricos estão apegados às comidas supérfluas, que acabam por ir à latrina. As glutonerias que acontecem nas casas dos ricos ofendem sobretudo os pobres. Deus fez as coisas para todos, portanto todas as coisas são comuns. É injusto, por isso, viver no luxo, enquanto a maioria vive na miséria. É ridículo e revoltante que os ricos usem vasos de ouro e prata e que certas matronas mandem fazer de ouro os próprios vasos para os excrementos, de modo que aos ricos nem ao menos seja possível evacuar sem o devido fausto!” – Pedra coçando em sua mão, leitor? Jogue-a na cabeça de São Clemente de Alexandria!

Com minha amizade - Luís

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

LEI DE DEUS, CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE FRATERNA

ANTES EXPLORAÇÃO DO TRABALHO, DEPOIS AUTONOMIA PRODUTIVA – A produção autônoma depende da posse dos meios de produção que, no tempo da Bíblia, era a terra. A acumulação das terras nas mãos dos reis de Canaã produziu a exploração do trabalho do povo. Privado de sua terra, o povo era obrigado a se empregar, sob as condições que o rei impunha. Em Israel, porém, a terra é declarada dom e posse de Deus. Seu uso era regulamentado por leis que asseguravam, a cada tribo, o seu chão para plantar e produzir. A terra não podia ser vendida nem comprada. Só podia ser usada. Mesmo assim, acontecia de uma família aumentar o seu lote e criar um latifúndio, com prejuízo de outras famílias. Foi para evitar isso e para manter o ideal da sociedade igualitária, que se criou a lei do Ano Sabático e a lei do Ano Jubilar. O Ano Jubilar ocorria a cada 50 anos. Era uma maneira de se recomeçar tudo de novo. Todas as compras e vendas de terras, feitas anteriormente, eram desfeitas e a terra voltava para o seu primeiro dono. O texto do Levítico (25,1-38) dá normas bem concretas para o funcionamento desta lei.

DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER, CAMINHO DE LIBERDADE E PARTICIPAÇÃO – O texto do Êxodo (16,1-30) fala do maná no deserto e insiste em não acumular para o dia seguinte. Essa história tem um significado muito importante: no Povo de Israel, fica proibida a acumulação de bens. Deve haver confiança na Providência divina, a qual passa pela mediação histórica da organização comunitária da vida. A proibição de acumular bens exige que o povo seja dono do seu produto. Esse texto, aplicado à Eucaristia, mostra que a Eucaristia exige partilha dos bens. O sistema do Estado centralizado dos reis de Canaã era organizado de tal maneira que o poder central podia apropriar-se do excedente da produção dos agricultores. No sistema tribal, a organização é feita, de maneira que essa apropriação seja impossível. As famílias ou comunidades menores são donas da terra e de sua produção e podem dispor dela para a sua comercialização. Esta mudança foi possível, porque o poder político foi descentralizado de maneira inteligente.

ANTES CONCENTRAÇÃO DE PODER NAS MÃOS DOS REIS, DEPOIS DESCENTRALIZAÇÃO DO PODER – O rei era dono de tudo e detinha o poder absoluto, legitimado pela religião. No sistema tribal, o poder se exerce através do princípio da subsidiariedade, isto é: o que pode ser decidido na base não deve ser levado para uma instância superior. Os “chefes de família” tinham autonomia dentro de suas respectivas famílias ou comunidades. Além do princípio da subsidiariedade, havia o princípio da solidariedade, que evitava o fechamento dos grupos sobre os seus próprios interesses. As famílias tinham obrigação com o “clã” e os “clãs” tinham obrigação com a “tribo”. Tudo era regulamentado por leis. Nosso Brasil porá os pés nos trilhos corretos, quando a Comunidade local for assumida, como instância de encaminhamento e resolução dos problemas da Comunidade. Enquanto a própria Comunidade não for envolvida, os problemas não se resolverão. Os problemas de educação, de violência e os outros.

A TENTAÇÃO DO PODER CORROMPE A CABEÇA E O CORAÇÃO - No Livro de Josué (24), a gente percebe como funcionava este poder descentralizado. O povo tinha os seus “chefes” ou “anciãos”, que participavam das Assembléias, onde se decidia comunitariamente o rumo do povo. Essa organização encontrava sua expressão até no culto (Nm 7,1-11), onde a gente vê o povo participar, cada qual com sua tarefa própria. Quando, mais tarde, é reintroduzida a monarquia, o poder se torna novamente propriedade privada de uma família, que começa a dominar as outras famílias. A tentação do poder corrompe a cabeça e o pensamento. O poder sempre procura criar estruturas que permitam sua reprodução e ampliação. São os profetas que se levantam contra esse abuso de poder, que nega o Projeto de Deus. Jesus expressa a mais pura tradição bíblica, quando subverte o sistema instalado no poder, dizendo que o verdadeiro poder deve ser serviço aos irmãos. Só assim se elimina o germe da opressão e se lança a base de uma sociedade igualitária. Confira o Evangelho de Marcos (9,35) e de Lucas (22,24-27).

ANTES LEIS QUE DEFENDEM OS INTERESSES DO REI. DEPOIS LEIS QUE DEFENDAM O SISTEMA IGUALITÁRIO - Havia leis que impediam a alienação das terras de uma família para outra: leis que defendiam a fraqueza das pequenas famílias e pequenas comunidades, contra a ganância dos outros. A lei dos 10 Mandamentos defende a liberdade que foi conquistada e defende o novo relacionamento social: não roubar, não acumular, não matar, não mentir, não jurar falso. Tudo isso para defender os direitos dos pequenos contra a tentação eterna do poder e da cobiça. O novo sistema igualitário se baseava na organização eficiente da fraqueza contra a tentação do poder e da ganância, tanto interna como externa. Era, por isso mesmo, um sistema frágil, pois não repousava sobre o uso da força, mas sobre o compromisso de cada um com o novo projeto e com as exigências da fé no Único Deus.

A LIBERTAÇÃO DO EGITO É O FUNDAMENTO DOS 10 MANDAMENTOS - O texto do Êxodo (20,1-17) descreve os 10 Mandamentos. Seu início diz assim: “Eu sou Javé, teu Deus, que te tirei do Egito, da casa da Escravidão!” É o título de posse de Deus, como Senhor e Dono do povo. A libertação do Egito é o fundamento dos 10 Mandamentos. Eles visam a defender a liberdade que o povo conquistou e garantir o funcionamento da sociedade sem opressão. Estamos habituados a interpretar os 10 Mandamentos numa perspectiva meramente individualista: eles dizem quais os pecados mortais que a pessoa deve evitar. Mas esta não é a intenção básica do Decálogo. Os 10 Mandamentos são como uma espécie de CONSTITUIÇÃO DA SOCIEDADE IGUALITÁRIA. Querem promover um relacionamento libertador entre os homens, para que eles tenham vida e vida em abundância. Para o mundo do Egito e de Canaã, os 10 Mandamentos formavam a proposta mais revolucionária. Com o passar do tempo, o povo (de ontem e de hoje) “moralizou” a Lei de Deus e dela fez um código de prescrições particulares. O mesmo perigo correm a Igreja como Povo de Deus e cada um de nós, em particular: cair na tentação, no pecado contra o Espírito Santo, desfibrando a Lei de Deus, transformando-a em sal insosso e fermento mofado.

Com amizade – Luis